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    Análise

    Por que a economia global resiste à crise política de Donald Trump

    JIM O'NEILL
    ESPECIAL PARA O PROJECT SYNDICATE, EM LONDRES

    02/03/2017 02h00

    Kim Kyung-Hoon - 1º.fev.2017/Reuters
    FILE PHOTO: A TV monitor showing U.S. President Donald Trump is seen through national flags of the U.S. and Japan at a foreign exchange trading company in Tokyo, Japan February 1, 2017. REUTERS/Kim Kyung-Hoon/File Photo ORG XMIT: ROP500
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    Os desdobramentos políticos desconcertantes nos Estados Unidos e no Reino Unido poderiam levar o observador a concluir que a economia mundial, já pressionada, enfrentará dificuldades ainda maiores, no curto prazo. Mas as indicações cíclicas indicam o contrário, para o restante de 2017.

    Desde minha época como economista-chefe do Goldman Sachs, sempre fiquei de olho em seis indicadores mundiais que, somados, oferecem um retrato confiável sobre a situação da economia mundial pelos próximos seis meses.

    No momento, os seis indicadores se mostram mais promissores do que vinha sendo o caso já há algum tempo, e apenas um deles caiu ligeiramente ante seu pico recente.

    O primeiro indicador são os pedidos semanais de seguro-desemprego nos Estados Unidos, com base nos quais se pode avaliar a força da economia norte-americana como um todo.

    Os economistas são treinados, e com razão, a tratar o desemprego como um indicador retrospectivo, mas os números do indicador também podem ser úteis para prever o futuro próximo.

    Os pedidos de seguro desemprego nos Estados Unidos estão sempre atualizados, porque são recolhidos semanalmente, e os dados estatísticos sugerem que eles servem também como indicador confiável quanto aos preços das ações no país.

    O número de pedidos iniciais de seguro-desemprego continua muito baixo, como já vem sendo o caso há algum tempo, o que representa um bom prenúncio para os mercados de ações dos Estados Unidos.

    De maneira semelhante, o índice industrial do Institute for Supply Management (ISM) oferece um bom indicador sobre a economia dos Estados Unidos para os próximos três a seis meses, ainda que a indústria responda por uma porção relativamente pequena do Produto Interno Bruto (PIB) norte-americano.

    Como os mais recentes pedidos de seguro-desemprego, os números do ISM no momento oferecem causa de otimismo.

    Um terceiro indicador é um subcomponente da mesma pesquisa do ISM: as novas encomendas e estoques da indústria. No momento, os novos pedidos estão em alta e os estoques estão baixos, o que sugere que as empresas terão de produzir mais, nos próximos meses, a fim de atender a essas encomendas.

    Fora dos Estados Unidos, um quarto indicador é a relação entre os gastos chineses no varejo e a produção industrial do país (ajustados pela inflação).

    Esses números oferecem um vislumbre tanto de tendências cíclicas quanto do processo de alteração no equilíbrio estrutural da economia do país, que está se inclinando mais ao consumo doméstico e menos à exportação. Esse teoricamente será um dos mais importantes indicadores a acompanhar, não só para a China como para a economia mundial nos próximos anos.

    A relação entre as vendas mensais do varejo chinês e a produção industrial do país, embora errática, vem mostrando lenta tendência de alta desde 2008, e uma nova alta no consumo parece estar acontecendo, nos últimos meses.

    É por isso que me preocupo menos que outros observadores sobre os riscos, frequentemente citados, que a economia chinesa corre. Os gastos dos consumidores chineses se mantiveram firmes, a despeito da desaceleração no crescimento industrial e no investimento e dos esforços do governo para restringir os gastos com produtos de luxo.

    Haverá quem objete que não se pode confiar nos indicadores oficiais chineses. Mas não vejo motivo para que os dados sobre uma ponta de uma relação estatística sejam mais confiáveis, ou menos, do que os dados sobre a ponta oposta.

    Por que as autoridades chinesas manipulariam os dados do consumo ao mesmo tempo em que permitem que os dados sobre produção industrial registrem queda? De qualquer forma, é preciso trabalhar com os números que temos.

    Um quinto indicador são os números do comércio externo da Coreia do Sul, que são sempre reportados no primeiro dia do mês posterior àquele em que as transações foram realizadas —ou seja, mais rápido do que em qualquer outro país.

    A Coreia do Sul tem uma economia aberta e parceiros comerciais em todo o o mundo, incluindo os Estados Unidos, Japão e União Europeia, de modo que é possível extrapolar com base em seus números de comércio internacional e extrair conclusões sobre a situação do comércio mundial.

    Depois de registrar tendência de queda nos últimos anos, o comércio internacional da Coreia do Sul desde novembro vem mostrando sinais de recuperação, especialmente em termos de crescimento nas exportações; e em janeiro, mostrou forte retomada.

    Essa indicação certamente, contrasta com os muitos pêsames quanto ao fim da globalização que temos ouvido recentemente, e o governo decididamente protecionista de Donald Trump nos Estados Unidos pode agora forçar uma longa retirada no comércio internacional.

    Mas os dados recentes da Coreia do Sul sugerem que ainda resta alguma vida à globalização, e que o começo de 2017 vem sendo bom.

    De fato, se excluído o pior cenário possível sob Trump, pode ser que a desaceleração do comércio internacional nos últimos anos venha a se provar um fenômeno temporário.

    Pode ter sido uma ocorrência singular que refletiu uma série de fatores, entre os quais a crise do euro; a fraqueza continuada na economia de muitos países europeus; as dramáticas desacelerações no Brasil, na Rússia e em outras economias emergentes; e a regulamentação mais rigorosa dos bancos internacionais, que pode ter prejudicado o financiamento ao comércio mundial.

    O último indicador crucial é o índice Ifo sobre o clima de negócios da Alemanha, coligido mensalmente, e que também oferece dados cíclicos úteis sobre a Europa em geral, dada a posição central da Alemanha na economia do continente. A pesquisa Ifo reportou resultados positivos nos últimos meses, ainda que os dados tenham sido muito mais promissores em dezembro do que em janeiro.

    Somados, esses seis indicadores me sugerem que a economia mundial pode agora estar crescendo acima dos 4% anuais.

    É o mais forte crescimento em alguns anos —ainda que o crescimento médio de 3,3% na década passada tenha sido apenas um pouco mais baixo que o da década anterior— e se aproxima da média das duas décadas anteriores às duas últimas.

    Ao mesmo tempo, os seis indicadores não são capazes de nos dizer o que acontecerá depois dos próximos meses.

    Que o crescimento econômico mundial continue forte, cresça mais ainda ou comece a enfraquecer é uma questão em aberto,

    Foi interessante acompanhar a aceleração do crescimento diante de choques como a vitória dos proponentes da saída no referendo britânico sobre a União Europeia ou a eleição de Trump.

    Mas ainda não está claro por que isso vem acontecendo.

    Há quem diga que a tendência resulta de decisões de política econômica no Reino Unido e nos Estados Unidos, mas muito mais gente provavelmente dirá que o crescimento acontece apesar dessas decisões.

    Infelizmente, não existem indicadores que ofereçam resposta a essa questão. Só o tempo dirá.

    JIM O'NEILL foi presidente do conselho da Goldman Sachs Asset Management e secretário do comércio no Tesouro britânico. Hoje ele é professor honorário de economia na Universidade de Manchester e presidiu a Comissão de Revisão sobre Resistência Antimicrobiana formada pelo governo britânico.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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