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    Homem mais rico do México enfrenta novo inimigo: o Estado que o ajudou a enriquecer

    AZAM AHMED
    RANDAL C. ARCHIBOLD
    ELISABETH MALKIN
    DO "NEW YORK TIMES"

    09/08/2016 19h41

    Evan Agostini/Invision/Associated Press
    Bilionário mexicano Carlos Slim em evento em Nova York
    Bilionário mexicano Carlos Slim em evento em Nova York

    Nem tudo vai bem no reino de Carlos Slim.

    Por mais de 25 anos, ele ditou os termos no setor de telecomunicações do México e construiu um império, que o tornou um dos homens mais ricos do mundo.

    Slim e sua família são bilionários — 50 vezes bilionários. Ele já ocupou a primeira posição no ranking de bilionários da revista "Forbes" — mais de uma vez.

    Seus anos de grande prosperidade no México permitiram que abarcasse a América com empresas que tocam quase todas as facetas da vida moderna — telecomunicações, bancos, construção, varejo e mídia, entre outras.

    Mas em seu país, o México, o jogo está mudando. E os analistas dizem que não há muito que Slim possa fazer a respeito.

    Determinados a pôr fim ao seu domínio, os líderes dos três maiores partidos políticos mexicanos deixaram de lado sua animosidade, nos últimos anos, e se reuniram para conversações secretas com o objetivo de começar a desmontar o império de Slim.

    Agora, o plano que eles conceberam para aumentar a competição no setor de telecomunicações, que se tornou lei dois anos atrás, começa a fazer efeito.

    BBC/Getty
    Carlos slim mexico economia
    Carlos Slim, homem mais rico do México, enfrenta a oposição de políticos locais

    QUEDA NO LUCRO

    O lucro da principal empresa de Slim, a América Móvil, está caindo fortemente, em 44% nos seis primeiros meses deste ano depois de cair em 24% em 2015, ante os períodos comparáveis anteriores.

    Um indicador de lucratividade muito acompanhado por Wall Street também caiu, e as ações da empresa registraram 39% de queda nos 12 últimos meses.

    No balancete trimestral divulgado no mês passado, a companhia reconheceu que a competição mais forte estava restringindo seu lucro no México. Sob a nova lei, ela precisa se submeter a regras especiais, em sua condição de operadora dominante de telefonia.

    Não pode cobrar taxas de seus concorrentes menores quando os usuários das redes destes chamam números em sua rede, e deve oferecer acesso à sua infraestrutura, o que inclui torres de telefonia móvel, medidas que segundo Slim o forçam a subsidiar gigantes como a AT&T.

    "O que mudou mais e é mais relevante para o caso foram as autoridades e a atitude delas para com o império de Slim", disse Ernesto Piedras, diretor geral da Competitive Intelligence Unit, uma empresa de consultoria e pesquisa. "Essa é a primeira vez que Slim não tem cópias de todas as chaves nas mãos".

    As autoridades regulatórias do México, às vezes contra a vontade do governo, tentaram por décadas limitar o domínio de Slim, e se viram bloqueadas a cada tentativa.

    O monopólio dele era tão forte que custou aos mexicanos US$ 13 bilhões em despesas adicionais a cada ano, entre 2005 e 2009, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

    Ainda assim, sua riqueza, os exércitos de advogados com que conta e seus contatos no governo o mantiveram sempre à frente das fracas autoridades regulatórias, dizem antigos funcionários do governo mexicano.

    Mas quando o Partido Revolucionário Institucional (PRI) reconquistou a presidência, em 2012, buscou reafirmar seu poder em um país no qual o Estado — e não as grandes empresas — tradicionalmente era rei.

    E Slim oferecia uma oportunidade de marcar pontos políticos, ao mesmo tempo - os mexicanos já expressavam abertamente o seu desdém pelo serviço de suas companhias, que consideram dispendioso e frequentemente indigno de confiança.

    REFORMAS

    Reformar o setor de telecomunicações era parte crucial do esforço do presidente Enrique Peña Nieto para reconstruir a imagem do México e a de seu partido, que governou o país por quase sete décadas antes de perder uma eleição pela primeira vez, em 2000. Ele prometeu que criaria um novo PRI, dedicado a reconstruir a economia. Também prometeu uma nova era, afirmando que o "momento do México" havia chegado.

    A festa não durou muito, com escândalos de corrupção e segurança que derrubaram os índices de aprovação de Peña Nieto ao ponto mais baixo atingido por qualquer presidente mexicano em um quarto de século. Mas as reformas econômicas continuaram.

    O México está convidando empresas privadas a explorar petróleo no país. Mudanças no sistema escolar estão em curso. E Slim está enfrentando concorrência efetiva pela primeira vez.

    Para o México, a lei de telecomunicações oferece um severo contraste para com as muitas promessas frustradas do Estado — pôr fim à corrupção, defender o Estado de Direito e reduzir a desigualdade. Que o governo tenha conseguido encarar Slim, possivelmente o mais poderoso dos cidadãos mexicanos, é prova de que onde há vontade política, há jeito, no México.

