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    Capitalismo de dados lucra com a nossa privacidade (por enquanto)

    JOHN THORNHILL
    DO "FINANCIAL TIMES"

    07/05/2017 11h31

    Kacper Pempel/REUTERS
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    Capitalismo de dados lucra com a nossa privacidade (por enquanto)

    O assunto principal na Consumer Electronics Show (CES) de Las Vegas, em janeiro, era a conectividade e o aprendizado mecânico. Por algum motivo, os engenheiros do planeta pareciam estranhamente compelidos a transformar todos os produtos cotidianos —de carros e escovas de dentes a sapatos e chuveiros— em aparelhos inteligentes e conectados.

    Isso pode ajudar em nossa rotina de higiene dentária e nos exercícios. Mas beneficiará muito a economia?

    John Fernald, consultor sênior de pesquisa do Federal Reserve Bank de San Francisco, uma das unidades regionais do banco central dos Estados Unidos, lamenta o fato de que as inovações atuais se concentrem mais em melhorar o lazer do que a eficiência empresarial. "Coisas tremendas estão acontecendo no Vale do Silício", disse Fernald ao "Wall Street Journal". "Mas para mudar realmente os números da produtividade, essas coisas precisam ser traduzidas em termos práticos, na forma pela qual as empresas e a economia funcionam".

    Ele tem razão. O efeito primário desses produtos de tecnologia voltados ao consumidor parece limitado —mas precisaremos prestar atenção cada vez maior às consequências secundárias desses dispositivos conectados. Eles são apenas a mais visível manifestação de uma transformação fundamental que deve influenciar nossas sociedades de maneira muito mais intensa do que o 'brexit' [saída britânica do Reino Unido], Donald Trump ou disputas territoriais no Mar do Sul da China. Essa transformação tem a ver com quem recolhe, controla e usa dados.

    O assunto é tão antisséptico que raramente desperta entusiasmo. Para fazer com que dados se tornem um tema mais sexy, há quem os tenha descrito como "o novo petróleo" que alimentará nossas economias digitais. Na verdade, é provável que os dados se provem ainda mais importantes que isso. Eles cada vez mais determinam o valor econômico, reconfiguram as práticas de poder e interferem nas áreas mais íntimas de nossas vidas.

    Alguns comentaristas sugeriram que essa transformação é tão profunda que estamos caminhando de uma era de capitalismo financeiro para uma era de capitalismo de dados. O historiador israelense Yuval Noah Hariri argumenta até que o "dadismo", o nome que ele dá à tendência, pode ser comparado ao nascimento de uma religião, se levarmos em conta as alegações de seus mais fervorosos discípulos no sentido que ele é capaz de fornecer soluções universais.

    A velocidade e a escala do avanço dessa revolução dos dados é certamente espantosa. Às vezes, gostamos de imaginar que a internet gira em torno da troca de pensamentos entre pessoas. Mas ela gira muito mais em torno da troca de dados entre máquinas.

    O grupo de pesquisa tecnológica Gartner estima que em 2016, o número de aparelhos conectados on-line tenha crescido em 5,5 milhões de unidades ao dia. A empresa prevê que seu número total triplicará, para 20,8 bilhões, em 2020, à medida que a internet das coisas se torna realidade.

    De acordo com a IBM, já geramos 2,5 quintilhões de bytes de dados a cada dia, o que significa que 90% dos dados do planeta foram criados nos dois últimos anos. Para ver o efeito que o uso de dados pode ter, basta considerar o setor de publicidade.

    Facebook e Google abocanharam 85% das verbas de publicidade digital nos Estados Unidos, no primeiro trimestre de 2016. Seu sucesso se baseia em sua capacidade de usar dados para direcionar publicidade aos consumidores ideais. A prevalência dos dados em muito outros setores, como saúde, transportes e energia, ajudar e impelida pela aplicação da inteligência artificial, avança com a mesma velocidade.

    Essa transformação econômica promete grandes benefícios aos consumidores mas a proliferação no uso de dados também desperta preocupações quanto a segurança de identidade e privacidade. Podemos estar em risco de decair inexoravelmente à distopia descrita pelo escritor Dave Eggers em "The Circle", romance de 2013, encapsulada no slogan "privacidade é roubo".

    Sir Nigel Shadbolt, cofundador do Open Data Institute, argumentou em artigo recente para o "Financial Times" que ainda é cedo demais para que desistamos da privacidade, apesar das gritantes assimetrias entre os indivíduos que geram dados e as gigantescas empresas que os controlam e exploram. A tecnologia que erodiu a privacidade também pode reforçá-la.

    A próxima revolução, ele argumenta, envolverá conferir aos consumidores mais controle sobre os seus dados. Considerando os avanços de poder de processamento e de memória dos smartphones, ele acredita que novos modelos de coleta de dados, mais localizados, possam em breve ganhar força. Um exemplo é o serviço Blue Button, usado pelos veteranos das forças armadas dos Estados Unidos para manter e atualizar seus registros médicos. "Esse sistema provou ser um método realmente revolucionário", ele diz. "Creio que veremos muitos exemplos desse tipo de retomada de poder".

    De acordo com essa visão, poderemos usar dados para criar um mundo muito mais inteligente, mas sem sacrificar direitos preciosos. Se acreditamos realmente em um futuro assim benigno, precisamos correr e inventá-lo.

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