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    Fomos pegos pelados no meio da rua, diz presidente da Andrade Gutierrez

    RENATA AGOSTINI
    ENVIADA ESPECIAL AO RIO

    26/03/2017 02h00

    Ricardo Borges/Folhapress
    Ricardo Sena, presidente do grupo Andrade Gutierrez
    Ricardo Sena, presidente do grupo Andrade Gutierrez

    Presidente do Grupo Andrade Gutierrez, Ricardo Sena não é afeito a rodeios: "Se sabia que existia [propina]? Claro que sabia", afirmou no escritório da empresa no Rio, onde recebeu a Folha.

    Segundo ele, o principal erro da Andrade Gutierrez foi não ter percebido que o país havia mudado. "Continuamos assinando contrato para depois resolver", diz. "Você ficou pelado no meio da rua. Fomos pegos assim."

    O executivo, que assumiu o comando após a prisão de Otávio Azevedo pela Lava Jato, em 2015, reclama do tratamento que a empresa vem recebendo do governo.

    ENTREVISTA COM RICARDO SENA
    Presidente da Andrade Gutierrez fala sobre futuro da empreiteira e do país

    "Já pagamos R$ 300 milhões [do acordo com o Ministério Público] em troca de absolutamente nada. Nem imagem nem algo prático. O BNDES não pagou, a Petrobras não tirou da lista negra. Só de penitência. O Brasil está muito confuso."

    Folha - Quais obras públicas ainda tocam?
    Ricardo Sena - Pública, pública é zero. A última foi a Ferrovia Norte-Sul. Saímos do canteiro por falta de pagamento reiterado. Porque nós saímos, voltamos, saímos, voltamos. Não pagam, aí você desmobiliza. Aí pagam, te obrigam a voltar, mas não pagam esse gasto. É um negócio assim... fantástico. Então, a gente não tem hoje cliente público mais. Temos vários contratos, mas só no campo privado.

    Mas isso não é só porque a gente não quer, não. Primeiro, porque não tem. Tem que fazer uma ressalva, porque cliente público não é ruim por definição, porque aí também é demais. Algumas estatais de companhias mistas são boas para contratar. Só que não estão contratando nada. O cliente público direto, esse aí... De novo, não tem concorrência, mas mesmo se tivesse acho que não participaríamos.

    Pensariam duas vezes?
    Ainda há muita insegurança. É uma relação complexa. Quando há qualquer problema o Estado tem ferramentas para te obrigar. Se você não fizer, ele executa garantias, põe multa, põe no jornal que a Andrade Gutierrez, aquela da Lava Jato, abandonou a obra. Que ele não pagou, isso ele jamais cita. Você fica muito fragilizado.

    Estamos fazendo uma usina termelétrica para a Manaus Energia, subsidiária da Eletrobras. Começamos a fazer e eles pararam de pagar. Aguardamos o prazo, porque você tem que ficar 90 dias sem receber. Notificamos e paramos a obra. Eles não tinham dinheiro mesmo. Ficou tudo parado mais de ano. Entraram na Justiça para nos obrigar a retomar sob a alegação de que era interesse nacional. Retomamos, com desequilibro, prejuízo, tivemos de retomar. Agora estamos no fim da obra. Lá você entrega tudo pronto. Os últimos faturamentos, já têm R$ 77 milhões executados, eles não podem pagar, porque é preciso testar com gás. A Petrobras não fornece o gás, porque a Eletrobras deve à Petrobras. Então, não consigo provar que ela funciona, porque não me põem o gás.

    Mas esse tipo de problema sempre ocorreu, não?
    Desde sempre. Qual a diferença? É aí nossa culpa maior. Antigamente, se resolvia isso. Não tinha TCU [Tribunal de Contas da União], Ministério Público, CGU [Controladoria-Geral da União, atual Ministério da Transparência], AGU [Advocacia-Geral da União], tudo que acaba com U, imprensa que denuncia. O Brasil era muito... Você conseguia fazer os reequilíbrios. Acabava resolvendo. Era a época que empreiteiro dizia: o negócio é ganhar o contrato, depois nós damos jeito. E dava um jeito, de uma forma ou de outra, acertava. O governador e o ministro tinham o poder da caneta. Hoje ninguém tem. Hoje você vai no ministro e ele fala: você tem toda razão, tem que entrar na Justiça. Todo mundo tem medo de tudo.

