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    Abatida pela Lava Jato, Andrade agora mira setor privado e exterior

    RENATA AGOSTINI
    DE SÃO PAULO

    26/03/2017 02h00

    Leonhard Foeger/Reuters
    Beira-Rio, estádio em Porto Alegre em que Andrade tem fatia
    Beira-Rio, estádio em Porto Alegre em que Andrade tem fatia

    A Andrade Gutierrez, empresa que se tornou uma potência graças a contratos públicos, tem um plano para sobreviver ao Brasil pós-Lava Jato: fugir de negócios com o governo.

    Agora, a estratégia do grupo passa pela busca agressiva de clientes privados. No máximo, contratos com estatais de capital misto, em que há menos risco.

    O plano detalhado à Folha pelo executivo Ricardo Sena, presidente do grupo, decorre da penúria da empresa, do rareamento de licitações públicas e do entendimento de que negócios com governos oferecem um risco muito alto.

    ENTREVISTA COM RICARDO SENA
    Presidente da Andrade Gutierrez fala sobre futuro da empreiteira e do país

    Os números da Andrade assustam. Dois anos após ter sido dragada para o centro da Lava Jato, a empresa encolheu quase à metade.

    A receita da empreiteira, que em 2014 era de R$ 7,7 bilhões, ficou em R$ 4,3 bilhões em 2016.

    O faturamento do grupo caiu de R$ 14 bilhões para R$ 8 bilhões (cálculo aproximado contando receita de empresas investidas).

    Um ano depois de firmar acordo com o Ministério Público e confessar crimes, como o pagamento de propina a funcionários públicos, também é uma empresa com futuro incerto.

    "Em 2017 também vai cair. A gente quer que seja o último ano de queda, até porque, se não parar, a gente acaba, fecha a porta e vai embora", afirmou Sena, que também preside a empreiteira e o conselho de administração do grupo.

    TROCA

    Na Andrade desde 1981, Sena tornou-se o principal executivo do conglomerado em 2015, quando o então presidente, Otávio Azevedo, foi preso.

    Sob seu comando, a empreiteira tenta se reinventar. O plano, ressalta, é não depender mais do governo.

    O grupo que começou em 1948 como uma pequena construtora em Belo Horizonte e floresceu nas décadas seguintes fazendo grandes obras públicas quer trabalhar agora essencialmente para o setor privado no Brasil.

    Como o dinheiro público minguou, por um lado, a empresa não tem muita opção.

    Dados do Portal da Transparência mostram que os quase R$ 400 milhões recebidos da União pela Andrade em 2014 reduziram-se a R$ 560 mil em 2016. Neste ano, não há pagamentos. Segundo Sena, a Andrade, no momento, já não toca obras públicas no Brasil.

    Desidratada - Andrade Gutierrez perde receita e corta funcionários; em R$ bilhões

    Funcionários da sede - Executivos, administrativo e corpo técnico

    TRANSIÇÃO

    A empresa poderia insistir na retomada de contratos com o governo, como outras envolvidas na Lava Jato. Mas a nova estratégia, diz Sena, é para reduzir o risco.

    Segundo ele, trabalhar para o governo é entrar numa relação "complexa", na qual o Estado tem mais força e garantias do que a contratada.

    A transição tem sido dura. Primeiro, é preciso conquistar uma nova clientela num momento em que a imagem da empresa não é das melhores.

    "Você tem de bater lá e o cara pensa: ele nunca fez isso. Você não consegue rapidamente entrar nesse mercado de maneira forte", diz.

    O foco é o setor industrial, com a construção de fábricas, por exemplo.

    Para dar certo a ponto de a Andrade voltar ao tamanho que tinha, a empreiteira precisará convencer muitos clientes a chamá-la.

    "São contratos muito menores, outra dinâmica. Para ter o mesmo volume de receita, tem de ter uma penetração no setor industrial brutal e toma muito tempo", diz.

    EXPANSÃO

    A saída também passa por crescer no exterior. A empresa hoje está em 20 países. A ideia, porém, é expandir a operação e a importância do mercado externo.

    Em julho de 2015, a Andrade comprou a americana The Dennis Group, especializada na construção de indústrias de alimentos e bebidas.

    Há negociações em andamento para a compra de outra empresa nos EUA e uma na Inglaterra, nas áreas de infraestrutura e predial.

    No Brasil, a empresa está na posição de vendedora.

    Há apenas dois negócios intocáveis: a construtora e a CCR, empresa de concessões que Sena ajudou a montar e na qual a Andrade possui 15%.

    "O resto todo é para vender, porque são negócios originados de PPP [parceria público-privada].

    Na Sabesp, por exemplo, estamos fazendo sistema de tratamento. Não quero ficar lá 20 anos olhando para a água.", diz.

    Em "todo o resto" incluem-se as fatias na companhia de energia Cemig, no estádio Beira-Rio, na empresa de call center Contax, na hidrelétrica de Santo Antônio, entre outros negócios menores.

    Feitas as contas, será possível baixar a dívida do grupo dos atuais R$ 4 bilhões para cerca de R$ 1,6 bilhão, acredita o executivo.

    A empresa renegociou neste ano parte de sua dívida com Banco do Brasil e Santander, ganhando três anos de carência para começar a pagar o que deve e um prazo mais longo de quitação.

    Com isso, há tempo para vender todos os ativos "sem pressão", afirma.

    "Estamos em tratativas em todos esses ativos. Não tem ainda data, assinado, mas em todos há interessados e estamos caminhando. Cemig vira e mexe aparece alguém. E a gente não quer e nem precisa sair vendendo de qualquer jeito. Seguramos um pouco para não torrar. São ativos valiosos", diz Sena.

    EXPECTATIVA

    O número de funcionários dos escritórios, que envolvem executivos, corpo técnico e administrativo, caiu de 1.600 em 2014 para os atuais 700.

    É mais do que o necessário, mas é isso que fará a empresa dar um salto quando as obras voltarem, afirma Sena.

    "Estamos resistindo ao máximo a desmontar a empresa. Se você falar de uma obra espetacular na Argélia, a maioria das empresas do setor dirá que não dá conta de fazer proposta lá. Nós temos [condição]", diz.

    Nesta semana, ele passará o comando da empreiteira para Clorivaldo Bisinoto, executivo que, como ele, está há décadas no grupo.

    Seguirá no comando do conglomerado. A sucessão lá ainda é incerta.

    "Vou ficar mais uns aninhos", afirma.

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