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    Sites de notícias repensam uso de anúncios de recomendação de sites

    SAPNA MAHESHWARI
    JOHN HERRMAN
    DO "NEW YORK TIMES"

    10/11/2016 18h32

    Eles estão em toda parte, e pode ser até que você clique em algum deles de vez em quando: aquelas fileiras de links que aparecem embaixo de artigos na web, muitas vezes acompanhados por fotos sensacionalistas e manchetes chamativas sobre as mais recentes manias de saúde, notícias sobre celebridades ou maneiras de escapar a problemas financeiros.

    Usualmente agrupados sob um rótulo do tipo "conteúdo promocional" ou "dizem na Web", esses links muitas vezes não passam de publicidade disfarçada em reportagens que os internautas poderiam gostar de ler. Há bastante tempo eles vêm propiciando receitas de que os provedores de conteúdo necessitam muito, e oferecem a ampla gama de anunciantes uma oportunidade de acesso a audiências grandes e muitas vezes de elite, a um preço acessível.

    Mas alguns provedores de conteúdo começam a se preocupar com os efeitos que os chamados "anúncios de conteúdo" podem ter sobre suas marcas e leitores. Este mês, a revista "Slate" parou de publicar esse tipo de anúncio. E a revista "New Yorker", que restringia sua colocação às páginas de humor de seu site, recentemente decidiu removê-los completamente.

    Entre os motivos: os links podem conduzir a sites questionáveis, operados por entidades desconhecidas. Às vezes, as informações que eles apresentam são falsas. Recentemente, Chandler Riggs ator da série "The Walking Dead", postou no Twitter imagens de dois desses anúncios: "jovens atores que morreram este ano" e "jovem astro de TV encontrado morto". Os dois traziam uma foto de seu rosto.

    riggs

    Em outras situações, as imagens e títulos criam justaposições estranhas, e até perturbadoras. Um artigo da "Slate" sobre misoginia, neste ano, vinha acompanhado por publicidade sobre "10 celebridades que deixaram de ser gostosas".

    slate

    "Não é o que você quer veicular se aspira a ser um site de qualidade, um site de primeira linha e creio que seja mais que hora de encararmos esse fato com honestidade", disse Keith Hernandez, presidente da "Slate".

    Os anúncios foram "criados sob a premissa de que os provedores de conteúdo desejam maximizar receitas –e não sob a premissa de indicar coisas bacanas para os leitores da publicação", ele acrescentou.

    INSATISFAÇÃO

    Um relatório da organização sem fins lucrativos ChangeAdvertising.org, em setembro, constatava que 41 dos 50 maiores sites noticiosos dos Estados Unidos –entre os quais os do "Guardian", CNN, "Time" e Forbes incorporavam widgets das chamadas companhias de recomendação de conteúdo. Diversos dos que não o fazem, entre os quais o do "New York Times", cooperam com anunciantes na criação de widgets que conduzam mais visitantes aos seus sites.

    Duas companhias, Taboola e Outbrain, criadas cerca de uma década atrás em Israel, dominam o setor, seguidas pela Revcontent e pela ZergNet, de acordo com análises de dados da Datanyze. (O "New York Times" tem uma seção "sugestões de nossos anunciantes", em sua home page, que conduz a posts criados por seu departamento publicitário sem a participação da equipe de notícias e editorial.)

    A ChangeAdvertising.org analisou os anúncios de conteúdo nos 41 sites noticiosos e constatou que 61% deles vinham de anunciantes ou de outros provedores de conteúdo conhecidos. Mas 26% conduziam a sites conhecidos como "clickbait" [caça-cliques], ostentando ainda mais anúncios e widgets de recomendação de qualidade mais baixa destacando imagens sexualmente sugestivas ou que perturbavam a navegação pela página.

    Quase todos esses sites, que parecem estar pagando pela presença nas recomendações e lucrando com os anúncios que eles mesmos veiculam quando os usuários os visitam, ocultam seus registros de domínio.

    Sean Blanchfield, presidente-executivo da PageFair, uma startup de publicidade, se refere a esses sites repletos de anúncios como "atravessadores" que são "basicamente projetados para convencer o usuário a clicar em alguma coisa".

    Rob Leathern, membro do conselho da ChangeAdvertising.org, define a situação como "bem problemática". Ele disse que era surpreendente que páginas como essas estivessem "a um clique de distância dos 50 maiores sites noticiosos".

    Os leitores estão começando a expressar insatisfação. Um deles recentemente criticou links da Outbrain sob uma reportagem "Slate" sobre prevenção de distúrbios alimentares –um dos quais tinha por título "seis dicas para evitar ganhar peso no Dia de Ação de Graças".

    Outro se chocou com um link da Taboola intitulado "conheça mulheres que fazem piadas realmente engraçadas sobre estupro". Um usuário do Twitter perguntou ao "Guardian" em abril se "esses artigos do @Outbrain não solapam a integridade dos veículos noticiosos?".

    Esse é o grau de desconexão entre as esperanças expressas pelo setor de conteúdo publicitário quanto ao que deseja fornecer e aquilo que os internautas acabam de fato vendo.

