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    Notícia falsa para manipular mercado financeiro entra na mira dos EUA

    DO "FINANCIAL TIMES"

    06/05/2017 02h00

    Getty Images
    Artigos pagos alardearam tratamento experimental para o câncer
    Artigos pagos alardearam tratamento experimental para o câncer

    Em 18 de janeiro de 2012, o "Seeking Alpha", um site de notícias financeiras, publicou um artigo intitulado "ImmunoCellular Therapeutics pode estar para renascer, de novo", que destacava o trabalho da empresa americana no desenvolvimento de tratamento experimental contra o câncer.

    Mas os leitores não foram informados de que a companhia fizera um pagamento indireto ao autor da reportagem, Vincent Cassano, segundo documentos apresentados em abril a um tribunal de Nova York pelas autoridades regulatórias dos EUA.

    O artigo dava a entender que a ImmunoCellular Therapeutics havia produzido um importante tratamento contra o câncer, conhecido como ICT-107, e que o produto seria mais barato que um medicamento concorrente.

    Nos meses que se seguiram, o preço das ações da ImmunoCellular subiu fortemente, de US$ 42.18 no dia anterior à publicação da reportagem para um pico de US$ 155,20, no fim de junho de 2012 —uma alta de 263%.

    No entanto, depois de uma atualização decepcionante quanto aos resultados de testes clínicos do ICT-107, em dezembro de 2013, as ações da empresa sofreram forte queda. Na semana passada, estavam cotadas a US$ 2,23.

    O artigo foi um de pelo menos 200 que foram publicados pelo "Seeking Alpha" sem identificação como reportagem paga, entre agosto de 2011 e março de 2014, de acordo com a SEC (Securities and Exchange Commission), agência federal que regulamenta os mercados de valores mobiliários dos EUA.

    Um porta-voz da ImmunoCellular disse que a empresa havia "cooperado plenamente" com a investigação da SEC. Um porta-voz do "Seeking Alpha" afirmou que a empresa também havia cooperado com a SEC e que estava apoiando os esforços das autoridades para impedir a ação daqueles que promovem ações por meios antiéticos.

    Os documentos judiciais mostram que a SEC identificou artigos publicados sem identificação como reportagem paga em vários sites de investimento, entre os quais "Benzinga", "Wall Street Cheat Sheet", "TheStreet", "MarketPlayground", e "Forbes", além do Seeking Alpha.

    Jim McCaughan, presidente-executivo da Principal Global Investors, companhia de gestão de patrimônio que tem US$ 41,1 bilhões sob sua administração, comentou as constatações da SEC, dizendo: "A situação me lembrou o filme 'O Lobo de Wall Street', mas atualizado para a era digital. Temos uma versão digital mais sofisticada das antigas tramoias envolvendo ações de preço baixíssimos, nas quais companhias inexistentes eram promovidas por meio de notícias falsas".

    A SEC apresentou acusações de fraude contra três companhias de capital aberto, sete empresas de comunicações, dois presidentes-executivos e nove jornalistas, por seu envolvimento no que ela caracterizou como "sofisticado esquema de promoção de ações".

    Dezessete dos acusados já aceitaram acordos sob os quais pagarão indenizações ou multas em valores que variam de US$ 2.200 a US$ 3 milhões.

    A SEC manteve seus processos contra 10 outras pessoas envolvidas nessa nova tentativa de manipular preços de ações por meio da disseminação das chamadas notícias falsas.

    A frase, popularizada pelo presidente norte-americano Donald Trump em sua campanha eleitoral no ano passado, é referência a artigos que deliberadamente iludem os leitores com o objetivo de promover uma causa, por exemplo a difamação de um candidato a cargo eleitoral.

    As autoridades regulatórias estão cada vez mais preocupadas com o possível efeito das notícias falsas sobre as decisões de investimento.

    A escala do mais recente escândalo levou a SEC a divulgar novos alertas quanto à possibilidade de que comentários aparentemente independentes postados em sites de pesquisa sobre investimentos sejam na verdade parte de uma campanha paga de promoção de ações.

    "Tenha em mente que os fraudadores podem gerar artigos promovendo as ações de uma empresa com o objetivo de elevar seu preço e lucrar à custa do investidor", a SEC afirmou.

    Andrew Clare, professor de gestão de ativos na Cass Business School, em Londres, diz que as notícias falsas podem distorcer a alocação eficiente de capital no mercado de ações, ao atrair investidores desatentos a empresas fraudulentas.

    "Essas reportagens terminam resultando em prejuízos para os investidores, quando a verdade é descoberta", diz o professor Clare. "Isso ilustra a importância das investigações detalhadas que administradores de fundos e outros investidores devem conduzir para se protegerem contra a promoção indevida de ações por terceiros. As autoridades regulatórias também precisam garantir que as fontes diretas e indiretas dessas reportagens fiquem claras".

