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    o brasil que dá certo - saúde

    Com 'minicérebro', start-up investiga terapias alternativas e ação da zika

    REINALDO JOSÉ LOPES
    DE COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    25/08/2016 02h00

    Nem os métodos mais avançados de diagnóstico por imagem são capazes de revelar como cada neurônio de uma pessoa se conecta às demais células do cérebro e como isso influencia o funcionamento do sistema nervoso. Cientistas e médicos brasileiros decidiram contornar tal limitação criando uma versão miniaturizada do cérebro dos pacientes que estão tentando ajudar.

    Essa é a principal aposta da Tismoo, uma empresa de biotecnologia sediada em São Paulo cujo objetivo é achar alternativas para o tratamento dos transtornos do espectro do autismo e outros problemas neurológicos de origem genética que hoje não contam com terapias eficazes, como a síndrome de Rett e a síndrome de Williams.

    "A gente não vai propor um ensaio clínico", explica o biólogo Alysson Muotri, professor da Universidade da Califórnia em San Diego e um dos membros da equipe técnica da start-up. Esse tipo de teste, normalmente ligado ao desenvolvimento de novos medicamentos, exige uma grande estrutura para acompanhar centenas ou milhares de pacientes.

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    "A ideia é encontrar drogas já aprovadas para uso que tenham um efeito positivo nos neurônios derivados dos pacientes. Isso permitirá que as famílias avaliem, junto com seus médicos, a relação custo-benefício de usar esses medicamentos."

    O processo é muito parecido com o trabalho realizado há anos por Muotri em seu laboratório nos EUA. Ele e seus colegas se especializaram na produção personalizada de neurônios a partir das chamadas células iPS (ou células-tronco pluripotentes induzidas).

    A partir de uma biópsia simples —uma amostra de pele do paciente, por exemplo—, os pesquisadores usam fatores especiais para "convencer" as células assim obtidas a "voltar no tempo", adquirindo uma versatilidade semelhante à dos embriões de poucos dias de vida.

    Após, outras substâncias são empregadas para que as células iPS se especializem, tornando-se neurônios (ou qualquer outro tipo celular humano, dependendo do interesse dos pesquisadores).

    O passo final é cultivar tais neurônios de modo que eles se conectem e formem uma estrutura tridimensional, que imita, em formato muito simplificado, a organização do córtex cerebral humano.

    Tais entidades são conhecidas como organoides cerebrais ou, mais popularmente, "minicérebros". Como as células possuem o mesmo material genético de seu doador, a lógica diz que sofrerão dos mesmos problemas do cérebro "original" —diferenças no padrão de multiplicação dos neurônios ou na quantidade de sinapses (conexões neuronais), por exemplo.

    Daí vem o pulo do gato: se algum medicamento for capaz de corrigir tais erros de funcionamento, há a chance de que possa fazer a mesma coisa com o cérebro da pessoa afetada pelo problema.

    Esse trabalho, já realizado nas universidades, deve começar em breve na Tismoo.

    Em paralelo, a empresa tem oferecido o sequenciamento (ou seja, a "leitura") de todo o genoma dos pacientes, o que também tem a possibilidade de ajudar na busca pelas raízes das disfunções neuronais e por abordagens terapêuticas.

    "A nossa expectativa é que isso gere um 'big data' importante, porque ninguém tinha analisado o genoma de pacientes brasileiros com esse detalhamento", diz Muotri.

    ANTIZIKA

    A capacidade de recriar elementos-chave do sistema nervoso em laboratório tem sido decisiva também para as tentativas de desvendar como o vírus zika é capaz de devastar o sistema nervoso de fetos humanos.

    Stevens Rehen e Patricia Garcez, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino, usaram "minicérebros" para demonstrar que o vírus era capaz de conduzir os precursores dos neurônios a uma espécie de suicídio celular, de forma que os órgãos simulados ficavam com apenas metade do tamanho dos minicérebros não infectados com o vírus.

    Também usaram a plataforma para analisar quais genes são ativados pela presença do zika, verificando que ele não apenas mata os neurônios como impede que células-tronco se transformem neles. Os estudos também devem dar pistas sobre substâncias que podem proteger os neurônios do ataque do vírus.

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