• Mercado

    Tuesday, 26-Nov-2024 05:07:51 -03

    Kenneth Arrow definiu condições para o funcionamento da 'mão invisível'

    DO "NEW YORK TIMES"

    22/02/2017 10h59

    O economista Kenneth Arrow, morto nesta terça-feira (21), foi um dos grandes responsáveis por explicar a ideia de equilíbrio geral na economia de mercado, esquematizando como opera a "mão invisível" de Adam Smith.

    Paul Samuelson, o primeiro norte-americano a conquistar o Prêmio Memorial Nobel de Ciências Econômicas, definiu Arrow como "o mais importante economista teórico do século 20". Quando Arrow recebeu o prêmio, em 1972, Samuelson escreveu que "a teoria econômica dos seguros, da assistência médica, dos testes de medicamentos vendidos sob receita —para não mencionar o bingo e o mercado de ações— jamais será a mesma depois de Arrow".

    Arrow, membro de uma grande família de economistas distintos, entre os quais Samuelson e Lawrence Summers, antigo secretário do Tesouro e assessor econômico do presidente Barack Obama —desenvolveu trabalhos tecnicamente complexos até mesmo para os seus colegas mais afins à matemática.

    Mas, com o passar das décadas, os economistas aprenderam a aplicar suas ideias ao formato moderno dos produtos de seguros, títulos financeiros, contratos de emprego e muito mais.

    MERCADOS E MAIORIAS

    Os antecedentes para o influente trabalho de Arrow em seu começo de carreira estavam no reconhecimento, já então centenário, de que votações majoritárias eram capazes de produzir resultados arbitrários.

    Considere um legislativo que vá escolher seu líder entre três candidatos: Alice, Betty e Harry. Se o legislativo votasse primeiro entre Alice e Betty, com a vencedora enfrentando Harry, a decisão final do processo poderia ser diferente do que se o processo começasse com Alice versus Harry. Porque a ordem pela qual o legislativo conduz suas votações é arbitrária, o vencedor final nesse sistema de votação majoritária se torna igualmente arbitrário - o que causa uma situação política desconfortável.

    Em busca de resultados não arbitrários, os cientistas sociais propuseram maneiras diferentes de conduzir votações. Por exemplo, o legislativo poderia realizar uma primeira votação com os três candidatos e estruturar um segundo turno posterior. Ou cada integrante do legislativo poderia ter mais de um voto, e blocos de votos seriam atribuídos pelos votantes a cada candidato de acordo com a intensidade de sua preferência.

    Mas nenhum sistema de votação, por mais inteligente que tenha sido sua organização, resolve os problemas associados à votação majoritária. Em um teorema cuja aplicação se provou surpreendentemente abrangente, Arrow provou que nenhum sistema de votação majoritária funciona satisfatoriamente, de acordo com uma definição cuidadosamente articulada do termo "satisfatório".

    O que Arrow provou em "Social Choice and Individual Values" [escolha social e valores individuais], livro de 1951, era muito mais abrangente. Não eram só as regras de votação majoritária que se provavam insatisfatórias; o mesmo se aplicava a sistemas não eletivos para fazer escolhas sociais, se —o que era fundamental para a forma de pensar do economista— essas escolhas tivessem por base as preferências dos indivíduos que formam uma sociedade. (As regras de Arrow não se aplicam a ditadores.)

    O "teorema da impossibilidade" de Arrow ricocheteou pelas ciências sociais e se tornou famoso pelo seu uso de conceitos matemáticos abstratos a fim de gerar uma conclusão aplicável de maneira generalizada.

    As pesquisas de Arrow abriram o campo acadêmico da escolha social —uma literatura que varia da escolha de presidentes por países à escolha de estratégias de negócios pelos conselhos de grandes empresas. Tendo aprendido com ele que sistema algum funciona completamente bem, os acadêmicos passaram a se dedicar a questões subsequentes muito desafiadoras, como por exemplo determinar se alguns sistemas de votação eram melhores que outros.

    A grande contribuição seguinte de Arrow à economia, pela qual ele dividiu o Nobel de 1972 com o economista britânico John Hicks, foi publicada mais tarde nos anos 50. Os dois fizeram um estudo panorâmico da ideia do "equilíbrio geral" na economia de mercado, criando equações para capturar a interação entre consumidores e produtores.

    As equações básicas haviam sido propostas meio século antes pelo economista francês Léon Walras. Mas Arrow e seus coautores ampliaram o sistema de Walras para capturar importantes complexidades, como o fato de que os mercados existem também no futuro, o que apresenta riscos para os consumidores e produtores.