    Por isso que colocamos [no pedido de desculpas público da empresa quando reconheceu que cometeu crimes] que contrato tem de ter meio ambiente, liberação fundiária, desapropriação. Agora, por exemplo, esses leilões [de aeroportos] não têm nada disso. Esses pobres coitados dos estrangeiros vão se danar. Daqui a pouco, fazem uma outra medida provisória para resolver o problema das concessões.

    Até 2000, por aí, o Brasil ainda era um país em que as coisas eram capazes de acontecer —para o bem e para o mal, com corrupção ou sem. Se você procurasse lá o presidente da Eletrobras e falasse: olha não tem gás, custou assim, ele mandava estudar e pagava. Isso acabou. O que é bom para o país ter alguém fiscalizando. Nós é que não percebemos que o Brasil mudou e continuamos assinando contrato assim para depois resolver.

    A gente ganhou o contrato da Transcarioca [via expressa no Rio de Janeiro] e tinha só uma planilha. Eu não estava aqui [à época da assinatura], mas a gente conversa. O que aconteceu? Sabíamos que depois a obra ia ser outra coisa. A gente ia reorçar. O que gerou? R$ 450 milhões de prejuízo. Para perder esse tanto de dinheiro tem de ser muito competente. Qual foi a solução do prefeito [Eduardo Paes], que sabia que aquilo tudo lá era só para poder dar início? "Reconheço, mas entre na Justiça". Repara: não tem a ver com Lava Jato.

    Mas quando o senhor fala que antes se resolvia...
    Era isso mesmo. Era errado.

    Resolvia porque tinha dinheiro por fora.
    Não quer dizer que, no passado, tudo se resolvia com propina. Tinha claro. Só falta a gente negar, né. Mas tinha muita Renata [referindo-se à repórter] que fazia o correto. Pegava a caneta e falava: vou pagar isso, que entendo o correto. Hoje, a mesma Renata fala: acho que tinha que pagar tanto, mas não vou assinar o documento. Porque amanhã o TCU fala que a conta está errada e congela os bens dela. Virou um país de denuncismo para todo lado. O excesso sempre é ruim.

    Sou absolutamente favorável a esse processo de evolução. Sou brasileiro. Mas passou do ponto. Virou um negócio que a Lava Jato virou fim. O Brasil vive da Lava Jato. É a única coisa que se vê. Eu falo que peguei uma birra da Renata, sua xará [Renata Lo Prete, da GloboNews]. De vez em quando fala: "Só para lembrar: soltaram um foguete. Mas, voltando à Lava Jato... Né, Merval [Merval Pereira, comentarista da GloboNews], como está a Lava Jato aí?". É o samba da Lava Jato. E quem quer trabalhar, quem quer produzir tem toda a dificuldade. Você saiu de uma vida complicada e entrou numa vida arrumada, mas todo mundo quer jogar [contra você]. Eu não consigo trabalhar, pô. Esse é um problema que nos afeta muito. Acabar com a empresa é uma teoria meio sem lógica, concorda?

    Vocês firmaram acordo com o Ministério Público no ano passado. Há perspectiva de fechar um acordo de leniência com o governo?
    A gente sempre pensa que sim. Ou melhor fechar o boteco. Mas não temos nenhum indício. Entramos na CGU em novembro de 2015 com o pedido de leniência, com todos os documentos. Já fizemos diversas reuniões. Não acontece nada. Tem esperança? Tenho. Se não tiver tá danado.

