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    Por que a demora quanto à igualdade de salários e oportunidades no setor financeiro?

    LAURA NOONAN
    MADISON MARRIAGE
    PATRICK JENKINS
    DO "FINANCIAL TIMES"

    06/04/2017 14h24

    As instituições financeiras mundiais tomaram todo tipo de medida para melhorar sua diversidade de gêneros, das comuns –networking entre mulheres, licença-maternidade estendida e creches subsidiadas– às extremas –em um caso, bancando o transporte internacional de leite materno para facilitar a vida das mães que têm bebês e querem continuar trabalhando.

    Mas o tópico da igualdade entre os sexos nos salários, oportunidades e tratamento desperta resposta visceral dos membros de conselhos, dos profissionais das mesas de operações e das mães nas salas de amamentação empresariais que mantêm o sistema financeiro em funcionamento. Por sob o lustro das muitas iniciativas em favor das mulheres nas grandes empresas, e dos grandes avanços que elas sem dúvida conseguiram, existe raiva, frustração e cinismo.

    As empresas ainda estão bem longe de realizar suas aspirações. As mulheres respondem por apenas 24,4% dos cargos mais elevados em 25 bancos internacionais dispostos a revelar dados ao "Financial Times". Dois anos atrás, a proporção era de 23,6%. A situação em 25 administradoras de fundos, seguradoras e companhias de serviços profissionais que participaram do levantamento não é muito melhor.

    Dados compilados em separado pelo LinkedIn demonstram que o setor de serviços financeiros como um todo elevou o número de mulheres contratadas para posições de liderança em 10%, de 2008 a 2016, o que supera o avanço de 7% nas contratações totais de mulheres pelo setor

    Mas as mulheres respondiam por apenas 23% das contratações "de liderança" do setor em 2016, de acordo com informações prestadas por candidatos a empregos no próprio LinkedIn. Estudos também apontaram para uma disparidade continuada nos salários de homens e mulheres.

    "Tudo é lento, frustrantemente lento", diz Alex Wilmot-Sitwell, que comanda o Bank of America Merrill Lynch na Europa. "Se você tivesse me perguntado 10 anos atrás... eu teria previsto que nós [o setor] estaríamos mais avançados do que estamos. Isso é evidentemente uma decepção".

    Qual é o problema, então? O "Financial Times" entrevistou mais de 40 homens e mulheres em bancos, seguradoras, administradoras de ativos e companhias de serviços profissionais, na Ásia, Europa e Estados Unidos. A maioria dos entrevistados concorda em que as políticas de promoção de igualdade entre os sexos melhoraram bastante, e que horários flexíveis de trabalho são muito benéficos. Mas as entrevistas revelaram um conjunto comum de problemas persistentes, que ajudam a explicar por que as mulheres respondem por 51% da força total de trabalho nos grupos pesquisados pelo "Financial Times" mas são porcentagem muito menor entre os gestores de escalão médio e superior.

    Muitos dos entrevistados dizem que conseguir uma promoção continua a ser mais difícil para as mulheres, assim como conquistar respeito profissional caso sejam promovidas, Diony Lebot, vice-presidente de gestão de riscos no banco Société Générale, diz que os executivos ocasionalmente consideram que é mais arriscado promover uma mulher. Karen Frank, que comanda a divisão de private banking do Barclay's, se indigna diante da afirmação - "vou jogar uma colher em você", ela diz (estávamos tomando café). No entanto, Frank admite que algumas pessoas pensam que "se você contratar uma mulher, vai ficar devendo explicações caso as coisas não funcionem".

    Uma executiva financeira júnior que deixou um grande banco recentemente diz que acredita que não conseguiria evoluir em um ambiente no qual os homens comentavam sobre os sapatos da executiva de posto mais alto na instituição e diziam que ela só havia conseguido o posto porque "é bonita, para uma mulher dessa idade".

    Outras pessoas citam problemas de "representação simbólica", na promoção de mulheres. Mas Noreen Doyle, vice-presidente do conselho do Credit Suisse e presidente da Associação Britânica de Executivos Bancários, rebate dizendo que "seremos consideradas iguais quando mulheres igualmente incompetentes receberem as mesmas oportunidades que homens incompetentes".

    As questões relacionadas a promoções revelam um problema mais amplo. Lindsey Rix, diretora executiva de produtos pessoais na seguradora Aviva UK, diz que "houve enorme progresso" em direção à diversidade, mas "que o caminho que resta a percorrer ainda é muito longo, do ponto de vista cultural".

    Algumas mulheres dizem ainda encontrar formas sutis de sexismo, por exemplo se verem excluídas de turminhas masculinas, ou a suposição de que elas se afastarão do trabalho em algum momento para cuidar dos filhos. Lebot recorda conversas com colegas nas quais eles diziam que não ofereceriam a uma mulher uma posição para a qual ela seria ótima, porque ela tinha um bebê ainda novo e talvez não estivesse interessada em enfrentar o desafio. "Sempre digo às pessoas que é melhor não decidir pelos outros, e permitir que eles mesmos tomem suas decisões".

