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    Previdência

    Análise

    Reforma imita Europa só na idade mínima e desvaloriza a mulher

    FERNANDA MENA
    DE SÃO PAULO

    06/04/2017 18h08

    É tentador se referir a medidas adotadas por países desenvolvidos na hora de avaliar as propostas que estão na mesa para a reforma da Previdência brasileira. Elas, porém, partem de realidades diferentes.

    É o caso do projeto de igualar a idade mínima para homens e mulheres requererem o benefício, algo adotado pela União Europeia (UE) e implementado de maneira progressiva por muitos países-membros.

    Aqui, a proposta do governo Michel Temer (PMDB) é de cravar em 65 anos a idade para ambos os sexos. Hoje, elas podem se aposentar com 60 anos; eles, com 65.

    Reforma da Previdência
    As mudanças propostas na aposentadoria

    O que ampara a ideia de uma idade menor para mulheres é que esse seria um artifício de correção das distorções de gênero no acesso ao mercado de trabalho.

    Entre as iniquidades no setor estão diferenças salariais e de horas semanais dedicadas a atividades não-remuneradas ­—um eufemismo para os cuidados com a casa e com os filhos.

    No Brasil, mulheres trabalham 7,5 horas a mais que homens quando somados os afazeres domésticos, segundo estudo baseado em dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Na atividade profissional, recebem 24% menos que homens.

    Na Itália, por exemplo, essa discrepância salarial é de apenas 5% (a mais baixa da Europa), segundo a UE. Lá, as mulheres trabalham 6,6 horas semanais a mais que os homens, de acordo com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OECD).

    Como apontou Leandro Narloch em sua coluna no site da Folha, a Itália "foi condenada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia por causa da disparidade etária" entre homens e mulheres e, apenas em 2018, a idade de aposentadoria será igualada em 66 anos e 7 meses para os dois sexos.

    A Inglaterra também deve igualar as idades apenas em 2018. Por lá, mulheres recebem 18% menos que homens e trabalham 3 horas a mais que eles por semana.

    Isso indica que, mesmo com disparidades de gênero no mercado de trabalho menores que as brasileiras, esses países ainda não deram o passo que o Brasil quer dar, assim, de repente.

    Mais que isso: desde 2007, a igualdade de gênero é uma meta central e permanente da Comissão Europeia (braço executivo da UE).

    Enquanto isso, no Brasil (país cujo atual presidente só comete gafes quando o assunto é gênero), esse mesmo tema foi excluído até mesmo dos debates nas escolas, vetado nos planos de educação.

    A partir de 2010, a Comissão da UE passou a desenvolver estratégias de promoção da independência financeira equânime para homens e mulheres.

    As recomendações aos países membros vão de ampliação da oferta de creches a igualdade no acesso a posições de tomada de decisão, nas esferas pública e privada, além da equiparação salarial.

    Na França, por exemplo, há mais de dez anos estão previstas sanções a empresas que não praticam os mesmos salários para homens e mulheres nas mesmas posições. Duas foram condenadas em 2013.

    É preciso atentar, portanto, para o fato de que os países nos quais nos espelhamos tratam certas mudanças estruturais como processo, e não como mágica.

    Isso é injusto com certa parcela minoritária dos homens? Aqueles que, contrariando as estatísticas, dividem o trabalho doméstico ou mesmo o assumem sozinhos? Provavelmente.

    No entanto, como parece ser impraticável a inclusão das horas "trabalhadas" no cuidado com os filhos e a casa no cálculo da aposentadoria, a eles restaria militar pela igualdade de gênero em todo o percurso que antecede a Previdência.

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