    E por que o senhor acha que isso acontece?
    Difícil saber. A gente especula. São órgãos políticos, ligados a políticos. No Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] e no Ministério Público, a gente conseguiu caminhar. São órgãos independentes. Na hora que você põe TCU, CGU, AGU... não anda. Tem o fato de serem três órgãos juntos, o que torna tudo mais difícil. É uma novidade no Brasil esse processo, então tem muita gente que não sabe como faz.

    O TCU tem uma atuação ao meu ver completamente estabanada no processo. É um órgão de apoio ao Congresso. Ele tem de fiscalizar o governo e as atitudes do governo. Se faço contrato com o governo, fruto de uma licitação, ele quer que eu demonstre para ele... Não tenho que demonstrar nada para ele. É tudo errado. Ele acha que tudo que o governo faz de não pagar [as empresas], pode. No dia que paro a obra, ele manda congelar conta. Virou uma campanha contra o privado.

    Por isso que eu digo que trabalhar com o governo é muito perigoso. Você fica sozinho contra tudo e contra todos, inclusive na imprensa. Porque basta o cara dizer para a imprensa que a Andrade abandonou a obra que, no dia seguinte, já sai lá: "A Andrade, a empresa da Lava Jato, abandonou a obra". Porque isso vende.

    Também criticamos o governo.
    É... [fazendo cara de "mais ou menos"]. Você viu o ML [obra do monotrilho], aquela obra que tem o paliteiro na cidade lá. Uma obra licitada para ser de 20 quilômetros. O governo nunca conseguiu desapropriar as áreas. O trecho ficou menos da metade. Fizemos uma fábrica de vigas e pilares para fazer o trecho todo. Aí você fala: como paga? Eu tinha de depreciar em mil vigas [para compensar o investimento], são só 400. A coisa vai ficando assim até o ponto da inviabilidade. Você não pode quebrar fazendo uma obra. Já chega a Transcarioca. Quando você fala que vai parar, depois de anos, não é conversinha não, é depois de anos. No dia seguinte, o governo entra com campanha nos jornais, dizendo que a Andrade abandonou a obra. O cara lê e pensa: deve ser mesmo, está fugindo da Lava Jato, é tudo bandido e tal. E nós vamos procurar quem para restituir a verdade?

    Entrevistas como essa são uma forma de falar sua versão.
    Colocamos um comunicado. Mas convenhamos, quem é que lê aquilo ali? É como "procurado, o cidadão falou...". Eu fico vendo aquilo da Globo. Estou até preocupado agora que são 200 [políticos delatados por executivos da Odebrecht]. Já pensou? Procurado, fulano disse isso, procurado... Meia hora disso. Só para falar: "Procurado, ele nega".

    Qual o efeito prático de não ter acordo com o governo? Porque, por outro lado, a empresa não foi declarada inidônea.
    Todo mundo pensa no inidôneo. A lógica é: se for declarado inidôneo, não posso licitar. Mas eu nem quero! O problema são os efeitos colaterais. O grande problema nosso não é o governo. Eu quero não depender dele. Não tenho nenhum contrato com o governo e não tenho perspectiva de ter. Não que eu não queira, mas porque não tem obra. Mas isso suja meu nome. Foi feito uma leniência, que é o julgamento da empresa. Você tem que pagar essa multa, tem que criar um sistema de compliance [cumprimento da legislação e de regras de conduta]. Aí, você faz tudo, mas não acontece nada. O que acontece é a CGU e a AGU dizerem que não vale. Então faça o que vale! Mas eles também não fazem.

    O que farão diante da decisão do TCU de fixar uma multa adicional? [O tribunal decretou na semana passada que as empresas da Lava Jato terão de refazer o acordo com o Ministério Público e aumentar o valor de ressarcimento aos cofres públicos ou serão declaradas inidôneas].

