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    Cifras & Letras

    Crítica

    Em livro ambicioso, sociólogo analisa incertezas do futuro

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    27/05/2017 02h00

    Angelo Carconi/Associated Press
    Ativistas da Oxfam fantasiados de líderes do G7 cobram avanços contra o aquecimento global em Taormina, Sicília, Itália
    Ativistas da Oxfam fantasiados de líderes do G7 cobram avanços contra o aquecimento global em Taormina, Sicília, Itália

    Falta de ambição claramente não é o problema de "A Era do Imprevisto: A Grande Transição do Século 21", novo livro do sociólogo mineiro Sérgio Abranches, 67.

    Se o leitor, como imagino, já se perguntou que diabos está acontecendo com o mundo nos últimos anos e o que pode vir daqui para a frente, a obra do especialista tenta formular algumas respostas –imaginativas, provisórias e diabolicamente complicadas.

    Tal complicação deriva, em grande parte, do programa ambicioso proposto por Abranches. Ele tem se especializado na interface entre política global e questões ambientais, uma conexão que, por si só, já seria suficiente para produzir calvície e gastrite espíritos mais serenos.

    Esse eixo político-ambiental está no cerne do livro, mas o sociólogo também tenta investigar como a ascensão das redes sociais pode afetar a organização da sociedade do futuro; como o conhecimento emergente (biotecnologia, nanotecnologia, inteligência artificial) pode transformar a vida humana neste século; e o que a tradição filosófica ocidental e as descobertas da biologia evolucionista têm a dizer sobre nossa natureza e nosso futuro como espécie.

    Para Abranches, a sede de ir ao cerne de todas essas questões existenciais se justifica pelo próprio subtítulo do livro: estaríamos vivendo "a grande transição do século 21", um ponto de virada tão importante, à sua maneira, quanto o Renascimento do século 16 ou a Revolução Industrial do século 18.

    Num cenário fulcral como esse, nada mais lógico que tudo pareça bagunçado e em crise permanente. Estruturas políticas, sociais, econômicas e culturais velhas ainda estão se encaminhando lentamente
    para o leito de morte, enquanto suas substitutas passam por um parto difícil. Resultado: sensação perpétua de caos e desalento, ainda que o momento também esteja repleto de potencialidades positivas.

    Conscientemente ou não, a estrutura do livro e o estilo adotado por Abranches espelham esse retrato de crise histórica: ideias importantes são abordadas reiteradamente, nem sempre ganhando em clareza
    na segunda ou terceira tentativas, e o autor é mais assertivo no diagnóstico dos problemas do presente do que na futurologia (no que, aliás, faz bem).

    CLIMA E DEMOCRACIA

    Correndo o risco de simplificar brutalmente uma argumentação multifacetada, pode-se dizer que Abranches enxerga um futuro próximo no qual a humanidade precisará enfrentar seu maior desafio coletivo –o
    avanço das mudanças climáticas e o imperativo de agir para minimizá-las– num contexto (o da democracia "tradicional") no qual a ação coletiva é cada vez mais difícil.

    Entender a natureza das sociedades democráticas e como reformá-las é, aliás, o coração do livro.

    Para Abranches, está claro que a falta de controle sobre o capitalismo tem solapado o funcionamento das democracias. "As leis de mercado são hoje um eufemismo que designa a combinação entre
    controle oligopolista crescentemente globalizado, regulação estatal e hegemonia do capital financeiro", resume.

    Nesse cenário, tanto a competição econômica "livre" quanto a participação política popular viram, na melhor das hipóteses, ficções caridosas. Poucos decidem os destinos de bilhões.

    A Era Do Imprevisto - A Grande Transição Do Século XXI
    Sérgio Abranches
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    O mais preocupante, adverte ele, é que a dinâmica política e econômica acaba buscando conservar esse estado de coisas, garantindo subsídios, por exemplo, para setores "velhos" da economia –os
    gigantes do petróleo e do carvão, por exemplo–, justamente os que mais têm a perder com uma transição para um modelo energético limpo.

    Onde ver esperança? Para Abranches, será crucial usar as possibilidades do ciberespaço para criar um modelo de participação política mais direto, evitando que a democracia representativa se transforme de
    vez em oligarquia. Resta saber como fazer isso sem que as redes sociais se transformem numa reunião de condomínio improdutiva de dimensões planetárias.

    A ERA DO IMPREVISTO
    QUANTO: R$ 59,90 (432 PÁGS.)
    AUTOR: SÉRGIO ABRANCHES
    EDITORA: COMPANHIA DAS LETRAS

    Edição impressa
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