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    Não há juiz que faça aparecer dinheiro, diz consultor de ajuste fiscal do Rio

    MARIANA CARNEIRO
    DE SÃO PAULO

    08/11/2016 02h00

    A taxa de 30% que o governo estadual do Rio pretende cobrar de servidores da ativa e aposentados para equilibrar suas contas enfureceu o funcionalismo do Estado, que atravessa há mais de dois anos grave crise financeira.

    Contratado pelo Banco Mundial para assessorar o Rio e outros Estados em crise, o economista José Roberto Afonso diz que a cobrança é justa, pois faz a conta ser paga pelos diretamente interessados na saúde financeira da Previdência estadual, apontada como fonte principal do desequilíbrio no Rio.

    Folha - O pacote é duro para os servidores. Por que não aumentar outras receitas?

    José Roberto Afonso - O Rio já aplica as maiores alíquotas de ICMS do país em combustíveis e energia. O espaço para reajustá-las é pequeno. Em um momento de recessão, pode-se até aumentar o imposto, mas o contribuinte não paga. E mais um ponto: o Estado depende excessivamente do petróleo e da Petrobras, e eles entraram em colapso. Isso significa desemprego e por consequência menor consumo, o que provoca menor arrecadação.

    O governo diz que o Rio aumentou gastos com pessoal.

    A despesa com pessoal pesa porque houve uma queda de receita e não se pode cortar os gastos com folha. Mas os gastos com pessoal no Rio têm que ser olhados com cuidado. Há diferentes informações oficiais no Tesouro Nacional. Numa, a despesa cresceu 18,4% entre 2014 e 2015, na outra a folha caiu 2%.

    Como assim?

    O aumento de 18,4% foi o que o Estado colocou a mais para pagar pessoal. Mas a folha do funcionalismo caiu 2%. O que explica a diferença? Parte das despesas era financiada por outras receitas, como royalties, antecipação de receitas e saques de depósitos judiciais. Essas fontes secaram e o Estado teve que colocar mais recursos próprios. Mas isso não quer dizer que a folha tenha subido.

    Então o que explica a crise?

    Além da queda de receita, o que pesa desproporcionalmente é o gasto com inativos. O número de inativos supera o de servidores ativos. Não é o Executivo prestador de serviços, leia-se polícia, ensino, saúde, onde está o desbalanceamento. Por isso o pacote deu ênfase em alterar as contribuições previdenciárias.

    Leo Pinheiro/Valor
    Data: 15/04/2014 Editoria: Brasil Reporter: Marta Watanabe Local: Rio de Janeiro, RJ Pauta: Fotos do Jose Roberto falamos muitas vezes Setor: Pesquisa Personagem: Jose Roberto Afonso, economista da FGV, fotografado na cobertura da FGV em Botafogo Tags: ceu, estrutura. espelho, Fotos: Leo Pinheiro/Valor ***FOTO DE USO EXCLUSIVO FOLHAPRESS***
    O economista José Roberto Afonso, contratado pelo Banco Mundial para assessorar o Rio

    Não é arriscado contar com royalties para pagar salários?

    Com certeza. Enquanto eles estavam entrando funcionou. Mas é preciso pontuar que esse desenho foi induzido pelo governo federal.

    Pode explicar?

    Isso começou na negociação da dívida do Estado com a União, em 1998. A Lei do Petróleo proíbe que royalties sejam usados para pagar pessoal e dívida. Mas na negociação foram colocadas duas exceções. Foi permitido usar os royalties para financiar um fundo previdenciário, o que o Rio fez, e para pagar dívida com a União. As duas destinações são equivocadas, essas receitas devem ser aplicadas em investimentos. A crise é bom momento para acabar com as exceções.

    A taxa extra dos servidores já foi aplicada antes?

    Segurados de fundos de pensão como Previ, Petros, Funcef e Postalis estão fazendo aportes adicionais para cobrir deficits nos fundos. No caso dos servidores, a Constituição diz que o regime deve ter equilíbrio atuarial. Ocorre que os regimes dos servidores são desequilibrados, e os deficits são cobertos exclusivamente pelo governo.

    Isso significa que quem paga por esse desequilíbrio é toda a sociedade. O Rio está dizendo que o deficit tem que ser coberto pelos participantes do regime, o que reforça o caráter técnico e justo da proposta. Assim é mais justo para a sociedade, porque os diretamente interessados têm que contribuir mais.

    O deficit atuarial da União é o dobro do do Rio. Ela não faz o mesmo porque pode se endividar, e quando faz isso a sociedade como um todo paga. O governo federal deveria estar fazendo a mesma coisa.

    Pelos protestos, a discussão deve parar na Justiça.

    Antes haverá a discussão na Assembleia Legislativa, mas o líquido e certo é que não se pode declarar inconstitucional a falta de dinheiro. Não tem dinheiro e não há decisão judicial que faça aparecer dinheiro no caixa.

    No Rio e em outros Estados está havendo uma sucessão de decisões judiciais arrestando o caixa dos Estados. É uma novidade histórica. O Judiciário está assumindo a gestão financeira do Rio e é inegável que se perde transparência. Porque não se sabe quem está na frente da fila de credores e por que está recebendo antes.

    Por que não reaver incentivos tributários de empresas?

    Dizem que o Rio renuncia em um ano a 80% do que arrecada. Não é assim. Se fosse, seria masoquismo. Em 2016, a previsão é de R$ 7 bi. Os incentivos da guerra fiscal são uma questão de concorrência para as empresas. Se um Estado sozinho cortar o incentivo, ele premiará as concorrentes no Estado vizinho.

    *

    RAIO-X
    JOSÉ ROBERTO AFONSO

    FORMAÇÃO

    Economista com mestrado pela UFRJ e doutorado pela Unicamp

    ATUAÇÃO

    Pesquisador do IBRE/FGV, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público, consultor contratado pelo Banco Mundial para dar suporte técnico aos Estados. Foi consultor do Senado, onde também assessorou Francisco Dornelles (hoje vice-governador do Rio). Foi um dos formuladores da LRF e superintendente da área fiscal do BNDES; deixou o banco em 2013

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