    Não podemos ter uma posição radical, mas vamos nos defender. A decisão é muito ruim. É uma decisão que afronta o Ministério Público, que deu a leniência. Agora o TCU diz que se precisa de um aditivo. Não ser considerada inidônea é melhor do que ser, claro. Mas tem o detalhe: você faz um aditivo que não vou poder questionar? Não parece razoável. Esperamos que, com diálogo e demonstração de boa-fé, possamos chegar a um acordo. Essa confusão dos órgãos, de cada um achando que tem de ser protagonista... Essa coisa de "vai lá e assina", certamente não faremos isso. Isso seria dar um cheque em branco.

    Não farão mesmo sob o risco da empresa ser declarada inidônea?
    O efeito é o mesmo. Se eu disser que ele pode cobrar o que quiser... É o "se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come". De qualquer forma, morro. Ele aplica multas de forma totalmente unilateral e eu não posso fazer nada? É quase inacreditável. Imagina, a partir disso, que banco vai me emprestar dinheiro? Se eu tenho essa faca no pescoço, do TCU poder cobrar o que quiser?

    Achamos que conseguiremos mostrar isso com a ajuda do Ministério Público. Mas não vamos para o confronto. O risco é, na prática, eles acabarem não recebendo. Porque não vamos conseguir [se a empresa quebrar]. Se esse é o objetivo, há outras formas de fazer. Diz então "ó, vocês viraram persona non grata".

    Não podemos jogar a leniência no lixo. Isso foi homologado pela Justiça. A punição não pode ser um câncer que mata a companhia. Porque aí não sobra ninguém. É uma coisa insana. Achamos que vamos conseguir mostrar isso e acreditamos que o bom senso deve prevalecer.

    Com a Petrobras vocês querem continuar trabalhando?
    Claro que quero trabalhar. Mas quero sair da lista. A lista negra existiu por força da denúncia de corrupção. As pessoas foram presas, condenadas e nós pagamos. Ué, por que eu vou continuar na lista? Não consigo entender.

    Pegamos contrato agora de obras de refinaria na Argentina. Uma Petrobras de lá. Foi isso [faz um gesto de esforço] para o cara aceitar. E para ele interessava. Nossa proposta era melhor. Ele falou: Quero vocês, mas, caramba, vocês estão proibidos na Petrobras, como eu vou contratar?". Olha o trabalho que dá...

    Não sei porque eles não tiram a gente. O Ministério Público enviou carta à Petrobras dizendo que não havia nada que impedisse a gente. Estive lá, conversei com Pedro Parente [presidente da Petrobras] e ele disse: sim, nós temos que fazer. E não faz nada.

    Se eles falam que vão tirar da lista, mas não nos convidam para concorrência, paciência. A lista é ter o nome no SPC [Serviço de Proteção ao Crédito]. Você não quer me convidar para a sua casa, tudo bem. Mas não põe no jornal que sou uma pessoa indesejável em festas. Porque isso me atrapalha nas outras festas.

    Quando o senhor vê a economia retomando?
    A economia tem reagido bem, mas o lado político é interrogação. Fico pensado que o Temer, de um jeito ou de outro, aos trancos e barrancos, vai chegar ao fim. Acho que botou na cabeça que precisa fazer um governo reformista porque, senão vai entrar para a história como? Só porque tirou a Dilma? Se for isso, vai ficar mais é como golpe. Ele vai fazer pressão enorme para passar as reformas. Se for feito, o país retoma certo rumo.

    Nesse negócio de infraestrutura no mundo inteiro tem havido um movimento. E caminhado para PPP [parceria público-privada] ou concessão. Nos dois modelos, a figura que toca é a privada. Você consegue trabalhar em infraestrutura pesada sem necessariamente trabalhar com o governo. Esse é um modelo que nos interessa muito. Ganharam agora os aeroportos. Nós vamos bater lá na porta do cidadão e dizer: olha, queremos ser convidados a apresentar proposta. Se fosse o governo fazendo, provavelmente nesse momento não faríamos isso.

