• Mercado

    Sunday, 19-May-2024 12:36:57 -03

    Apple admite pela primeira vez plano para desenvolver carros autoguiados

    TIM BRADSHAW
    DO "FINANCIAL TIMES"

    04/12/2016 12h49

    A Apple admitiu publicamente pela primeira vez seus planos de desenvolver carros autoguiados, com uma carta na qual insta as autoridades regulatórias das rodovias dos Estados Unidos a promover "competição leal" entre os recém-chegados à indústria automobilística e os fabricantes tradicionais.

    Em uma declaração incomumente franca que acompanhou a carta, um porta-voz da Apple confirmou o trabalho da empresa quanto a sistemas autônomos que poderiam ser usados para transformar "o futuro dos transportes".

    A carta da Apple ressalta os "significativos benefícios sociais dos veículos automatizados", que ela descreve como uma tecnologia capaz de salvar vidas, dado o potencial de prevenir milhões de colisões de carros e milhares de mortes a cada ano.

    A carta foi assinada por Steve Kenner, diretor de integridade de produtos da Apple, e enviada em 22 de novembro.

    A revelação destaca até que ponto a Apple pode enfrentar dificuldades para manter o segredo pelo qual é notória no desenvolvimento de novos produtos, agora que está ingressando em mercados altamente regulamentados, como os de transporte e saúde.

    Centenas de funcionários da Apple vêm trabalhando em um carro elétrico há mais de dois anos, disseram pessoas familiarizadas com o projeto.

    O jornal "Financial Times" reportou, em fevereiro do ano passado, sobre o laboratório secreto de pesquisa, que fica em Sunnyvale, perto da sede da empresa em Cupertino, Califórnia.

    Desde então, a despeito de vazamentos de informações sobre o progresso ocasionalmente difícil do projeto, os executivos da Apple vinham se recusando a admitir que a iniciativa automobilística da empresa existia.

    Será mais difícil para a empresa manter essa posição depois da publicação da carta que ela enviou à Administração Nacional de Segurança no Tráfego Rodoviário (NHTSA) dos Estados Unidos, como parte do diálogo regular entre a agência fiscalizadora e a indústria quanto às regras para tecnologias em rápido desenvolvimento.

    "A Apple usa aprendizado mecânico para tornar seus produtos e serviços mais inteligentes, e mais pessoais", escreveu Kenner. "A companhia está investindo pesadamente no estudo de aprendizado mecânico e automação, e está empolgada sobre o potencial dos sistemas automatizados em muitas áreas, entre as quais o transporte".

    Mais adiante ele propõe salvaguardas para a privacidade dos consumidores, e compartilhamento de dados mais frequente entre os fabricantes, para promover a segurança, e faz considerações éticas quanto ao impacto dos carros autoguiados sobre o emprego e os espaços públicos.

    A carta se seguiu a uma mudança recente de prioridade na Apple, rumo ao desenvolvimento de sistemas autônomos que sirvam de base a um carro, depois que Bob Mansfield, um veterano da empresa, foi apontado para o comando do projeto automotivo, alguns meses atrás, de acordo com pessoas informadas sobre o assunto.

    Um porta-voz da Apple confirmou a carta, que oferece a mais clara declaração até o momento sobre as intenções da companhia.

    "Nós encaminhamos comentários à NHTSA porque a Apple está investindo pesadamente em aprendizado mecânico e sistemas autônomos", disse o porta-voz da Apple. "Existem muitas aplicações potenciais para essas tecnologias, entre as quais o futuro dos transportes, e por isso queremos trabalhar com a NHTSA para ajudar a definir as melhores práticas para o setor".

    A despeito de seu foco atual nos sistemas que embasariam um veículo autoguiado, a carta deixa em aberto a possibilidade de que a Apple vá adiante e projete e produza um carro por contra própria, em lugar de apenas fornecer tecnologia a um fabricante estabelecido.

    "Para maximizar os benefícios de segurança dos veículos automatizados, encorajar a inovação e promover a competição leal, os fabricantes estabelecidos e os novos ingressantes deveriam ser tratados igualmente", a Apple afirmou na carta.

    Além de criar um campo de jogo nivelado para os recém-chegados do Vale do Silício que podem se ver competindo com as montadoras tradicionais de Detroit, os novos regulamentos deveriam possibilitar testes mais rápidos de novos desenvolvimentos tecnológicos, propõe a carta.

    A espera de autorização das autoridades regulatórias a cada nova versão de uma tecnologia alonga em meses o processo de desenvolvimento.

    Em um dos trechos mais controversos da carta de cinco páginas, a Apple diz que os fabricantes deveriam compartilhar dados, ao desenvolverem sistemas automatizados, para ajudar na identificação generalizada de uma ampla gama de situações incomuns ou "casos limite" que carros podem encontrar nas estradas.

    "As empresas deveriam compartilhar cenários sem identificação precisa e dados dinâmicos de colisões e quase acidentes", escreveu a Apple. "Ao compartilhar dados, o setor criará conjuntos de dados mais abrangentes do que aqueles que qualquer companhia poderia criar sozinha".

    No entanto, ela acrescentou que "o compartilhamento de dados não deve ocorrer em detrimento da privacidade".

    A Apple instou a agência regulatória a continuar a "exploração ponderada das questões éticas" associadas a carros autoguiados.

    "Porque os veículos automatizados prometem impacto humano tão amplo e profundo, as empresas deveriam considerar as dimensões éticas deles em termos igualmente amplos e profundos", a Apple escreveu.

    Essas considerações incluem privacidade, a forma pela qual os sistemas de software dos carros tomam decisões e o impacto sobre o emprego e os espaços públicos, afirmou a empresa.

    Os especialistas estão divididos e não sabem se carros autoguiados causarão imensos congestionamentos ou esvaziarão as ruas, e sobre até que ponto eles livrarão espaços urbanos usados como garagens e estacionamentos para a construção de mais moradias ou parques.

    A automação de empregos como os dos taxistas e caminhoneiros pode elevar o desemprego entre os trabalhadores de baixa capacitação, alguns analistas alertaram.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024