    "O governo investiu nas reformas econômicas, mas ignorou a reforma do sistema judiciário e o campo da corrupção", disse Enrique Krauze, um renomado historiador mexicano que conhece Slim.

    Ainda assim, as mudanças pouco fizeram para reduzir a fatia de mercado de Slim. Ele continua a deter cerca de 70% do mercado de telefonia móvel e cerca de 65% do mercado de telefonia fixa do país.

    Em entrevista, Slim disse que a nova lei estabeleceu uma certeza que todo empresário aprecia. Mas a ideia de que sua empresa precisa ser regulamentada de maneira especial o irrita, bem como as afirmações de que ela bloqueou ou evitou regulamentação no passado.

    "Veja toda a regulamentação que impuseram a nós! Olhe só!", ele disse. "Todas as vezes que se queixam de alguma coisa, surge um lobby por mais regulamentação".

    Slim reconheceu que o lucro de sua empresa estava em queda. Os problemas cambiais da América Latina pesaram para o grupo. E o recente ingresso da AT&T no mercado mexicano, com a promessa de investir bilhões a fim de competir com sua companhia, ajudou a derrubar significativamente os preços dos planos de telefonia móvel, entre os quais os de sua empresa. Mas apesar de tudo isso, disse Slim, seus clientes continuaram com ele.

    "Eles imaginaram que chegariam e nos soterrariam, só porque se chamam AT&T", ele disse. "Por um lado, eles dizem ser 'a maior rede da América do Norte', e do outro dizem que são tão pequenos que devemos subsidiá-los".

    DIMINUIR O PODER

    Este ano, as autoridades regulatórias mexicanas determinarão se as novas medidas são suficientes para restringir o domínio de Slim. As autoridades podem adotar medidas ainda mais severas se decidirem que a América Móvil não está se abrindo à competição - por meio de multas pesadas ou mesmo de uma ordem de cisão da empresa.

    Em termos gerais, Slim parecia otimista quanto às suas perspectivas.

    "Eu já afirmei diversas vezes: as telecomunicações são o sistema nervoso da nova civilização", ele disse. "É preciso ter uma visão de médio e de longo prazo. Não podemos ter uma visão trimestral".

    Nem todos os analistas compartilham dessa opinião.

    "O pior ainda não passou", disse Andre Baggio, analista do banco J. P. Morgan.

    Existem muitas histórias sobre Carlos Slim: filho de imigrantes libaneses que herdou os negócios de varejo da família e construiu um império, peça a peça, ao longo da porção latino-americana do hemisfério ocidental.

    Seus vastos investimentos incluem participação acionária significativa no "New York Times".

    Mas existe um outro lado, dizem autoridades mexicanas — o de embaralhar a regulamentação em complicadas manobras jurídicas, o de formar amizades com os ricos e poderosos que se identificam com o sucesso de Slim.

    Esse tipo de afirmação incomoda Slim, que nega ter bloqueado qualquer regulamentação. Em última análise, o que vale é a escolha dos consumidores, ele diz, no México como em qualquer outro país.

    "Não é, possível resistir, em um mercado de 110 milhões de consumidores, a menos que as pessoas escolham ficar com você", ele disse.

    RIQUEZA FORA DO PAÍS

    Embora o domínio do mercado por Slim — e seus lucros — possam estar sob ameaça no México, a riqueza dele já não depende do país.

    "Ele começou a investir em outras coisas", disse Juan Molinar, antigo ministro das Comunicações, em entrevista antes de sua morte, no ano passado. "Siga o dinheiro".

    E há muitos anos o dinheiro vem fluindo em outras direções.

    Nos Estados Unidos, os resultados dos investimentos de Slim não foram sempre positivos. Um investimento na cadeia de varejo CompUSA foi um fracasso, enquanto o empréstimo de US$ 250 milhões que ele fez ao "New York Times" foi pago, e gerou um belo lucro. Hoje, ele é o maior acionista da empresa que controla o jornal (as ações de Slim portam direito de voto limitado).

    As empresas dele constroem e arrendam plataformas offshore, perfuram poços de petróleo, operam represas no Panamá e construíram gasodutos no México e nos Estados Unidos. Ele está até envolvido em negócios com o mais famoso executivo egresso da Halliburton, Dick Cheney, e investiu com o antigo vice-presidente dos Estados Unidos na WellAware, uma startup de serviços petroleiros no Texas.

    O projeto de aeroporto da Cidade do México, em valor de US$ 13 bilhões, também tem sua participação, o que inclui uma sociedade entre um genro e o arquiteto chefe da obra e a presença de outro parente por casamento no comitê de design.

    Ainda que o membro do comitê tenha se licenciado, a mídia noticiosa local viu no projeto algo que já está acostumada a ver: "O novo aeroporto da Cidade do México terá o selo de Carlos Slim", de acordo com uma manchete.


    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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