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    Presidente do BC diz que interesses particulares atrapalham ajuste fiscal

    MARIA CRISTINA FRIAS
    COLUNISTA DA FOLHA
    VALDO CRUZ
    EM SÃO PAULO

    14/08/2016 02h00

    Diante da resistência do Congresso em aprovar medidas de ajuste fiscal, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, afirma que interesses coletivos precisam prevalecer sobre os individuais para o Brasil voltar a crescer.

    "Essa ideia de que todo mundo é a favor do fiscal na teoria, mas na prática cada um cuida do seu [interesse] é um entrave", diz, insistindo que, "se cada um se preocupar apenas com seu lado", a inflação não vai cair.

    Durante entrevista na sede do BC em São Paulo, Ilan Goldfajn avaliou que a economia "estabilizou e parou de cair". Previu "uma recuperação moderada" em 2017.

    Ilan assumiu o comando do BC em 9 de junho. Neste período, o BC continuou com a sua política de buscar frear a queda do dólar —ainda assim a moeda recuou 6,24% neste período, para R$ 3,17— e adotou uma linguagem mais clara e sucinta na ata do Copom (documento que analisa a reunião do comitê responsável pela definição da taxa de juros).

    Sobre as pressões da ala política do governo para o BC cortar juros e usar outros instrumentos para conter a inflação, ele afirmou: "É como se a recomendação fosse botar um pé na geladeira e outro no fogão e, na média, estamos iguais. Não estamos".

    A inflação brasileira chegou a 8,74% nos 12 meses encerrados em julho, acima do teto da meta da inflação, de 6,5% ao ano.

    Folha - O sr. condicionou a queda dos juros ao ajuste fiscal. Colocar-se como fiscal do fiscal pode ser um risco?

    Ilan Goldfajn - Vários fatores afetam a perspectiva de inflação. O primeiro é a inflação corrente, o segundo é a real ociosidade da economia, o desemprego. O terceiro fator, os ajustes na economia. Os projetos que estão sendo encaminhados, se aprovados, vão ajudar na desinflação e fazer as expectativas cairem.

    Empresários disseram ao presidente interino, Michel Temer, que o Congresso parece não perceber a gravidade da situação. Como o sr. avalia?

    Um amigo, o economista Mansueto Almeida, que trabalha na Fazenda, diz que todo mundo concorda com o ajuste fiscal. Mas, quando o ajuste recai no seu próprio lado e tem de fazer a sua parte, aí começa a complicar.
    No coletivo todo mundo concorda, mas, quando chega no individual, colocam o interesse próprio antes. Se cada um se preocupar só com seu lado, o coletivo não sairá. O país não vai crescer, a inflação não vai cair.

    Temer já o procurou para falar de câmbio e juros? Suas manifestações atrapalham?

    Não. O governo tem de criar condições para ter desinflação e permitir que os juros caiam, ter câmbio competitivo. Se a gente criar as condições, vamos ter juros mais baixos de forma sustentável, que é o que todos queremos.

    Teremos recessão em 2017?

    A economia teve quedas nos últimos trimestres e provavelmente se estabilizou. Parou de cair, está pronta para uma recuperação e a perspectiva pela frente é melhor.

    Quanto vai crescer em 2017?

    Nosso cenário básico é de uma recuperação moderada.

    Para os juros caírem, onde deverá estar o ajuste fiscal?

    Essa questão é subjetiva, a percepção de que estamos resolvendo nosso problema das contas públicas. E ela não é este ou aquele evento. Como vamos saber? Vai ficar claro, o risco vai cair, a expectativa de inflação vai cair, vai entrar direto nas expectativas.

    Mas até que ponto as reformas precisarão avançar?

    Até o ponto em que a confiança continua melhorando. É o processo que gera confiança em todo o mundo de que estamos na direção certa.

    Como vê a valorização do real em relação ao dólar?

    O cenário internacional está muito benigno para economias emergentes. É importante que a gente aproveite este interregno, que nos deu uma janela para fazer ajustes, reformas, cuidar das contas públicas. O trabalho é contínuo. A percepção de que estamos caminhando é muito importante.

    Benigno como?

    O mundo não está nem quente, crescendo suficientemente forte para elevação de juros no mundo como um todo, nem está frio para ter uma nova recessão que preocuparia todo mundo. A água está morninha, mas não vai ficar para sempre assim. O momento é de cautela. Temos de fazer os ajustes para não ter de fazer sob pressão.

    A água morna não está mascarando um início de pessimismo do mercado pela falta de aprovação de medidas fiscais?

    Eu acho que você tem incertezas diminuindo. Agora, tem de trabalhar para continuar a reduzir incertezas.

    Por que a inflação teima em não cair, apesar da recessão e da valorização do real?

    Estamos monitorando para ver se a inflação, que está demorando para cair [ficou em 8,74% em julho], é só por esses choques [de 2015 e de agora] ou será que tem uma inércia embutida aí. As pessoas olhando a inflação do ano passado, e reproduzindo o passado no presente, em vez de olhar para a frente.

    Como combatê-la?

    Se for isso, é um risco no balanço do Banco Central. Significa que você tem uma desinflação mais lenta, isso retarda a política monetária.

    O BC vai manter o foco na meta de inflação de 4,5% em 2017 ou vai migrar para 2018?

    Para nós, importa todo o horizonte. Vamos manter o foco em 4,5% em 2017.

    O fim da interinidade do presidente Michel Temer está totalmente no preço dos ativos ou ainda tem espaço...

    Muito investidor diz querer esperar a decisão [do processo de impeachment de Dilma Rousseff]. Tem muita gente que não precisa ou não quer esperar e antecipa. Aqueles que conseguem antecipar arbitram quem quer esperar.

    Temer disse que já chegou à sua mesa a preocupação com a queda do dólar. Receberam alguma orientação dele?

    Chega na mesa de todo mundo. O câmbio nunca tem um só aliado de um lado e de outro. Dentro do regime de câmbio flutuante, existe possibilidade de intervenção, e a gente tem reduzido estoque de swap cambial, quando e se as condições permitem.

    E o governo?

    O papel do governo é criar as condições. Se fizer uma boa reforma, ajustar o fiscal, o câmbio ajusta no fim das contas. E nos ajustes não fiscais, tem os que mexem na competitividade, da indústria. O governo tem o seu papel em criar condições para uma maior competitividade.

    Na questão do dólar, muitas empresas estavam aproveitando a taxa cambial mais favorável, havia um processo de ajuste das contas externas.

    A ala política do governo, que pede juros menores, afirma que o BC poderia usar outros instrumentos. Concorda?

    É como se a recomendação fosse para botar um pé na geladeira, outro no fogão, e na média estamos iguais. Não. Cada instrumento, seu papel.

    O alto nível de endividamento de empresas preocupa?

    O sistema tem reagido bem, mantendo-se sólido, capitalizado, com liquidez, está provisionado e isso na verdade é o que a gente espera do sistema financeiro. Que dado ao choque, reações são feitas. E reagindo, se mantém bem. A situação está bem, ele está capitalizado, sólido, líquido.

    Os próximos anos serão de crescimento baixo?

    Não vamos voltar ao período pré 2008, que tinha muita exuberância. Então, acho que é correta a afirmação de que o crescimento será menor.

    Karime Xavier / Folhapress
    Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central
    Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central
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