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    OPINIÃO

    Investigação sobre Rolls-Royce mostra passividade dos auditores

    MATTHEW VINCENT
    DO "FINANCIAL TIMES"

    05/05/2017 18h00

    Peter Parks/AFP
    Motores produzidos pela Rolls-Royce
    Motores produzidos pela Rolls-Royce

    Frutas, flores e velas: 200 mil libras. Por anos, ninguém no departamento de finanças da gravadora EMI —ou, podemos presumir, na auditoria Ernest & Young— questionou esse item na contabilidade da companhia.

    Esse gasto só foi exposto quando o Terra Firma, grupo de capital privado capitaneado por Guy Hands, lançou uma campanha mal sucedida pela tomada do controle da empresa, em 2007, com uma proposta de quatro bilhões de libras e prometendo cortar custos.

    O jornal "Independent" —sem dúvida propiciando grande diversão aos profissionais que conhecem bem a indústria fonográfica— optou por interpretar o número literalmente, e reportou sobre os excessos florais, votivos e frutíferos nos escritórios da gravadora, de Londres a Los Angeles. Na EMI, porém —se não na Ernest & Young—, essa manobra representava simplesmente um conhecido eufemismo contábil para registrar os gastos com dois outros itens dispendiosos que acompanham a vida do rock.

    Tudo isso conduz à questão: que eufemismo a Rolls-Royce usou para registrar as 100 mil libras que gastou ao presentear um Rolls-Royce Silver Spirit a fim de satisfazer o apetite automobilístico de um intermediário de uma companhia de aviação indonésia? "Despesas gerais de viagem"?

    No começo do ano, essa foi uma entre as diversas transações mencionadas em um acordo extrajudicial entre a fabricante de turbinas para aviões e a Divisão de Fraudes Graves da polícia britânica, em um caso que envolvia acusações por propina. Outras transações questionadas pelas autoridades incluíam desembolsos de US$ 18,8 milhões junto a agentes da Thai Airways; um crédito de US$ 5 milhões em dinheiro para a China Eastern Airlines; e US$ 3,2 milhões pagos a um executivo da Air Asia.

    Será que mesmo o mais ingênuo dos contadores, ou o auditor júnior mais inexperiente, não deveria ter percebido esses gastos?

    Aparentemente, essa não é uma questão legítima. Pessoas que conhecem a maneira pela qual esses pagamentos terminaram expostos dizem que não havia uma trilha clara de documentação. Mesmo assim, o Conselho de Fiscalização Financeira britânico decidiu que o papel da KPMG como auditora da empresa merece investigação.

    E, quando iniciar esse trabalho, o órgão talvez devesse considerar uma questão alternativa: Será que os auditores enfrentam dificuldades para contestar a contabilidade de empresas com presidentes-executivos veteranos e reverenciados? Porque, em três das mais recentes controvérsias contábeis surgidas no Reino Unido, envolvendo a Rolls-Royce, Tesco e Autonomy, a presença de executivos veteranos e muito elogiados à frente das empresas foi certamente um fator.

    Sir John Rose, que liderava a Rolls-Royce quando surgiram as acusações de pagamento de propinas, era presidente-executivo da empresa havia 15 anos, e no período elevou sua carteira de encomendas de 7,6 bilhões para 60 bilhões de libras, e comandou um crescimento de 500% em seus lucros.

    Será que a KMPG não foi passiva demais, se limitando a admirar esses resultados?

    Sir Terry Leahy comandou a rede de supermercados Tesco por 14 anos, elevando suas vendas a 62 bilhões de libras, o que representa um sétimo do total de gastos no varejo do Reino Unido, antes que um escândalo de contabilidade no relacionamento com fornecedores estourasse na gestão de seu sucessor. A auditoria da empresa, porém, não havia mudado: será que a PwC se acostumou demais a não questionar o sucesso da empresa nas vendas?

    O Dr. Mike Lynch comandou a produtora de software empresarial Autonomy por 15 anos, de sua fundação até o momento em que a companhia atingiu capitalização de mercado da ordem de 12 bilhões de libras, antes que ela fosse acusada de fraude contábil por sua nova proprietária, a Hewlett-Packard.

    A HP questionou por que a auditoria Deloitte não "identificou esses problemas", mas as duas empresas mais tarde chegaram a um acordo sobre o caso. O Dr. Lynch nega todas as acusações da HP, e abriu um processo contra a companhia norte-americana.

    Todos esses casos diferem em seus aspectos específicos. Mesmo assim, qualquer conexão mais forte entre governança empresarial enfraquecida e problemas de auditoria merece ser iluminada —e não pela luz de velas muito caras.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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