• Mercado

    Sunday, 28-Apr-2024 16:34:42 -03

    Apple move processo de US$ 1 bilhão contra fabricante de chips Qualcomm

    QUENTIN HARDY
    DO "NEW YORK TIMES"

    21/01/2017 12h26 - Atualizado às 11h07

    Johannes Eisele - 17.out.14/AFP
    Chinese girls check out the iPhone 6 in an Apple store in Shanghai on October 17, 2014. Apple began selling its latest iPhone in China, nearly a month after other major territories due to a licence delay by regulators, but it faces a tough battle with rivals led by Samsung in the crucial market. Staff at an Apple Store in downtown Shanghai clapped and congratulated iPhone 6 customers as they left the shop, which opened two hours early for those who had pre-ordered. AFP PHOTO / JOHANNES
    Visitantes testam iPhone em loja da Apple em Xangai

    Ao dominar tecnologias complicadas de desenvolvimento de chips e adotar uma audaciosa estratégia de negócios baseada na venda de seus conhecimentos sobre smartphones, a Qualcomm faturou bilhões de dólares e adquiriu grande influência sobre o setor de tecnologia.

    E às vezes isso pode ser um problema.

    Na sexta-feira, a Apple, uma das antigas parcerias da empresa, abriu processo contra a Qualcomm pelo que define como US$ 1 bilhão em descontos retidos indevidamente. No processo, aberto no tribunal federal dos Estados Unidos no distrito sul da Califórnia, a Apple disse que os descontos haviam sido prometidos em função de um acordo de sua parte em não adquirir chips de outros fornecedores ou divulgar as práticas de licenciamento de propriedade intelectual adotadas pela Qualcomm. O processo solicita que os descontos prometidos sejam pagos, entre outras coisas.

    A Apple abriu seu processo três dias depois que a Comissão Federal do Comércio (FTC) norte-americana acusou a Qualcomm de empregar práticas anticompetitivas para garantir o pagamento de royalties elevados por sua tecnologia avançada de comunicação sem fio. A comissão mencionou acordos entre a Qualcomm e empresas taiwanesas que montam o Apple iPhone, quanto aos semicondutores que ela vende para uso no aparelho.

    Em sua queixa, a comissão descreveu a Qualcomm como "fornecedora dominante" mundial de semicondutores que administram comunicações via smartphone. Outras fabricantes de chips para smartphones têm de pagar à Qualcomm pelo uso dessas propriedades intelectuais.

    As queixas da FTC e da Apple se seguem a diversos outros problemas, entre os quais uma multa de US$ 975 milhões imposta à empresa pelas autoridades regulatórias chinesas em 2015, e reclamações de acionistas ativistas, ainda naquele ano, que resultaram em demissões forçadas na Qualcomm. No mês passado, a empresa foi multada em US$ 850 milhões na Coreia do Sul por práticas desleais de licenciamento.

    Quando a Apple ofereceu informações às autoridades sul-coreanas quanto àquele caso, e decidiu adquirir chips da concorrente Intel, a Qualcomm se recusou a restituir à Apple os descontos prometidos, afirmou a Apple.

    A Qualcomm prometeu que resistirá à acusação sul-coreana e ao processo da FTC. "A Apple deliberadamente descaracterizou os nossos contratos e negociações", afirmou a Qualcomm em comunicado, acrescentando que também resistiria à queixa da Apple.

    Pouca gente espera que a Qualcomm recue. Desde sua fundação, a empresa foi condicionada por seus criadores a ser inteligente, combativa e lucrativa.

    "Eles são experientes, e estão preparados para combater", disse Mark Hung, analista da Gartner. "Mas quando uma empresa desse porte confia tanto na maneira pela qual ela vende sua propriedade intelectual, e está sob observação microscópica em diversas jurisdições, é complicado".

    A Qualcomm, sediada em San Diego, longe do Vale do Silício, foi fundada em 1985 por sete pessoas, entre as quais Irwin Jacobs e Andrew Viterbi. Os dois eram respeitados professores de engenharia elétrica que haviam anteriormente criado uma empresa de projeto de satélites militares de comunicações.

    Os engenheiros da Qualcomm trabalham em um complexo que abarca 41 edificações, entre um parque e a Universidade da Califórnia em San Diego. Eles registraram milhares de patentes, entre as quais a do "modo avião" nos smartphones e a que regula o download de apps adquiridos em lojas de aplicativos.

    Empresas como a Samsung e a Apple necessitam da Qualcomm para a tecnologia que possibilita coisas como vídeos sem fio de alta velocidade transmitidos para milhões de pessoas ao mesmo tempo.

    Sua principal tecnologia é a do espectro distribuído, que emprega alto poder de computação e um uso inteligente de engenharia de rádio para diferentes funções nos smartphones.