    Arrow provou que o sistema de equações propostas era coerente do ponto de vista matemático: existem preços que trazem todos os mercados a um equilíbrio simultâneo (sob o qual todo item produzido ao preço de equilíbrio seria voluntariamente comprado). E a concorrência no mercado coloca os recursos sociais em bom uso: mercados competitivos são eficientes, no jargão dos economistas.

    Os teoremas de Arrow definiam as condições exatas sob as quais a famosa conjetura de Adam Smith em "A Riqueza das Nações" se confirma: a de que a "mão invisível" da concorrência no mercado entre indivíduos em busca de ganho pessoal serve bem às necessidades da sociedade.

    RELEVÂNCIA

    Como no caso de seu trabalho anterior sobre escolha social, a magnitude da percepção teórica de Arrow era assombrosa. Mas ele deixou claro que suas fortes conclusões sobre o funcionamento de mercados competitivos só se confirmavam sob condições ideais, ou seja, não realistas.

    As suposições com as quais ele trabalhou, por exemplo, desconsideravam a existência de efeitos da ação de terceiros. A venda de um produto de José a João supostamente não afetava o bem estar de Maria —uma suposição frequentemente violada pelo mundo real, por exemplo pela venda de produtos que prejudiquem o meio ambiente.

    A matemática por trás das provas de Arrow e seus coautores quanto ao equilíbrio geral é espantosamente complexa. Poucos economistas foram capazes de dominar seus detalhes. Mas Franklin Fisher, professor de cursos de pós-graduação sobre a teoria do equilíbrio geral no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), reconheceu em entrevista ao "New York Times" em 2013 que todos os economistas acadêmicos tinham uma dívida intelectual para com Arrow. Arrow provou que as equações sobre oferta e procura usadas pelos economistas de modo cotidiano eram construídas sobre uma fundação logicamente coerente.

    Suas pesquisas posteriores traduziam ideias baseadas no senso comum em forma de elegantes expressões matemáticas. E assim que essas ideias estavam traduzidas, outros economistas podiam estendê-las em direções inesperadas.

    Um exemplo é o "aprender fazendo", que Arrow examinou no começo dos anos 60. A ideia básica é simples: quanto mais uma empresa produz, melhor ela se torna na produção. Décadas mais tarde, os economistas incorporaram essa ideia a sofisticadas teorias de "crescimento endógeno" sob as quais o índice de crescimento econômico de um país depende de políticas internas que promovam a inovação e a educação —as forças mesmas que os escritos de Arrow antecipavam.

    Ele também criou conceitos matemáticos com os quais economistas poderiam medir e analisar riscos. William Sharpe, que ganhou o Nobel em 1990 por sua análise da relação entre risco financeiro e retorno, creditou Arrow por sua ajuda em formular a base das modernas teorias de investimento financeiro e financiamento empresarial.

    Arrow, disse ele, merecia lugar no "panteão" da gestão de investimentos. Suas ideias encontraram espaço na criação de complicados instrumentos financeiros, conhecidos como derivativos, a exemplo de contratos de opções, que conferem ao detentor o direito, mas não a obrigação, de comprar ou vender um determinado ativo a um determinado preço, até um data especificada. Empresas compram e vendem derivativos financeiros a fim de se protegerem contra instabilidades financeiras, e investidores os compram e vendem para especular sobre os futuros movimentos nos preços dos títulos.

    Arrow antecipou a moderna análise de mercados nos quais compradores e vendedores não compartilham de informações precisas (hoje conhecidos como mercados com informação assimétrica). Em um artigo notavelmente presciente publicado no começo dos anos 60, ele expôs a complexidade que a informação assimétrica gera no mercado de planos de saúde. Ele apontou os incentivos para que pacientes e médicos concordem quanto a procedimentos médicos de valor duvidoso quanto uma terceira parte, a operadora de planos de saúde, paga a conta.

    O trabalho de Arrow gerou o tratamento moderno do "risco moral", sob o qual o fato de que um seguro foi comprado afeta sistematicamente o comportamento das partes envolvidas no contrato.

    Os problemas que Arrow identificou meio século atrás tiveram influência proeminente sobre a concepção da Lei de Acesso à Saúde, a lei de reforma da saúde que o presidente Obama implementou em 2010, incluindo a controversa cláusula do "mandato individual", que força todas as pessoas a adquirem planos de saúde, quer esperem necessitar de cuidados médicos, quer não.

    Joseph Stiglitz, que conquistou o Nobel de Economia de 2001 com seu estudo de mercados nos quais a informação é incompleta, traça a origem de seu trabalho às incursões iniciais de Arrow.

    A conclusão? O teórico que, nos anos 50, provou que mercados perfeitamente competitivos podiam existir, em termos de lógica matemática, passou o resto de sua carreira demonstrando o quanto os mercados reais ficam aquém da perfeição.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024