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    Cúpula da Embraer autorizou pagar propina no exterior, afirma gerente

    WÁLTER NUNES
    DE SÃO PAULO

    31/07/2016 02h00

    Um funcionário da Embraer com mais de 30 anos de casa disse, em depoimento ao Ministério Público Federal do Rio, que a cúpula da empresa autorizou o pagamento de suborno a uma autoridade da República Dominicana durante negociações para venda de oito aviões Super Tucanos, entre 2008 e 2009.

    Gerente da área de defesa da companhia, Albert Phillip Close assinou acordo de delação premiada para colaborar com as investigações e no dia 4 de abril deste ano revelou aos procuradores detalhes sobre as negociações.

    Segundo ele, a Embraer pagou US$ 3,5 milhões de propina ao coronel aposentado da Força Aérea Carlos Piccini Nunez, que dirigia a área de projetos especiais do Exército dominicano na época. O contrato obtido pela Embraer tinha o valor de US$ 92 milhões.

    O caso foi descoberto pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que informou a empresa e as autoridades brasileiras sobre os delitos em 2010. A Embraer tem colaborado com as investigações, por temer punições previstas pela legislação americana para empresas com negócios nos EUA que praticam atos de corrupção no exterior.

    Documentos foram compartilhados com o procurador brasileiro Marcelo Miller, que até o mês passado fazia parte da força-tarefa que conduz a Operação Lava Jato.

    Em comunicado sobre os resultados do segundo trimestre, divulgado na sexta-feira (29), a Embraer informou que separou US$ 200 milhões (R$ 685 milhões) para o pagamento de uma multa que deverá ser definida em breve como consequência das investigações americanas.

    A empresa informou também que negócios em outros países também estão sendo analisados, e não só na República Dominicana. Uma pessoa que acompanha as investigações disse à Folha que os EUA examinam contratos da Embraer em nove países.

    Albert Close, o gerente que colabora com as investigações no Brasil, disse ao procurador Miller que começou a examinar o caso da República Dominicana em 2009, quando foi encarregado de analisar um contrato da Embraer com uma empresa chamada 4D, de US$ 3,5 milhões.

    "O documento não tinha estrutura, não tinha objeto e não descrevia os serviços prestados", disse Close. Após falar com seus subordinados, ele descobriu que a 4D era de uma pessoa chamada "Piccini" e mandou cancelar o pagamento. "Como não havia base para a contratação, não houve pagamento naquele momento", afirmou Close.

    Piccini era o coronel Carlos Piccini Nunez. Como o pagamento da propina não saiu, o militar passou a assediar os funcionários da Embraer, disse Close, cobrando a propina por telefone e publicando mensagens no Facebook.

    O gerente disse que então avisou seu superior, Orlando José Ferreira Neto, vice-presidente-executivo de defesa e segurança. Segundo Close, o chefe desconhecia o assunto e pediu que analisasse se a 4D tinha prestado os serviços previstos em seu contrato.

    No segundo semestre de 2009, disse Close, dois funcionários da Embraer viajaram à República Dominicana para discutir o contrato dos Super Tucanos. Eles se reuniram com um senador dominicano, que, segundo Close, cobrou a propina de forma "muito agressiva" e ameaçou impedi-los de deixar o país.

    TUBARÃO

    Uma pessoa familiarizada com o caso disse à Folha que o senador reteve os passaportes dos brasileiros e avisou que, caso a dívida não fosse paga, os dois funcionários "virariam comida de tubarão".

    Segundo Close, os brasileiros ficaram assustados e foram orientados por Ferreira Neto a pagar imediatamente parte da propina, "cem ou quatrocentos mil dólares". Mas o coronel Piccini continuou cobrando o restante.

    Em setembro de 2009, segundo o delator, seu chefe disse que a empresa havia decidido pagar tudo. Ferreira Neto era subordinado diretamente ao então presidente da Embraer, Frederico Fleury Curado. Para Close, a operação teve o aval de Curado.

    O gerente disse ter sido informado pelo chefe de que um antigo consultor da Embraer ficou encarregado de fazer os pagamentos a Piccini. Para isso, seu contrato com a Embraer foi alterado pelo então vice-presidente jurídico, Flávio Rimoli, disse.

    Atualmente, Rimoli é vice-presidente de governança corporativa, auditoria e controle interno da construtora Camargo Corrêa, que criou o departamento após ser investigada pela Operação Lava Jato.

    OUTRO LADO

    A Embraer não quis fazer comentários sobre o depoimento prestado por seu gerente Albert Phillip Close ao Ministério Público Federal, dizendo por meio de nota de sua assessoria de imprensa que "não é parte desse processo" e "não tem acesso às informações nele contidas".

    Em comunicado ao mercado divulgado na sexta-feira (29), a empresa afirmou que tem colaborado com as investigações conduzidas pelo Departamento de Justiça dos EUA e pela SEC, o órgão do governo americano que fiscaliza o mercado de ações.

    "A companhia contratou advogados externos para realizar uma investigação interna em operações realizadas em três países", disse a Embraer. "Em decorrência de informações adicionais, a companhia voluntariamente expandiu o escopo da investigação interna para incluir as vendas em outros países."

    Segundo a empresa, as negociações com as autoridades americanas para encerrar as investigações avançaram neste ano. A Embraer deverá pagar uma multa, para a qual separou em junho a quantia de US$ 200 milhões (equivalente a R$ 685 milhões).

    Segundo a empresa, o acordo em discussão com o governo americano livrará a Embraer de um processo criminal e a obrigará a contratar um monitor independente para avaliar o cumprimento do que ficar combinado.

    O advogado José Luis de Oliveira Lima, que representa Close, disse que o processo é sigiloso e não tem nada a comentar. O ex-presidente da Embraer Frederico Fleury Curado, que deixou o cargo em junho, não quis se manifestar.

    O advogado Celso Vilardi, defensor do executivo Flavio Rimoli, afirmou que o fato de ele ter examinado os contratos com a República Dominicana "não quer dizer que ele soubesse de qualquer irregularidade". A Folha não localizou a defesa do ex-vice-presidente da Embraer Orlando José Ferreira Neto.

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    QUEM É QUEM

    O suborno teria sido pago ao coronel aposentado da Força Aérea dominicana Carlos Piccini Nunez, após pressão sobre a empresa. Um senador do país, que não foi identificado, teria ameaçado dois funcionários, disse Close

    A propina foi paga por um contrato com um consultor, que a repassou a Piccini. A mudança foi feita por Flávio Rimoli, então vice-presidente jurídico da Embraer e hoje responsável pela área anticorrupção da Camargo Corrêa

    Segundo o gerente da Embraer Albert Phillip Close, em 2009 o então presidente da empresa Frederico Fleury Curado autorizou o pagamento de US$ 3,5 milhões em propina para garantir a venda de oito aviões Super Tucanos para a República Dominicana

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    RAIO-X EMBRAER 2º TRI 2016

    PREJUÍZO LÍQUIDO
    R$ 337,3 milhões

    DÍVIDA LÍQUIDA
    R$ 1,96 bilhão

    RECEITAS LÍQUIDAS
    R$ 4,77 bilhões

    AERONAVES VENDIDAS
    52

    PATRIMÔNIO LÍQUIDO
    R$ 12,26 bilhões

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