    TECNOLOGIA

    A tecnologia de rádio da Qualcomm é conhecida como CDMA, ou acesso múltiplo por divisão de código, o que permite que chamadas de voz funcionem de maneira mais eficiente nas redes de telefonia móvel. A influência da empresa cresceu nos últimos anos com o advento dos celulares de terceira geração, ou 3G, que permitiram que as pessoas passassem a baixar altos volumes de dados para seus aparelhos, além da realização de chamadas de voz.

    Quando surgiu a telefonia 3G, muita gente imaginava que o sucesso da Qualcomm estaria limitado àquele período de transição. Mas a Qualcomm também inovou na telefonia 4G, para novos celulares da Samsung e Apple que derrubaram a liderança da Nokia e Motorola. No seu mais recente ano fiscal, a Qualcomm teve faturamento de US$ 23,6 bilhões e lucro de US$ 5,7 bilhões.

    Os empreendimentos da Qualcomm na telefonia e em equipamentos para redes ajudaram a promover o uso da tecnologia CDMA mas não geravam muito dinheiro, porque as empresas mais antigas não precisavam do CDMA até que o sucesso da telefonia móvel começou a sobrecarregar suas redes. A Qualcomm se voltou a empresas asiáticas que desejavam ingressar no ramo da comunicação sem fio.

    "Não veríamos os coreanos ou os chineses no mercado sem fio não fossem a Qualcomm e o CDMA", disse Clint McClellan, que trabalha há 17 anos para a Qualcomm e hoje comanda uma divisão que presta serviços sem fio de saúde. "Fomos nós que tornamos possíveis aqueles mercados".

    A Coreia do Sul, especialmente, fez do CDMA uma política industrial, que permitiu o desenvolvimento da Qualcomm por anos. Mais recentemente, a China começou a responder por metade do faturamento da empresa. Os fabricantes taiwaneses que montam os iPhones da Apple e pagam royalties à Qualcomm são outra fonte de lucro.

    A Qualcomm se recusa a informar quanto cobra pelo uso de sua propriedade intelectual, mas analistas calculam um valor de cerca de 5% do preço de um smartphone —pelo menos era essa a taxa até a multa chinesa de 2015, que incluía uma cláusula reduzindo à metade o valor de royalties pago à empresa pelos fabricantes chineses.

    Isso, e problemas em receber royalties na China mesmo antes da multa, prejudicaram as ações da Qualcomm. Em 2015, o fundo de hedge ativista Jana Partners decidiu agir e começou a pressionar pela divisão da empresa em duas companhias separadas, uma de propriedade intelectual e a outra de chips.

    A divisão não aconteceu, mas a Qualcomm demitiu 15% de sua força de trabalho, reduziu os salários de seus executivos e deu três assentos no conselho ao Jana. As ações se recuperaram para o valor que tinham antes da multa, mas não voltaram a atingir os picos que registraram antes dos problemas.

    PROBLEMAS

    Ao ajudar a criar os gigantes do mercado atual de smartphones, a Qualcomm pode ter causado seus problemas atuais. Os executivos da empresa dizem que veem uma conexão entre os descontos para a China, que a empresa esperava limitar àquele país, e as mais recentes ações regulatórias.

    "Acreditamos que a Samsung tenha desempenhado papel importante na decisão sul-coreana", disse Don Rosenberg, advogado da Qualcomm. As autoridades regulatórias, ele disse, "foram pressionadas e iludidas por interesses comerciais".

    Em e-mail, Hea-Ryoung Jee, porta-voz da Samsung, disse que a empresa era "uma de muitas empresas multinacionais" que responderam a questões das autoridades regulatórias sul-coreanas.

    O advogado da Qualcomm calcula que o caso sul-coreano possa demorar anos a passar pelos tribunais. E os recentes acontecimentos, entre os quais o impeachment da presidente da Coreia do Sul e um escândalo de corrupção na Samsung, podem complicar, ou eliminar, os problemas regulatórios da Qualcomm no país.

    Além disso, no momento a FTC só conta com três de seus cinco comissários habituais. Um deles, a republicana Maureen Ohlhausen, votou contra o processo. Ela pode se tornar presidente da FTC em 10 de fevereiro, quando se encerra o mandato da atual presidente, a democrata Edith Ramirez.

    Nem a FTC e nem a Apple quiseram comentar sobre seus processos contra a Qualcomm nos Estados Unidos.

    "É decepcionante que nossos parceiros queiram pagar menos depois que contribuímos para seu sucesso", disse Derek Aberle, presidente da Qualcomm.

    Agora, a empresa precisa largar na frente de outros inventores de tecnologia quanto à telefonia de quinta geração, enquanto paga bilhões de dólares em multas e enfrenta uma dolorosa reestruturação e relações estremecidas com seus maiores clientes.

    "Não vamos ficar imóveis" enquanto os problemas são resolvidos, disse Aberle. "É preciso investir, e inventar coisas bacanas que mudem a maneira pela qual as pessoas vivem".

    Em outras palavras, criar tecnologia única para que clientes continuem a pagar pela dispendiosa propriedade intelectual da Qualcomm.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024