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    Acordo mundial sobre petróleo revela aliança entre Rússia e Arábia Saudita

    DAVID SHEPPARD
    ANJLI RAVAL
    DO "FINANCIAL TIMES"

    12/12/2016 15h14

    Sergei Karpukhin/REUTERS
    Trabalhador em campo de petróleo da empresa russa Bashneft, em Bashkortostan, Rússia
    Trabalhador em campo de petróleo da empresa russa Bashneft, em Bashkortostan, Rússia

    O primeiro acordo mundial quanto à oferta de petróleo em 15 anos revela a aliança cada vez mais firme no ramo da energia entre a Arábia Saudita e a Rússia, por conta dos dois anos de queda no preço do petróleo que forçaram cooperação entre parceiros antes improváveis.

    A Rússia liderou os principais produtores que não fazem parte da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), entre os quais México e Cazaquistão, em um acordo assinado neste final de semana para reduzir a oferta de petróleo em 568 mil barris ao dia —com Moscou, que responde pelas maiores exportações petroleiras fora da Opep, concordando em arcar com metade do corte.

    O petróleo cru padrão Brent subiu em até 6,5% nos minutos posteriores à abertura dos mercados da Ásia, segunda-feira, para cotações superiores a US$ 57,89 por barril, as mais altas do ano, depois do acordo entre os produtores que não fazem parte da Opep no sábado.

    O acordo se segue a quase um ano de diplomacia petroleira que levou o presidente russo Vladimir Putin e os líderes da Arábia Saudita a deixar de lado as diferenças quanto à guerra na Síria, dadas as dificuldades que as economias dos dois países enfrentam para se ajustar à queda de 50% nos preços do petróleo da metade de 2014 para cá.

    A cooperação direta entre os dois maiores exportadores mundiais de petróleo cru surge depois que a Arábia Saudita liderou os 13 países da Opep, em 30 de novembro, em um acordo que cortará a oferta de petróleo do cartel em mais de 1 milhão de barris diários, o que causou alta de 15% nos preços da commodity, para acima de US$ 54 por barril.

    "É muito significativo que haja um acordo entre duas potências como a Arábia Saudita e a Rússia", disse Olivier Jakob, analista da consultoria Petromatrix. "Uma nova dinâmica geopolítica está sendo criada, e ela pode ser transformadora para os mercados de petróleo".

    A Arábia Saudita e a Rússia juntas respondem por mais de um quinto da oferta mundial de petróleo, mas a desconfiança entre os dois países não foi fácil de superar.

    A Rússia recuou de um acordo conjunto anterior para a redução da oferta de petróleo, durante a última queda prolongada dos preços do petróleo, na virada do século, e sua oferta de reduzir a produção em 300 mil barris diários é vista como em parte associada à queda natural de produção em campos mais velhos.

    Mas o envolvimento de Putin, que este ano conversou com o poderoso príncipe herdeiro adjunto Mohammed bin Salman, da Arábia Saudita, dá mais peso ao compromisso assumido por Moscou.

    "Com Putin diretamente envolvido na negociação desse acordo, e com a cooperação entre Arábia Saudita e Rússia em diversas frentes, e não só o mercado de petróleo, é provável que Putin exerça pressão política substancial sobre as empresas para garantir o cumprimento do tratado, de modo substancial se não completo", disse Amrita Sen, cofundador da Energy Aspects.

    A Arábia Saudita tradicionalmente opera como o chamado "produtor pêndulo" do mercado petroleiro, elevando a produção quanto a oferta é baixa e reduzindo-a quando necessário para sustentar preços e firmar o mercado.

    Mas em 2014, o rápido crescimento do petróleo de xisto betuminoso e outras formas de extração de alto custo, nos Estados Unidos, depois de quase quatro anos de petróleo a US$ 100 por barril, levou Riad a abandonar esse papel por medo de perder mercado.

    O colapso de preços subsequente travou o crescimento da oferta fora da Opep e levou a até US$ 1 trilhão de cortes de investimentos, mas também abalou os orçamentos de todos os grandes países produtores de petróleo.

    Riad iniciou um ambicioso projeto para pôr fim à sua dependência econômica do petróleo, mas precisa de preço mais alto em curto prazo a fim de atingir esses objetivos, que incluem privatizar parcialmente a estatal petroleira Saudi Aramco, a fim de levantar capital.

    O país temia conceder mais mercado à Rússia, um dos poucos países de fora da Opep a continuar elevando sua produção durante a queda de preços. A produção russa este ano atingiu um recorde de mais de 11 milhões de barris diários, mas uma recessão dolorosa deflagrada pela queda do petróleo —e agravada pelas sanções sofridas pela Rússia por seu envolvimento na Ucrânia - levou Moscou a negociar.

    "Negociações, técnicas e entre as lideranças, vêm acontecendo há mais de um ano, com reuniões na Rússia e outros locais", disse um delegado à Opep. "Não foi só um jogo, e o processo foi difícil, mas é impossível imaginar que [Putin] mude de ideia. Os sauditas também cumprirão suas promessas".

    Khalid al Falih, ministro da Energia saudita, disse no final de semana que agora poderia cortar a oferta ainda mais do que foi acordado na reunião do Opep no começo do ano —uma declaração vista como alerta aos operadores que possam se sentir tentados a testar a seriedade do acordo.

    Riad e Moscou ao que parece desejam conduzir o preço de venda acima dos US$ 60 por barril no ano que vem, ainda que analistas tenham acautelado que é improvável que o mercado se curve inteiramente aos seus desejos.

    A produção de petróleo dos Estados Unidos caiu em cerca de 10% do começo de 2015 para cá, mas as operadoras de xisto betuminoso do país reduziram dramaticamente os seus custos e podem responder a qualquer recuperação de preços.

    Alguns observadores do mercado ainda duvidam que os cortes prometidos venham a ser realizados com firmeza suficiente para promover uma redução nos imensos estoques acumulados no período de excesso de produção.

    "Ocasionalmente, esses acordos frouxos e improvisados entre produtores desfrutam de sucesso passageiro, mas todos terminaram fracassando, porque os signatários e não signatários dos acordos trapaceiam", disse Bob McNally, antigo assessor de energia da Casa Branca e hoje diretor da consultoria Rapidan Group. "O tempo dirá se [o acordo do final de semana] romperá o padrão histórico".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    Edição impressa
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