    McCaughan acrescenta que o crescimento das notícias falsas é uma questão que pode afetar os investidores de varejo e também os administradores profissionais de investimento, especialmente aqueles que dependam de sistemas computadorizados para suas decisões estratégicas.

    "As notícias falsas podem ser um problema para os administradores quantitativos. Os fundos quantitativos usam cada vez mais os sistemas big data e complexas fontes novas de dados, e terão de estar cientes das distorções que as notícias falsas podem introduzir", ele disse.

    A investigação da SEC tinha por foco uma empresa de promoção de ações chamada Lindingo, controlada e operada por Kamilla Bjorlin, uma atriz que usa o pseudônimo de Milla Bjorn em seu trabalho nas telas. Ela trabalhou em "Misconduct", filme estrelado por Al Pacino e Anthony Hopkins que foi lançado em 2016.

    A Lindingo supostamente orquestrou a publicação de mais de 400 artigos em sites de investimento, sobre 11 empresas cotadas em bolsa, e recebeu pagamentos de pelo menos US$ 1 milhão em dinheiro e ações por seus serviços, de acordo com documentos fornecidos pela SEC a um tribunal de Nova York, em abril.

    A publicação de pelo menos 50 artigos sobre a ImmunoCellular Therapeutics foi paga pela Lindingo.

    Manish Singh, presidente-executivo da ImmunoCellular Therapeutics entre 2008 e agosto de 2012, teria instruído a Lindingo a dizer aos jornalistas que não revelassem que estavam sendo pagos para escrever sobre ações específicas.

    Um dos e-mails de Singh à Lindingo em maio de 2012 admitia que revelar a publicação de matérias pagas seria "um sinal vermelho para os investidores", de acordo com documentos encaminhados ao tribunal pela SEC.

    Jan Dwarshuis, vice-presidente de investimento da Thirteen Asset Management, uma administradora suíça de fundos, diz que as ações de biotecnologia são especialmente vulneráveis a manipulação online, porque em muitos casos é difícil avaliar que grau de sucesso os produtos dessas empresas terão.

    "As notícias falsas estão se tornando problema sério para os mercados financeiros", disse Dwarshuis, que ao longo dos últimos dez anos estabeleceu uma divisão interna de notícias em sua empresa, com mais de 1,5 mil fontes, a fim de obter informações mais confiáveis.

    "Agora tenho a capacidade de filtrar notícias e determinar a verdadeira identidade das fontes de informação. Mesmo assim, me sinto cada vez mais vulnerável às notícias falsas", ele diz, acrescentando que fiscalização mais severa sobre a mídia seria necessária para enfrentar o problema.

    Escritórios de advocacia cuja especialidade são ações judiciais coletivas estão de olho em empresas que desfrutaram de altas acentuadas nos preços de suas ações depois que pagaram pela publicação de conteúdo lisonjeiro a seu respeito por sites financeiros. Mas a despeito da pressão judicial e regulatória, é pouco provável que o problema venha a ser resolvido em curto prazo, de acordo com Lars Hamberg, antigo administrador de fundos de investimentos que agora comanda a Gavagai, uma empresa sueca de tecnologia que se especializa em sistemas de análise de texto.

    Ele diz que criminosos e agentes patrocinados por governos estão usando métodos inovadores onde quer que possam, para ganhar dinheiro ou influenciar as pessoas de maneiras altamente sofisticadas.

    Ele diz que sua empresa é capaz de detectar notícias falsas ao analisar a maneira pela qual informações são compartilhadas na Internet. Mas essas questões vão além do mercado dos Estados Unidos. "As notícias falsas são problema em toda parte", ele disse.

    Administradores de fundos em todo o mundo estão intensificando seus esforços para escapar às informações falsas difundidas online.

    Nicolas Roth, que comanda a área de ativos alternativos no Reyl, um banco privado em Genebra, diz que diversos administradores de investimentos desenvolveram novos sistemas de avaliações de notícias, diretamente integrados a programas de transações automatizadas, Esses programas podem ter impacto significativo sobre o preço das ações de uma empresa, mas existe a possibilidade de que sejam manipulados ou explorados por operadores ou outros interessados em disseminar informações falsas.

    "Não é impensável que um dia vejamos um grande evento de mercado causado por notícias falsas", diz Roth.

    "Os investidores precisam reconhecer que, se um possível atalho parece óbvio, então é provavelmente insensato segui-lo. Em última análise, análises rigorosas e investigações aprofundadas são necessárias, quer para investimentos, quer para avaliar as notícias", ele acrescentou.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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