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    operação carne fraca

    Trânsito político deu força a fiscal apontado como líder de esquema

    ESTELITA HASS CARAZZAI
    DE CURITIBA

    22/03/2017 02h00

    Paulo Lisboa/Brazil Photo Press/Folhapress
    Daniel Gonçalves Filho, preso na Operação Carne Fraca, deixa IML após exames
    Daniel Gonçalves Filho, preso na Operação Carne Fraca, deixa IML após exames

    A casa do fiscal agropecuário Daniel Gonçalves Filho, antigo superintendente do Ministério da Agricultura no Paraná, sofreu um assalto violento no fim de 2016. Localizada num bairro nobre de Curitiba, a residência, com cinco pavimentos e carros de luxo na garagem, foi invadida por bandidos que renderam a família e gritavam: "Cadê o dinheiro do frigorífico?"

    Em conversa telefônica interceptada pela Polícia Federal, após ouvir de um colega um relato do episódio, outro fiscal concluiu: "Então é gente que sabe de alguma coisa."

    Preso em caráter preventivo pela PF com a deflagração da Operação Carne Fraca, Gonçalves Filho, 58, foi apontado como líder de um esquema de corrupção que teria cobrado propina de frigoríficos para relaxar na fiscalização das empresas e liberar carne inadequada para consumo.

    OPERAÇÃO CARNE FRACA
    PF deflagra ação em grandes frigoríficos

    Chefe da superintendência no Paraná entre 2007 e 2016, o engenheiro agrônomo e zootecnista gostava de apontar como seu padrinho político o deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR), morto em 2012. Sua indicação recebeu aval da bancada do PMDB no Paraná, e tinha bom trânsito em prefeituras e no Congresso.

    "Ele era articulado, conversava com todo mundo", conta o deputado João Arruda (PMDB-PR). "Ele deve estar no celular de muita gente", diz outro parlamentar.

    Integrante da bancada ruralista, o atual ministro da Justiça, Osmar Serraglio, se referiu a ele em um telefonema grampeado pela PF como "grande chefe". Algum tempo depois, pediu à então ministra Kátia Abreu (PMDB), ao lado do deputado Sérgio Souza (PMDB-PR), que mantivesse o servidor no cargo.

    Na época, ele respondia a um processo administrativo, sob acusação de desobediência à lei do servidor público.

    "Nunca vi uma pressão tão forte para não tirar esse bandido de lá", afirmou a senadora nesta terça-feira (21). O fiscal acabou sendo exonerado do cargo em abril de 2016.

    À Receita Gonçalves declarou altos montantes em dinheiro vivo: no fim de 2015, eram R$ 42 mil. Seus filhos chegaram a manter em casa R$ 252 mil em espécie, segundo as declarações à Receita.

    A família teve "um incremento patrimonial desproporcional, lastreado em diversos comportamentos atípicos e substanciais indícios de lavagem de dinheiro", de acordo com relatório da PF.

    Em 2012, o fiscal comprou um apartamento para os filhos, avaliado atualmente em R$ 1,1 milhão. No ano seguinte, adquiriu um apartamento na praia de Itapema (SC), avaliado no mercado em R$ 1,4 milhão. Na garagem, tinha uma Mercedes-Benz e um Subaru, adquiridos em parte com dinheiro vivo. Sua adega, climatizada, ocupa uma parede inteira de sua casa.

    Segundo os investigadores, os filhos e a mulher de Gonçalves são sócios de pelo menos três empresas, uma delas "aparentemente fictícia", diz a PF. A mulher, Alice Mitico Gonçalves, e um dos filhos, Rafael Nojiri Gonçalves, estão presos temporariamente, sob suspeita de que tenham usado essas empresas para receber dinheiro de propina.

    Em ligações interceptadas pela PF, o filho do fiscal aparece intercedendo para empresas do agronegócio e agendando reuniões em nome do pai, que num episódio chegou a ceder sua senha no sistema interno do ministério para um assessor parlamentar, que pretendia verificar o andamento de fiscalizações.

    OUTRO LADO

    A defesa do fiscal afirma que "é um exagero" apontar Gonçalves Filho como chefe de organização criminosa. Segundo o advogado Rodrigo Sánchez Rios, a investigação teve origem em acusações de um antigo desafeto de Gonçalves —o fiscal Daniel Gouvêa Teixeira, que denunciou o esquema à PF. Na operação de busca e apreensão da última sexta (17), a PF não encontrou dinheiro em sua casa.

    *

    Como os fiscais investigados pela Operação Carne Fraca receberam, segundo a PF

    Asinhas de frango

    Conversas telefônicas interceptadas pela polícia sugerem que peças de picanha, calabresa e asinhas de frango foram presenteadas a fiscais em troca de favores na fiscalização, segundo a PF. Um deles chega a reclamar numa conversa que a qualidade do produto "decaiu muito" e diz que deu um pedaço do que recebeu para o vizinho e para a cunhada

    "Dedos" no isopor

    Segundo os investigadores, um funcionário da JBS entregou a um fiscal um isopor com alguns "dedos" –eufemismo para propina, na interpretação dos investigadores. A cena foi fotografada pela PF

    "Vinho do Porto"

    A expressão foi usado numa conversa grampeada pela PF por uma fiscal ao se referir a uma entrega de propina que seria feita para seu chefe, de acordo com a investigação

    "Encomenda"

    O antigo superintendente do Ministério da Agricultura, Daniel Gonçalves Filho, foi grampeado quando acertava com um funcionário da JBS a entrega de uma "encomenda" em sua casa –para a PF, era um código para propina

    Depósitos em dinheiro

    A PF ainda identificou depósitos em dinheiro na conta de pelo menos seis fiscais agropecuários, de até R$ 5.000 cada um. Alguns somaram R$ 200 mil em depósitos não identificados nos últimos cinco anos

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