• Mercado

    Monday, 03-Jun-2024 16:44:40 -03

    Edição de genes é a nova fronteira da agricultura, diz 'pai dos transgênicos'

    MAURO ZAFALON
    DE COLUNISTA DA FOLHA

    15/04/2017 02h00

    Robert T. Fraley passou a infância numa pequena fazenda no Estado de Illinois (EUA). Cresceu abraçado a enciclopédias, desmontando e montando coisas na oficina do pai. Iniciava-se ali o sonho de ser cientista.

    Em 1980, quando começou a trabalhar na Monsanto, a biotecnologia estava nos primórdios. E foi pelas mãos de Fraley que o milho e a soja transgênicos chegaram ao mercado. Há 20 anos.

    Essa tecnologia, contestada ainda hoje em boa parte do mundo, avançou e mudou o cenário da agricultura.

    O período foi importante, mas o que vem pela frente será ainda mais, na avaliação do criador dos transgênicos, que concedeu entrevista à Folha em São Paulo.

    Melhoramento, produtividade, redução de custos, controle de ervas daninhas e insetos, ligar ou desligar genes de plantas e até a associação de gigantes, como a da Bayer com a Monsanto, serão os passos da próxima década.

    A agricultura é a última indústria a se modernizar. Passa a ser digital, e os resultados virão na forma de produtividade e redução de custos.

    A ciência caminha para a união de várias ferramentas, como dados climáticos, melhoramento nas sementes, edição gênica ou sensores e satélites que indicam como e quando plantar, além de monitorar a safra.

    *

    BIOTECNOLOGIA NO BRASIL

    O Brasil elevou a produtividade de grãos, sem grande expansão de área. A biotecnologia foi essencial para o país liderar a agricultura tropical.

    O FUTURO

    O que vem pela frente é animador. As ferramentas de edição gênica [Crispr] permitem aos cientistas mudar os genes presentes na planta. Isso é diferente dos transgênicos, nos quais se insere um novo gene na planta.

    MAIS PRODUTOS

    A edição genômica aumenta a oferta de produtos. A tecnologia Crispr e a edição gênica estão presentes em universidades, empresas menores e no mundo acadêmico. Há interesse no desenvolvimento de soluções para agricultura, pecuária e saúde. Haverá também apoio do consumidor.

    REGULAÇÃO

    É importante estabelecer a diferença entre o desenvolvimento de transgênicos e a edição de genes. As agências regulatórias vão rever a legislação e adequá-la à nova realidade. Daí as oportunidades para o futuro. A edição de genes é vista como uma nova geração de biotecnologia.

    MAIS CIÊNCIA

    Essa visão da biotecnologia significa mais ciência em universidades e empresas. Os cientistas da Embrapa já usam a tecnologia.

    NA PRANCHETA

    Acabamos de concluir acordos de licenciamento para diferentes tipos de tecnologia de edição gênica. Em 2016, a Monsanto desenvolveu as primeiras edições gênicas em hortaliças, milho, soja e algodão. Precisamos realizar testes em campo e melhoramentos. Em cinco ou seis anos, os produtos vão ao mercado.

    DESAFIOS

    Um dos pontos centrais é entender os desafios dos produtores. No Brasil, a agricultura tropical sofre pressão constante de pragas e de alterações climáticas. Por isso, as empresas ligadas à agricultura têm de investir cada vez mais.

    Karime Xavier/Folhapress
    SÃO PAULO / SÃO PAULO / BRASIL -08 /03/17 - :00h - Robert T. Fraley, chefe global de tecnologia da Monsanto e um dos criadores dos transgênicos. ( Foto: Karime Xavier / Folhapress). ***EXCLUSIVO***MERCADO
    Robert T. Fraley, vice-presidente-executivo e diretor de tecnologia da Monsanto

    CRÍTICAS

    A discussão sobre os transgênicos ocorreu quando a Europa passava pela crise de alimentos devido à doença da vaca louca, momento em que as agências regulatórias perderam credibilidade. Nós, como empresa e como indústria, não fizemos um bom papel naquele momento de críticas.

    EUROPA

    É uma ironia a Europa não adotar a biotecnologia na produção de grãos. Adota a tecnologia na indústria de alimentos para produzir aditivos e corantes e na farmacêutica para produzir remédios. Além disso, a soja importada por eles contém essa tecnologia.

