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    Botamos dinheiro no negócio, e não no Joesley, diz ex-executivo do BNDES

    MARIANA CARNEIRO
    RENATA AGOSTINI
    ENVIADAS ESPECIAIS AO RIO

    28/05/2017 02h00

    Eduardo Anizelli/Folhapress
    Frigorífico da JBS em Redenção, no Pará
    Frigorífico da JBS em Redenção, no Pará

    O ano era 2005, e a família do empresário Joesley Batista pretendia elevar a empresa, então apenas Friboi, à categoria de multinacional. Bateu às portas do BNDES atrás de sociedade. Nada feito.

    "Antes de comprar a Swift na Argentina, eles foram falar comigo. Eu disse: 'Amigo, esquece. Não tem a menor condição. Volta'."

    José Cláudio Rego Aranha, 69, foi superintendente do departamento de mercado de capitais do BNDES, onde trabalhou por 27 anos. Ele conta que os balanços do frigorífico não eram bons, "sem falar no financeiro".

    A opção apresentada à empresa, parte do setor alçado ao status de estratégico no governo Luiz Inácio Lula da Silva, foi o financiamento.

    DELAÇÃO EXPLOSIVA
    Delação dos irmãos Batista, da JBS, deflagrou crise no governo Temer

    Dois anos depois, após uma segunda tentativa frustrada de sociedade, a já JBS conseguiu o primeiro investimento direto do banco, de R$ 1,1 bilhão. O dinheiro foi usado para comprar a americana Swift. O caso está sob investigação no Tribunal de Contas da União, que apura se houve dano ao setor público.

    Aranha conta que a demanda da família Batista gerou receio nos técnicos do banco, que optaram por fazer uma avaliação interna rigorosa antes de liberar a verba.

    Dez anos após a operação, a primeira grande com a JBS e que catapultou a empresa à liderança do mercado global de carnes, ele afirma que foi um bom negócio. A Swift passou do negativo a um fluxo de caixa recorde antes de um ano após a compra.

    "As pessoas acham que somos idiotas, fechamos os olhos e botamos dinheiro no Joesley. Não botamos dinheiro no Joesley, botamos no negócio. O que importa é que a empresa sobreviva e tenha bons resultados. Se a família A,B,C vai ficar ou não, não é meu problema. O negócio é que tem que ser bom."

    Aranha descreve longas etapas de checagem até a liberação de recursos no banco e diz acreditar que não é passível de corrupção.

    Logo após a operação, ele foi indicado pelo BNDES representante do banco no conselho de administração da JBS. O BNDES se tornara sócio da empresa, com 13% dela. A Polícia Federal investiga se, em troca, Aranha não atuou em favor do frigorífico.

    A acusação esbarra no argumento do ex-executivo: "Os conselheiros do BNDES são empregados do banco e na primeira reunião de administração abrem mão da remuneração do conselho".

    A burocracia, diz ele, blinda o corpo técnico e, consequentemente, o BNDES. As regras do banco estatal determinam que um pedido de empréstimo ou de investimento passe por ao menos 50 pessoas até ser aprovado.

    "Se alguém disser que garante que o dinheiro vai sair, pode mandar prender. Não há autonomia. Por causa dos comitês, em que as decisões são dos colegiados, em que tudo que você falou pode ser trocado [não é possível garantir]", diz. "Você não consegue com um cara. Nem se o presidente do banco fizesse."

    Joesley disse, em sua delação, que pagou propina ao ex-ministro Guido Mantega para acelerar liberações do banco. Não apontou, porém, como funcionaria a engrenagem. Mantega nega a acusação, o BNDES, também.

    Aranha diz que a operação com a Swift foi fechada em "40, 45 dias", o que, segundo ele, não destoa de um prazo para casos semelhantes.

    Quando a segunda grande operação da JBS no BNDES foi aprovada, em 2008, ele diz que já havia se aposentado.

    O ex-executivo, que evita falar de política, diz que nunca recebeu pressão. Ele responde judicialmente às acusações. Sobre a possível retirada do banco estatal da empresa hoje, ele sugere cautela.

    "Agora não, vai realizar prejuízo. Não acredito que [a JBS] quebre (...) Na pior das hipóteses, trocam-se os executivos e a empresa volta a funcionar."

    O CAMINHO DO DINHEIRO - Os trâmites dentro do BNDES do pedido à liberação dos recursos

    Empréstimos e investimentos concedidos pelo BNDES ao frigorífico JBS

    2005
    BNDES empresta US$ 80 milhões (R$ 187 milhões a preços da época) para a então Friboi comprar a Swift na Argentina. O valor representou 40% da operação, avaliada em US$ 200 milhões. Foi o primeiro empréstimo da linha destinada à internacionalização de empresas brasileiras

    2007
    Já com o nome de JBS, frigorífico obtém R$ 1,1 bilhão do banco, que vira sócio da empresa. Dinheiro é usado por frigorífico para comprar a americana Swift e representou 60% da operação (R$ 1,85 bilhão)

    2008
    BNDES injeta R$ 997 milhões no fundo Prot (formado também pelos fundos de pensão Petros e Funcef), que patrocina tentativa de compra das americanas National Beef e Smithfield. Operação de US$ 1,5 bilhão é invalidada por autoridade de defesa da concorrência dos EUA. Com os recursos, JBS compra australiana Tasman

    2009
    JBS toma empréstimo de US$ 2 bilhões (R$ 3,5 bilhões) e compra a americana Pilgrim's e o brasileiro Bertin. Em troca, firma compromisso de entre- gar ações da JBS EUA, com a abertura de capital no mercado americano. A operação financeira não se concretiza

    Segundo a assessoria do BNDES, os aportes somaram R$ 8,1 bilhões, e, desde então, R$ 2,2 bilhões foram desinvestidos. Outros R$ 3,793 bilhões foram injetados por meio de empréstimos, praticamente todos pagos, segundo o banco

    *Operações sob investigação no TCU. A operação da PF Bullish investiga os aportes em 2008 e 2009

    Fonte: BNDES

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