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Economista Affonso Celso Pastore durante entrevista |
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Mercado
Sunday, 19-May-2024 12:05:21 -03'Estamos chegando ao fim da recessão', afirma ex-presidente do BC
RAQUEL LANDIM
DE SÃO PAULO21/01/2017 23h30
Depois de três anos de um duro ajuste na economia brasileira, Affonso Celso Pastore está otimista com o futuro.
"Ainda não saímos da recessão, mas estamos chegando ao seu fim", afirmou o economista à Folha, prevendo que a economia voltará a crescer no segundo semestre.
Um dos analistas mais respeitados do país, ele diz que a recuperação será lenta, mas ressalta que 2017 começou muito melhor que 2016, com inflação sob controle, corte de juros e risco-país em queda.
Ex-presidente do Banco Central, ele afirma que ainda há incertezas, mas não vê muitos riscos para a recuperação, mesmo com a crise política. "Não existe risco sistêmico."
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Folha - Já existem sinais de que a economia brasileira começou a se recuperar?
Affonso Celso Pastore - Sim. Basta comparar a situação atual com a do início de 2016. Há um ano, a cotação do CDS do Brasil [papéis cujo preço expressa o risco de calote da dívida, na avaliação dos investidores] estava em 600 pontos e o dólar bateu em R$ 4,10.
A situação fiscal era muito complicada, e a inflação chegou quase a 11%. As perspectivas para a atividade também eram muito ruins. A economia já tinha caído 2,8% em 2015, e as estimativas do PIB [Produto Interno Bruto] para 2016 flutuavam entre -3% e -4%.As perspectivas para este ano são melhores?
O CDS está perto de 350 pontos. O câmbio saiu de R$ 4,10 para R$ 3,20. A valorização do real ajudou a reduzir a inflação, que terminou 2016 abaixo do topo da meta do governo [6,5%] e está convergindo rapidamente para 4,5%.
As estimativas para o crescimento variam de 0,5% a 1%, o que é baixo, mas não vejo ninguém estimando -3%.
O BC acelerou o corte dos juros depois de um grande esforço para trazer as expectativas de inflação para baixo.
Quando comparo as duas fotografias, é possível tirar apenas uma conclusão: 2017 começa muito melhor que 2016.O que levou a isso?
Em primeiro lugar, mudou o governo, que colocou uma equipe econômica competente, com um diagnóstico correto, e que toma iniciativa.
Seis meses atrás, diziam que o governo não teria força para aprovar a PEC do teto dos gastos. Mas a proposta foi aprovada sem nenhuma desidratação, por placar favorável.
Além disso, o governo enviou ao Congresso uma reforma da Previdência corajosa, que será mais difícil de aprovar, mas que reconhece que nosso sistema previdenciário é incompatível com os recursos do país e com a demografia.
Também teve uma mudança importante na política monetária. Não tem mais aquela história de baixar os juros na marra. O BC corta os juros quando a inflação recua.Mas então por que o país ainda está em recessão?
Não adianta ficar aflito. Quando os juros começam a cair, os resultados na atividade demoram para aparecer.
O canal do crédito está obstruído, porque o governo anterior gerou uma expansão tão grande dos empréstimos que elevou a inadimplência. Vai demorar até que as famílias absorvam suas dívidas e, por isso, o efeito da queda do custo dos empréstimos no consumo não será tão grande.
É provável que o PIB do primeiro e do segundo trimestre ainda mostre uma contração da atividade. A partir do segundo semestre, a economia vai voltar a crescer. O desemprego começa a cair, as pessoas ficam mais confiantes e consomem mais.
Não saímos da recessão, mas estamos chegando ao seu fim. A queda dos juros vai ajudar o país a sair da recessão.Qual é a sua avaliação sobre a qualidade do ajuste fiscal promovido pelo governo Temer?
Congelar os gastos públicos é apenas o começo do ajuste fiscal, mas é importante dar o primeiro passo. Não vamos ter superavit primário tão cedo.
Como o gasto está congelado, o deficit só pode ser reduzido com alta de receita. E isso só vai ocorrer à medida que a economia volte a crescer. Ainda teremos deficit nas contas públicas e aumento na relação dívida/PIB em 2017 e 2018.
Mesmo assim é um ajuste fiscal enorme, porque o gasto público vinha crescendo 6% ao ano praticamente desde a Constituição de 1988.O governo pode enfrentar dificuldades para cumprir a meta fiscal deste ano mesmo prevendo deficit?
Se a economia crescer mais rapidamente, teremos um aumento das receitas tributárias e a solução será mais fácil. No entanto, se a recuperação for mais lenta -o que é muito provável-, a arrecadação cresce mais devagar.
Ainda é cedo para uma avaliação precisa, mas há um risco de que o governo tenha dificuldade para cumprir a meta do deficit. Se isso ocorrer, o caminho será contingenciar despesas, o que dificulta atingir a meta em 2018, ou aumentar impostos e reduzir desonerações.A crise financeira dos Estados é um risco para a recuperação da economia?
É um fator de risco, mas não é uma bomba prestes a explodir. Temos crise em três Estados: Rio, Rio Grande do Sul e Minas, cujos governos foram extremamente irresponsáveis.
Na expectativa de novas receitas, fizeram enormes aumentos no gasto com pessoal. Mas isso não ocorreu com Espírito Santo, São Pernambuco, Ceará, Goiás etc. É claro que numa recessão todos sofrem, mas não temos uma crise sistêmica nos Estados.A instabilidade política que a delação premiada da Odebrecht pode criar impediria o país de sair da recessão?
Com a taxa de juros caindo, o Brasil sai da recessão. Quem estiver envolvido com corrupção que vá embora. Alguns ministros já saíram. Não vejo risco sistêmico.Como as incertezas provocadas pelo governo de Donald Trump podem afetar o Brasil?
A economia americana está crescendo. Saiu de uma crise gravíssima e está hoje em pleno emprego. É por isso que os juros nos EUA subiram.
Não sei direito quem é Trump, mas vamos supor que ele corte impostos, faça um programa de infraestrutura e reduza o grau de regulação da economia.
Se fizer isso, a economia vai crescer um pouco mais, atraindo capital, e o dólar sobe um pouco. Mas não há muitas apostas em uma grande valorização do dólar.Havia quanto tempo que o sr. não ficava otimista com o futuro da economia brasileira?
O pessimismo não é uma patologia. É só consequência da constatação de que se acumularam erros que levaram ao desastre. Um economista atento percebia que o Brasil se encaminhava para uma crise.
No fim de 2013 e no início de 2014, apontávamos que o país ia para uma recessão, que depois se comprovou a mais longa e profunda da história. A previsão vinha da constatação dos erros do malfadado experimento da "nova matriz".
Agora vejo um longo caminho de ajustes, cujos resultados, principalmente sobre o crescimento, não serão rápidos, mas o governo está seguindo no rumo certo.*
RAIO-X: AFFONSO CELSO PASTORE
Nascimento: 19 de junho de 1939, em São Paulo
Formação: doutor em economia pela Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo
Carreira: sócio-fundador, presidente e consultor da A.C.Pastore & Associados; foi presidente do Banco Central entre setembro de 1983 e março de 1985
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