    No pacote de concessão do governo, vocês só olham oportunidades em construção então?
    Não posso concorrer com a CCR [empresa de concessões que a Andrade é sócia]. Saneamento e portos eles não têm. Mas não estamos [interessados]. Não é uma hora legal para pensar em investir aqui. Falando pelo grupo, não faríamos. Cuidei desse assunto desde o nascedouro da AG Concessões. Fiquei 20 anos só mexendo com isso. Conheço um pouco, não por esperteza, mas por excesso de exposição. Começou-se a fazer uma desconstrução do que era correto. Para uma concessão, você faz a análise do investimento, custo de operação, arcabouço financeiro para colocar aquela coisa de pé. Tudo isso ficava explícito no plano financeiro da concessão. Você tinha todas as informações ali: quanto ia investir, qual era o tráfego, receita, tarifa, operação. Tudo isso era entregue e fazia parte do contrato. Portanto, você estava habilitado a discutir à luz do que estava entregue. Aboliram isso. Não foi por lei, não. Então, hoje para você ganhar o aeroporto, vai lá na Bolsa no leilão com um número, assina, ganhou, pronto. Se amanhã o governo não fizer algo da parte dele, você não tem como demonstrar nada. Olha a insegurança. E é um passo atrás. A coisa funcionava, era organizada. Eles conseguiram desmontar. A própria CCR não entrou nos aeroportos.

    A Andrade Gutierrez pecou na primeira rodada de conversas com o Ministério Público? Por que não falou tudo?
    De 2011 a 2013 a empresa trocou muita gente. Não tinha nada a ver com Lava Jato. Tinha uma proposta de renovação, puxada pelos acionistas, [que gerou] certa conturbação interna. Uma campanha muito forte de "precisa renovar esse negócio de gente velha", de ter uma empresa mais jovem.

    Saiu muita gente. A Odebrecht fez 77 delatores, todos trabalhavam na Odebrecht. Quando nós fizemos [a delação] eram 11 e só seis trabalhavam aqui.

    Dentro da leniência, você se obriga, além de implantar "compliance", informar quaisquer novos malfeitos que tenha cometido. Você tem que ficar escarafunchando o passado. Além de contratar empresas [para isso], acompanhamos as notícias. Toda vez que sai "fulano da Odebrecht deu dinheiro para a empresa Jururu", a gente corre aqui. E aí Jururu tem? Opa, fizemos contrato com a Jururu. Aí denunciamos, pagamos o Imposto de Renda. Vamos lá no Ministério Público.

    Falam em recall [da delação]. Não tem recall nada não. Nós somos obrigados a fazer e já fazemos. Só que, com esse negócio da Odebrecht, o negócio recrudesceu.

    Se essas pessoas estivessem aqui, teríamos falado. Eu, por exemplo, não sei. Vou lá saber que na obra de Manguinhos deram dinheiro para fulano? Não tenho a menor ideia. E não tenho para quem perguntar. As pessoas já não estão mais aqui. Esse é o nosso maior problema. Agora, por exemplo, tem denúncia que em São Paulo teve [propina nas obras] no metrô. Não tem alma aqui que trabalhou nesses negócios. Tenho que ir atrás de uma Renata da vida que trabalhou aqui lá atrás. O que ela faz? Diz: "Ô Ricardo, nem te conheço, pelo amor de Deus, não me envolve nisso, não".

    Tudo bem o senhor não saber do contrato da Jururu. Mas o senhor está na empresa há décadas. Não sabia?
    Claro que todo mundo sabe. Todo mundo sabe. Mas uma coisa você saber da prática. Como o Emílio [Odebrecht] falou: caixa dois sempre teve, desde dom João 6º já devia ter caixa dois. Qualquer um que fale diferente disso é tolinho. Mas não posso acusar os outros sem prova. Você tem que procurar a Renata e falar: você deu dinheiro para o fulano? Ah, dei. Como você deu? Foi por meio da Jururu, que fez um contrato comigo. Para você chegar a isso e a pessoa se sujeitar a ser presa... E é assim. Isso era normal das empresas e o cara não se acha um criminoso. É complexo.