    "Não creio que as pessoas discriminem as mulheres ativamente", diz Doyle. "Mas acho que ainda existe muita parcialidade inconsciente". E é aí que entram os programas de treinamento quanto a parcialidades inconscientes, que prometem revelá-las e ajudar as pessoas a combatê-las.

    Jim Cowles, vice-presidente do Citigroup para a Europa, Oriente Médio e África, colocou seu comitê operacional em um programa de treinamento sobre parcialidade inconsciente, no ano passado, e diz que, se a cultura não mudar, "tudo que teremos será uma porta giratória para a diversidade". Ele acrescenta que "no passado, nosso foco pode ter sido apenas o lado estatístico".

    Por enquanto, as percepções externas sobre a cultura do mundo das finanças contribuem para outro desafio setorial: a escassez de mulheres candidatas a postos.

    Vanessa Holtz, que comanda uma equipe de operações formada por 19 homens e uma mulher no Bank of America, diz que quando pergunta a estagiários se estão interessados em trabalhar na mesa de operações, 85% das respostas positivas vêm de homens. Robin Rankin, codiretora de fusões e aquisições no Credit Suisse, acredita fortemente que "as mulheres podem e devem encontrar sucesso nas finanças", mas diz que existe uma percepção incorreta de que o trabalho no setor "é fatigante, ou não interessa tanto assim às mulheres".

    No segmento de gestão de patrimônio, Fran Cahsman, codiretora de vendas para o mercado norte-americano na Legg Mason, diz que o setor está trabalhando para "mudar a percepção quanto ao que o trabalho é", para que as mulheres percebam o quanto empregos como os da área de vendas podem ser flexíveis.

    Wilmot-Sitwell diz que atrair mulheres para postos nos bancos pode se tornar ainda mais difícil, agora que a área de tecnologia em alguns casos responde por mais da metade dos postos de trabalho em uma instituição. "As meninas não estão estudando ciência, tecnologia, engenharia e matemática, nas escolas, em números próximos dos necessários", ele diz. Seu banco e outros estão trabalhando com as escolas para tentar atrair o interesse de maior número de meninas a essas áreas, mas o processo é lento.

    As questões culturais também podem contribuir para o que Kristin DeClark, do Deutsche Bank, descreve como "a questão mais importante em nosso setor". "Mulheres que estão nos escalões intermediários da hierarquia optam por não seguir carreira na área de bancos porque não acreditam que seja possível seguir uma carreira no ramo e ao mesmo tempo ter uma família", disse DeClark, que trabalha em San Francisco, e combina o comando da divisão de ações de tecnologia do Deutsche, cuidar de seus três filhos e disputar maratonas.

    Holtz diz que seu posto é totalmente compatível com seus deveres para com suas filhas, duas meninas de 12 e 13 anos. No Citigroup, a conselheira Pauline Timmers está tão confiante nas iniciativas de vida e família do banco que decidiu ter filhos. Ela é mãe de gêmeos de 10 meses de idade e planeja voltar ao trabalho em alguns meses.

    "O trabalho ágil é o que mais fez diferença", diz Emma Codd, sócia diretora da Deloitte encarregada da área de talentos. "Isso teve um impacto maciço - 81% do pessoal usa o método". O sistema envolve trabalhar de casa, trabalhar em tempo parcial ou trabalhar apenas durante o período de aulas dos filhos, ou exercer a opção de um mês de licença não remunerada que a empresa oferece a cada ano. Outras pessoas dizem que a tecnologia tornou muito mais fácil o trabalho remoto. Há também programas que estimulam retornos, ajudando mulheres a reingressar na força de trabalho depois de pausas longas em suas carreiras.

    Ainda assim, Doyle diz que não há exemplos profissionais suficientes e que as mulheres abandonam suas carreiras na metade porque "olham para cima e não veem oportunidades".

    As soluções práticas têm seus limites. Nenhum dos homens entrevistados sugeriu que o problema pode ser causado em parte pelas mulheres. Mas diversas mulheres o fizeram. "[As mulheres] muitas vezes pensam que se fizerem bem o seu trabalho, isso será percebido e alguém lhes oferecerá uma promoção", diz Lebot. "A realidade é que você precisa permitir que as pessoas saibam que está disposta a assumir responsabilidades maiores".

    Kate Richdale, codiretora da área de investimentos do Goldman Sachs para a Ásia (excluído o Japão), diz que as mulheres precisam ter em mente que "estamos em uma maratona, não em uma prova de velocidade".

    "Vi alguns casos nos quais as mulheres pensam que não são capazes de aceitar certos desafios, e por isso deixam os negócios prematuramente, perdem autoconfiança e não conseguem voltar", ela diz.

    No Bank of America Merrill Lynch, Holtz diz que "em dado momento, os bancos estarão limitados quanto àquilo que podem oferecer. Se você não aproveitar o que é oferecido, o progresso será difícil. Por isso, evoluir também é nossa responsabilidade".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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