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    MARCAS DA CRISE

    Brasil perde talentos para outros países

    ÉRICA FRAGA
    MARIANA CARNEIRO
    DE SÃO PAULO

    17/07/2016 02h00

    No início de 2015, a arquiteta Christiane Roy, 39, e seu marido, o engenheiro Gustavo Taglianetti, 40, se sentiam na corda bamba.

    Profissional liberal, ela começou a ver o volume de trabalho aumentar e os ganhos encolherem porque seus clientes queriam gastar menos, o que demandava extensas pesquisas de preços. Ele foi absorvendo tarefas dos colegas que eram demitidos na empresa para a qual trabalhava e vivia a ameaça constante de corte.

    "Nosso estresse aumentou muito", diz Roy.

    A crise econômica precipitou uma decisão que já consideravam tomar por causa da violência em São Paulo: mudar para o exterior. Em setembro do ano passado, o casal deixou o Brasil e foi viver em Toronto, no Canadá, com as duas filhas.

    Em dois meses, Taglianetti conseguiu uma vaga como engenheiro. Roy se dedica à adaptação das filhas, antes de tentar um emprego. Ela diz que a família perdeu um pouco o padrão de vida, não tem empregada, algo incomum no mundo desenvolvido. Mas acredita que ganharam em segurança e na qualidade da escola das filhas.

    Um número crescente de profissionais qualificados tem seguido a mesma trilha, o que se traduz em uma forte onda de emigração que ganhou velocidade com a recessão econômica no Brasil.

    SAÍDA

    No ano passado, 2.500 brasileiros obtiveram visto de imigração para os EUA, número superior aos 1.605 de 2014. O crescimento de 55% foi o décimo maior entre 138 países, segundo estatísticas do governo americano.

    O Reino Unido emitiu 945 permissões de trabalho para cidadãos do Brasil nos primeiros nove meses do ano passado, maior patamar desde 2006.

    BYE BYE, BRASIL - Número de vistos concedidos a brasileiros

    O número de vistos para brasileiros entrarem no Japão (incluindo todas as categorias, como turismo, negócios e trabalho) retornou em 2015 ao patamar anterior a 2008 —ano em que o mundo rico entrou em crise e muitos brasileiros deixaram o país.

    A economia brasileira chegou a sentir os efeitos negativos, mas reemergiu com força em 2010, quando cresceu vigorosos 7,5%.

    A combinação atraiu brasileiros que viviam fora e estrangeiros. Não faltava emprego, e o mercado de trabalho disputava profissionais qualificados, que recebiam remuneração mais alta. O real forte e a crise externa tornavam esses salários ainda mais competitivos em relação aos pagos em outros países.

    Porém, uma combinação de gastos públicos excessivos, inflação alta e fraqueza da economia mundial fez o Brasil mergulhar, em 2014, em uma forte recessão que já dura dois anos.

    Embora economistas digam que o país está perto do fundo do poço, as consequências da talvez pior recessão da história republicana do país tendem a se estender por muitos anos.

    CLIMA DE OBA, OBA

    O caso da fuga de profissionais e empreendedores para o exterior ilustra bem essa questão.

    Marcas da crise
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    O empresário Geraldo Rodrigues, 52, tinha vendido 70% de sua empresa de gerenciamento de carreiras esportivas e estava bem financeiramente na bonança.

    Mas diz que viu semelhanças com este período e o que sucedeu a implantação do Plano Cruzado.

    "Comecei a sentir um clima de 'oba, oba'. A hiperinflação dos anos 1980 me quebrou e me deu uma úlcera. Não queria passar por isso de novo", conta Rodrigues, que se mudou para Miami, nos EUA, em 2009.

    Preferiu investir lá os recursos que angariou: comprou imóveis e começou um novo negócio, de equipamentos de audiovisual.

    BRASILEIROS PELO MUNDO - Estimativas de consulados e embaixadas

    No longo prazo, algumas consequências desse movimento migratório podem até ser positivas. Mas, até lá, os efeitos negativos predominam, e o balanço final, segundo especialistas, é de difícil mensuração.

    Se esses profissionais retornam ao país, trazem mais experiência e qualificação.

    Ex-aluno da Universidade da Califórnia (EUA), o sociólogo Simon Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e da Sociedade (Iets), concorda com a possibilidade. Mas ressalta que, no curto prazo, o efeito é negativo, e os ganhos futuros, incertos.

    "Estamos perdendo talentos, pessoas muito qualificadas, que podem voltar ou não porque muitas vezes, quando saem, também buscam melhor qualidade de vida, menos violência, melhor educação para os filhos."

    Para João Amaro, professor da FGV-SP e da Nova School of Business and Economics, em Portugal, o movimento é positivo no longo prazo.

    "É bom para o país que as pessoas saiam, cresçam profissionalmente e culturalmente, e depois voltem."

    Representações diplomáticas do Brasil nos EUA têm, desde 2015, relatado ao Itamaraty o desembarque, cada vez mais frequente, de famílias brasileiras no país. As estatísticas oficiais sobre esse fluxo mais recente só devem sair no fim do ano.

    SEM VOLTA

    Muitos dão sinais de que não pretendem voltar.

    A empresária carioca Vivian Mayrink Cirillo, 38, mudou-se com o marido e os três filhos para Weston, na Flórida, no início do ano passado. Ela diz que percebeu os efeitos da crise econômica no aumento da violência no Rio. Isso fez ela e o marido optarem por deixar o país. Nos EUA, ela diz que encontrou boas escolas e segurança.

    "Percebemos que chega uma família brasileira aqui por semana", diz ela, que manteve no Brasil sua empresa de gestão de marcas.

    "Não penso em voltar, não. Aqui temos tranquilidade e não me acostumaria a viver novamente no clima de eterna vigília e de medo que tínhamos no Rio."

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