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    Previdência

    INSS dá benefício a apenas um de gêmeos autistas

    LAÍS ALEGRETTI
    ENVIADA ESPECIAL A FORTALEZA

    01/01/2017 02h00

    Jarbas Oliveira/Folhapress
    Gracileia e Almir Sousa com os filhos Davi e Isaque, os dois com autismo, mas só um deles com o Benefício de Prestação Continuada concedido pelo INSS; família recorreu à Justiça
    Gracileia e Almir Sousa com os filhos Davi e Isaque, os dois com autismo, mas só um deles com o Benefício de Prestação Continuada concedido pelo INSS; família recorreu à Justiça

    Negar mingau aos filhos por falta de dinheiro para comprar os ingredientes é uma das lembranças mais dolorosas para a dona de casa Gracileia Sousa, 31, mãe dos gêmeos Davi e Isaque, 7.

    Mesmo em contexto adverso, ela deixa claro: "Tudo que um tem o outro tem. Eles vivem a mesma situação".

    A situação a que a mãe se refere são o autismo e a hiperatividade –e as formas para lidar com isso.

    Aos 7 anos, os meninos não pronunciam palavras completas e têm dificuldade para se comunicar com adultos e crianças. Precisam de remédios para, nas palavras da mãe, "acalmar as emoções".

    Vivem com os pais e a irmã Gabrielly, 9, no andar de cima da casa dos avós, na periferia de Fortaleza.

    Nos cômodos apertados, alugados dos parentes por R$ 350, as paredes revezam reboco aparente e uma pintura azul desgastada. Os principais itens são colchões rasgados e cadeiras de plástico.

    No quarto sem janela, paredes rabiscadas são as marcas de que crianças vivem ali.

    Apesar de terem acesso aos mesmos recursos –e sentirem falta dos mesmos serviços–, os irmãos foram vistos de formas distintas pelo governo.

    O INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) concluiu que Isaque tem direito ao benefício assistencial de um salário mínimo pago a idosos e pessoas com deficiência em situação de miserabilidade, o BPC (Benefício de Prestação Continuada).

    Davi teve o benefício negado pelo INSS. A família recorreu ao Judiciário.

    Em decisão ainda provisória, a Justiça concedeu o BPC a Davi e determinou, em outubro, que o pagamento fosse iniciado. O INSS entrou com recurso conta a decisão judicial.

    A defensora pública que cuida do caso, Carolina Botelho, argumenta que o INSS errou ao negar o benefício devido à renda da família.

    O pai dos garotos, Almir Sousa, chegou a ter um emprego em que recebia pouco mais de R$ 1 mil, mas ficou desempregado em seguida. Agora, recebe um salário mínimo para trabalhar no estoque de uma loja de móveis.

    "O caso nos impressionou tanto que conhecemos pelo nome deles. Não é uma situação parecida, é uma situação igual", afirmou Carolina.

    Jarbas Oliveira/Folhapress
    Gracileia e Almir Sousa com os filhos Davi, Isaque e Gabrielly
    Gracileia e Almir Sousa com os filhos Isaque, Davi e Gabrielly

    TRABALHO

    Sem encontrar no Estado os recursos para o desenvolvimento ideal dos filhos, como sessões com psicólogos e fonoaudiólogos, a mãe dos gêmeos chama para a família a responsabilidade.

    "Eu sei que os filhos são meus e do pai deles e que a gente tem que trabalhar para dar as coisas, mas, com a limitação deles, eu fico limitada também", diz.

    Gracileia era costureira em uma fábrica até quatro anos atrás, quando os filhos ainda tinham idade para ir à creche pública.

    Nessa época, ela notou que eram muito agitados e quase não dormiam."Eu vi que eu teria que ficar em casa para criar. Eu gosto de trabalhar, mas não posso. Com quem eu vou deixar meus filhos?"

    Nas três horas em que a reportagem esteve na casa de Gracileia, ela não chegou a ficar 10 minutos sem ser requisitada pelos garotos.

    PRECONCEITO

    A mãe dos gêmeos não se conforma com a dificuldade de fala dos filhos. Como eles emitem sons, apesar de não pronunciarem claramente palavras, ela aposta que o tratamento correto vai ajudá-los.

    "As outras crianças acham que eles estão brigando. Eu tenho que estar perto para traduzir o que eles querem."

    Depois de Gracileia dizer que os filhos sofrem preconceito inclusive dentro da família, ela desceu à casa dos sogros, no mesmo terreno, para que uma prima cortasse o cabelo dos meninos.

    Diante da dificuldade para que eles se acalmassem na cadeira, a avó, Mirtes Sousa (60), disparou: "Tenho 14 netos e só eles são assim".

    A mãe dos gêmeos contou como os filhos se expressam quando são contrariados: "Se percebem uma negação, choram. Fazem sinal de que o coração quebrou."

    OUTRO LADO

    Procurado pela Folha, o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) argumentou que as datas de pedido do benefício dos irmãos Davi e Isaque, filhos do casal Gracileia e Almir Sousa, são diferentes.

    O pedido de Davi, segundo o INSS, é de 16 de novembro de 2015, enquanto o de Isaque é de três meses depois, em 18 de fevereiro de 2016.

    No primeiro pedido, o pai dos gêmeos ainda estava empregado, e o valor do salário mínimo em vigor era menor (R$ 788). No segundo, ele estava desempregado, e o mínimo era de R$ 880.

    "O sistema avalia as condições na data de entrada do requerimento", disse o INSS.

    O órgão informou, no entanto, que o sistema será modificado para que, no momento da decisão, seja feito um "reprocessamento para verificar se as condições iniciais foram alteradas devido à diferença entre as datas de requerimento e realização da avaliação social e pericial".

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