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    Especialistas veem risco para ensino e saúde com ajuste em gastos públicos

    DE SÃO PAULO

    10/09/2016 02h00

    "A garantia de que não teremos retrocesso e o reconhecimento de que há muito ainda a avançar são dados pela vinculação neca setubalpresidente dos conselhos do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária e da Fundação Tide Setubal

    Em meio à discussão sobre como ajustar as contas do governo, especialistas temem que grupos de pressão organizados vençam a disputa por recursos e prejudiquem as áreas de saúde e educação.

    A preocupação foi expressa na quinta-feira (8) pelos participantes do seminário Ilustríssima FGV, organizado pela Folha em parceria com a Faculdade de Direito da FGV-SP. O evento discutiu a proposta do governo de criar um teto para o aumento dos gastos públicos.

    Considerado um importante instrumento de ajuste fiscal, o projeto prevê a eliminação das atuais regras que separam 13,2% da receita para saúde e 18% para educação.

    A mudança depende de emenda constitucional, com duas votações na Câmara dos Deputados e duas no Senado. A previsão do governo é que tramitação avance neste ano.

    O fim das vinculações de receita, porém, foi alvo de crítica de Maria Alice (Neca) Setubal, da Fundação Tide Setubal, Maria Paula Dallari Bucci, professora de direito da USP, e Salomão Barros Ximenes, professor da Universidade Federal do ABC, participantes do debate.

    "As sereias no Brasil raramente cantam para as maiorias. Normalmente elas cantam a favor da concentração de renda e da manutenção de privilégios. A vinculação é uma garantia contra esse canto", afirmou Ximenes.

    Na avaliação do professor, a regra preserva a educação, cujo interesse é difuso, da queda de braço com os grupos corporativos, como os funcionários do Judiciário.

    Bucci também fez críticas à proposta de ajuste recair sobre a área social do governo, enquanto são concedidos reajustes e vantagens a juízes e funcionários do Ministério Público e da Defensoria.

    "O governo está tentando apertar parafuso com marreta", disse ela, referindo-se a estes servidores como "profissionais de sangue azul".

    "Os governos têm dificuldade de conter a pressão pela elevação de gastos que não têm nada a ver com educação e saúde, têm a ver com gastos do Judiciário e Legislativo. Este é o problema real."

    Em sua intervenção, Neca Setubal mostrou preocupação com o que chamou de invisibilidade do atual desafio do ensino público para a classe política. Superada a ampliação do acesso ao ensino, obtida com a garantia de recursos à educação, chegou-se à etapa da melhoria da qualidade. Porém este avanço não é palpável como a construção de escolas.

    "A garantia de que não teremos retrocesso e o reconhecimento de que há muito ainda a avançar são dados pela vinculação", disse.

    A proposta do governo, em tramitação na Câmara, estipula que as duas áreas deverão receber, no mínimo, os mesmos recursos do ano anterior corrigidos pela inflação, mas o Congresso pode decidir alocar mais dinheiro nas áreas.

    Neca, porém, mostrou-se cética. "Será uma guerra no Congresso para decidir a alocação desses recursos", prevê. "Dada a invisibilidade da qualidade da educação, não tenho dúvidas de que isso [maior destinação de verbas] não vai acontecer."

    ABISMO

    Embora reconheça a pressão adversa dos grupos de interesse, o quarto debatedor, o professor de economia e colunista da Folha Samuel Pessôa, é favorável à proposta do governo, pois considera a alternativa muito mais danosa.

    "Se a inflação é um abismo, nós já nos atiramos nele. A PEC [proposta de emenda constitucional] é um cabo em que a gente pode se agarrar para nos trazer para o barranco, porque nós já estamos caindo."

    Pessôa afirma que a medida é apenas a primeira etapa para ajustar as contas públicas, que requer ainda reformas como a da Previdência. Se não enfrentar essa agenda, alerta ele, o país corre o risco de voltar a ser abatido pela hiperinflação.

    "Se não fizermos muita coisa, daqui a cinco anos vamos falar de uma inflação de 20% ao ano e crescente", afirmou. "Quando a sociedade não consegue resolver seus conflitos, acaba na inflação. Já tivemos hiperinflação no passado e no meu entender estamos voltando ao passado."

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