    Como o senhor conseguiu ficar fora da Lava Jato?
    Não trabalhava na construtora. E na área de concessões nunca fizemos. Ah, por que vocês são mais bonitos? Pouco sou. Mas em concessões você investe, põe o dinheiro. Como empreiteiro, você recebe o dinheiro. Aí cria uma situação. Cria dificuldade para vender facilidade. É um processo doente. Uma empresa concessionária não pode fazer doação de campanha. A empreiteira podia. Não era legal ser com dinheiro sujo, mas doação era legal. Por isso que tem essa briga sobre o que pode, caixa um, caixa dois.

    Vivi 20 anos, de 1992 a 2012, na AG Concessões. Mas eu sabia? Claro que eu sabia [que existia pagamento de propina]. E não só aqui, não. Qualquer empresa do Brasil. E de qualquer setor. Ah, então por que gostam [de falar] de empreiteiro? Por que empreiteiro tem relação direta com o poder. Aí pega o Renan [senador Renan Calheiros], o Jucá [senador Romero Jucá], não sei quem. Dá ibope.

    Mas o cara que vende merenda escolar também corrompe. Só que não dá ibope nenhum prender o subsecretário de não sei o quê. O Brasil infelizmente é assim. Não quero dizer com isso que não se pecou. Claro que se pecou. Mas digo que, quem fica assim [faz cara de assustado] é um anjo. O cidadão deve ter nascido ontem.

    O setor inteiro da construção foi pego...
    Uma coisa: havia 20 e tantas empresas estrangeiras que trabalhavam para a Petrobras. Todas sem exceção estão envolvidas na Lava Jato. Não é uma coisa estranha?

    O que todo mundo quer acreditar é que Camargo, Andrade e Odebrecht é que são os malvados. Sempre o trio da morte, né? Depois salpicam mais alguns ali...

    E os dinamarqueses, japoneses? Tudo de ilibada reputação? Sueco? Todos estão. Onde está a doença? Isso que quero dizer. Não tem jeito de a pessoa viver no Brasil empresarialmente sem fazer. Ou pelo menos não tinha. De novo, não estou querendo jogar lenha na fogueira. Mas é um fato. Uma coisa é dizer que o problema era nas grandes empreiteiras que controlavam o poder. E os outros? Davam dinheiro porque eram doidos? Skanska [empresa sueca envolvida na Lava Jato e declarada inidônea pela CGU] dava dinheiro na Petrobras.

    O senhor acha que é algo do Brasil?
    Não é específico daqui. É no mundo inteiro. Tem mais e menos. O que acho que aconteceu é que no Brasil recrudesceu, esparramou. Antes era muito mais. Virou uma moda. Acho que tem muito a ver com a forma de funcionar do PT... Não sei. Aí não sou sociólogo. Até para mim, que já sou macaco velho do setor, fiquei assustado.

    Meio que virou uma coisa maluca, um meio de vida. Antigamente as coisas eram mais veladas. Era uma coisa pessoal, não era a administração tal todo mundo rouba. Com o negócio do PT, como são mais democráticos e abertos, virou uma coisa que todo mundo mama. E aí a coisa perde o controle. Um movimento enorme de laranjas atravessando dinheiro para lá e para cá. E aí você tem que lembrar: antigamente, o cara fazia uma coisa dessas e a Receita Federal levava cinco anos para descobrir. Tinha até vencido [a punição]. Hoje é tudo on-line.

    Por isso que eu falo: o mundo mudou e as pessoas não perceberam. Você ficou pelado no meio da rua. Nós fomos pegos assim.

    RAIO-X

    Cargo: presidente do grupo e do conselho de administração da Andrade Gutierrez

    Formação: engenharia civil pela UFMG e finanças pela FGV-SP

    Trajetória: entrou na empresa em 1981 como coordenador de engenharia e orçamentos. Foi presidente da Andrade Gutierrez Concessões até 2013, quando assumiu a presidência da construtora. Em 2015, acumulou o posto com a presidência do grupo

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