    CHINA

    Os chineses investem muito e querem desenvolver a própria tecnologia. A China tem o maior número de cientistas trabalhando em biotecnologia depois dos EUA. Compraram a Syngenta [por meio da ChemChina], uma das maiores empresas de semente, e serão concorrentes importantes.

    ERVAS DANINHAS

    A resistência de ervas daninhas ao glifosato era prevista. O que podemos fazer com relação ao glifosato é agir como os médicos: utilizar múltiplos modos de ação, não um só produto. O produtor deve fazer mistura e associações.

    LANÇAMENTOS

    Vamos lançar associações com diferentes herbicidas com resistência para gramíneas. Estamos trabalhando com os produtores para garantir que usem não só o glifosato, mas misturas adequadas.

    EXEMPLO FARMACÊUTICO

    Se eu fosse o diretor de pesquisa de uma indústria farmacêutica que estivesse lançando um antibiótico e soubesse que, mesmo com êxito, esse antibiótico sofreria resistência da bactéria, do ponto de vista ético eu acharia melhor oferecer essa tecnologia para evitar doenças. Mas a indústria sabe que sempre precisa investir no próximo antibiótico.

    SEQUENCIAMENTO

    Hoje conhecemos o sequenciamento de cada gene da planta do milho e da soja. Toda vez em que fazemos o cruzamento para a produção de nova semente, conseguimos fazer o sequenciamento genômico de cada semente para escolher a que tem novas propriedades.

    UNIÃO

    As empresas que atuam em agricultura estão se associando. O resultado será mais pesquisas e novos produtos à disposição do produtor.

    INVESTIMENTOS

    A associação da Bayer com a Monsanto nos permite aumentar os recursos e avançar em melhoramento, biotecnologia, no setor químico e na ciência de dados para dar ao produtor ferramentas para combater doenças e pragas.

    NOVOS PRODUTOS

    A Monsanto tem conhecimento na área de sementes e de biotecnologia. A Bayer tem experiência no setor químico. Juntos vamos desenvolver novas misturas e novos eventos.

    DESAFIO BRASILEIRO

    O Brasil tem papel de liderança na agricultura tropical, mas sofre muita pressão de doenças fúngicas, insetos e nematoides. Por isso, é preciso mais investimentos em tecnologia. A agricultura brasileira é um desafio único, mas também uma oportunidade única.

    AGROQUÍMICOS

    A tecnologia vai nos permitir descobrir agroquímicos que, mais eficazes, poderão ser usados em menor quantidade.

    PARA ONDE VAI A PESQUISA

    Vamos continuar investindo em melhoramento e em novos eventos biotecnológicos para ajudar a controlar a seca, ervas daninhas e pragas. Vejo ainda uma oportunidade na ciência de dados e nas ferramentas de agricultura digital.

    EDIÇÃO GÊNICA

    Vamos buscar novas ferramentas, como a edição gênica e o investimento nos satélites e sensores de que os produtores precisam. O principal para o futuro é muito investimento em ciência de dados.

    COMBINAÇÃO

    Nos próximos anos, vamos combinar tudo o que sabemos sobre químicos, práticas agrícolas, biotecnologia, ciência de dados e agricultura de precisão. Unindo essas ferramentas, teremos uma agricultura mais inteligente.

    *

    RAIO-X/ROBERT T. FRALEY

    Cargo
    Vice-presidente-executivo e diretor de tecnologia da Monsanto. Conhecido como o pai da biotecnologia, está na empresa desde o início dos anos 1980

    Formação
    Doutor em microbiologia e bioquímica pela Universidade de Illinois. tem pós-doutorado em biofísica pela Universidade da Califórnia

    *

    RAIO-X/MONSANTO

    Empresa do setor de biotecnologia, produção de agroquímicos e de sistemas para o desenvolvimento agrícola. Foi comprada pela Bayer

    Receita
    US$ 5,07 bilhões*

    Lucro
    US$ 1,37 bilhão*

    Funcionários
    20.800 (2.700 no Brasil)

    Concorrentes
    Basf, Dow-DuPont, Syngenta (comprada pela ChemChina)

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024