    FINANCIAMENTO

    "A visão é indexar a Web inteira e levar às pessoas as melhores coisas, apresentar-lhes as indicações mais personalizadas", disse em entrevista Adam Singolda, fundador e presidente-executivo da Taboola. "Em geral, boa parte do valor que a Taboola oferece está em apresentar às pessoas coisas sobre as quais elas nem tinham ouvido falar". Ele mencionou exemplos como novos programas de TV, blogs e até mesmo música de DJs de Brooklyn, bairro de Nova York.

    A Outbrain, que também cria ferramentas para que provedores de conteúdo direcionem leitores a outras áreas de seus sites, diz que sua missão é "ajudar as pessoas a descobrir conteúdo confiavelmente interessante, relevante e oportuno para elas".

    Matt Crenshaw, vice-presidente de marketing de produtos na Outbrain, disse que "à medida que esse espaço se expande, ele vem se tornando uma fonte considerável de receita para os provedores de conteúdo, em termos percentuais".

    "Grandes provedores de conteúdo nos informaram que nos tornamos sua fonte de receita número um", ele disse, se recusando a nomear empresas específicas.

    A Outbrain e a Taboola afirmam fornecer aos provedores de conteúdo ferramentas que permitem a remoção de conteúdo potencialmente problemático. Adicionalmente, as duas empresas empregam equipes de pessoal que verificam conteúdo antes que ele seja postado em suas redes, ainda que tenham admitido que policiar anunciantes que alteram campanhas e redirecionam endereços na rede depois da aprovação é um desafio. E há além disso o problema da escala muito ampla em que ela elas operam.

    A Outubrain diz fazer 200 bilhões de recomendações de conteúdo por mês, e que emprega "uma equipe de conteúdo editorial bem grande, com 17 a 20 pessoas", disse Eric Hartley, vice-presidente de marketing da companhia. (A empresa também disse que sua parceria com a "Slate", iniciada em 2010, não havia sido encerrada devido a insatisfação dos leitores, ainda que tenha preferido não acrescentar outros detalhes).

    A Taboola, que afirma oferecer 360 bilhões de recomendações de conteúdo ao mês, tem cerca de 100 gerentes de conta que se encarregam de aprovar novos anúncios, além de 10 funcionários dedicados a "manter o conteúdo limpo", segundo Singolda.

    Os detalhes financeiros sobre as duas empresas não são públicos, ainda que algumas transações notáveis tenham colocado em destaque o grande movimento do setor. A Taboola no ano passado assinou um contrato de três anos com a rede de jornais norte-americana Gannett, que Singolda estimou possa vir a representar até US$ 55 milhões em faturamento publicitário para os jornais.

    A Time Inc., que controla as revistas "People", "Fortune" e outras, afirmou em 2014 que sua parceria de três anos com a Outbrain geraria mais de US$ 100 milhões em receita. A Outbrain afirma que, para certos provedores de conteúdo, ela responde por até 30% da receita total.

    "Só podemos nos declarar satisfeitos com a Outbrain como fornecedora terceirizada de recomendações de conteúdo aos visitantes de nossos sites", afirmou Jill Davison, porta-voz da Time Inc., em e-mail.

    CONFUSÃO

    Uma amostra de seis recomendações da Outbrain disponíveis no site da "New Yorker" em 5 de outubro mostra a confusão que os leitores podem enfrentar quando decidem seguir esses links de conteúdo. Diversos dos links eram legítimos, mas um levou a um site de spam e outro a um falso site de notícias médicas criado por uma companhia de marketing.

    Dois conduziam a editoriais da AARP, a associação dos aposentados dos Estados Unidos, que promove seu site por meio da Outbrain e também tem widgets da empresa em seu site.

    "Não precisamos mais criar relacionamentos individuais com os provedores de conteúdo", disse Nataki Edwards, vice-presidente de marketing digital da AARP. Mas ela reconheceu que o controle de qualidade era um problema.

    "A Outbrain, a Taboola e outras relaxaram seus padrões nos últimos anos", disse Edwards. "Nossos usuários acreditam que verificamos todos esses links. Queremos garantir que essa confiança seja merecida".

    Perguntado sobre o widget e sobre anúncios específicos, Nicholas Thompson, editor da revista "New Yorker", disse que "a Outbrain só aparece em nossas páginas de humor. É uma escolha deliberada". Ele acrescentou que o arranjo era parte de um acordo mais amplo entre a Condé Nast, que controla a revista, e a Outbrain. Mas uma semana depois da entrevista, a "New Yorker" removeu os anúncios de seu site, ainda que tenha se recusado a comentar essa decisão.

    Para a "Slate", deixar de veicular anúncios desse tipo valeu a pena, disse Hernandez. A principal prioridade da empresa é descobrir como transformar visitantes casuais em leitores regulares que visitem o site entre oito e 24 vezes por semana, ele acrescentou.

    "Quando você está observando as coisas desse prisma e não sente uma obsessão maníaca por monetizar cada pixel do site, a Outbrain claramente não se enquadra mais à nossa equação", ele disse. "Se a confiança e a fidelidade dos leitores são a coisa mais importante para nós, não podemos ter links como aqueles em nossas páginas".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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