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    É prematuro concluir que recessão acabou, afirmam economistas

    ÉRICA FRAGA
    FLAVIA LIMA
    DE SÃO PAULO

    11/06/2017 02h00

    O Brasil saiu ou não da recessão profunda iniciada há três anos? Essa dúvida está para a economia assim como a incerteza sobre a continuidade do governo Michel Temer está para a política nacional.

    Ela foi alimentada pela divulgação recente de dados que mostraram que o PIB (Produto Interno Bruto) cresceu 1% no primeiro trimestre em relação ao último de 2016, interrompendo uma sequência de oito quedas consecutivas.

    Na opinião dos sete integrantes do Codace (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos), grupo formado pela FGV (Fundação Getulio Vargas) que se dedica a marcar o início e o fim de períodos de expansão e queda da atividade no Brasil, é prematuro concluir que a recessão acabou.

    Essa não é uma posição oficial do comitê, que só se manifesta por meio de comunicados por escrito e é formado pelos economistas Affonso Celso Pastore, Edmar Bacha, João Victor Issler, Marcelle Chauvet, Marco Bonomo, Paulo Picchetti e Regis Bonelli.

    Mas a Folha entrevistou individualmente todos os membros do grupo, que afirmaram compartilhar dessa opinião.

    Para eles, a recessão pode até ter chegado ao fim no último trimestre de 2016, mas ainda não há indicadores suficientes para concluir isso.

    "Não posso falar pelo Codace. Mas nada do que observamos até agora nos dados justifica já datarmos o fim da recessão", afirmou Bonelli.

    Existem, no entanto, diferenças de percepção entre os integrantes do comitê sobre a relevância do resultado do PIB do primeiro trimestre e os indícios de retomada.

    Pastore, sócio da consultoria AC Pastore, menciona que, se não fosse pelo bom resultado do setor agrícola, o PIB teria subido apenas 0,2%.

    "Não temos muito o que comemorar. A economia não está mais afundando na velocidade e na intensidade de 2015 e 2016, mas ainda não está em recuperação", disse.

    Bacha, um dos formuladores do Plano Real, afirmou que "todos os brasileiros devem comemorar" o resultado positivo depois de oito trimestres consecutivos de queda.

    Há diferentes interpretações em relação à disseminação dos indicadores que podem apontar uma retomada.

    Para Marcelle Chauvet, a única mulher do time, existem "sinais de que vários setores estão se recuperando". Já Picchetti ainda vê a recuperação "muito focada no agronegócio", assim como Pastore.

    Folhapress
    EM EXPANSÃO OU EM RECESSÃO? Economia brasileira teve sete ciclos de contração desde 1981

    Essas diferenças de interpretação são normais no trabalho do comitê e ajudam a explicar por que o processo de datação de cada ciclo econômico é demorado. O Codace só anuncia a cronologia de uma recessão quando há consenso entre seus membros.

    "O objetivo não é fazer um trabalho polêmico, mas sistemático", diz Bonomo. "Quando estamos divididos, sabemos que não dá para datar."

    Vários integrantes do grupo pontuaram que o objetivo do comitê não é fazer prognósticos, mas determinar com o máximo de precisão quando a economia atinge o que chamam de picos (o fim de uma expansão) e vales
    (o término de uma recessão).

    O segundo trimestre de 2014, por exemplo, só foi datado como início do atual ciclo recessivo em agosto de 2015. O grupo chegou a se reunir no fim de 2014, mas não agiu porque os sinais ainda eram confusos. A economia já se retraía, mas o mercado de trabalho seguia robusto.

    Esse diagnóstico, feito pelo retrovisor, explicam, é útil para a sociedade como um todo, os economistas e os formuladores de políticas públicas.

    "Aprende-se muito com o trabalho de autópsia em medicina. O que fazemos é semelhante a isso", disse Issler.

    MÉTODO

    O conceito de que dois trimestres consecutivos de queda do PIB bastam para definir uma recessão tornou-se uma noção popular, mas comitês como o Codace procuram analisar movimentos mais amplos da atividade econômica.

    "Dois trimestres consecutivos de queda viraram uma regra de bolso para definir recessões, mas nem sempre é assim", diz Paulo Picchetti.

    Embora seja indicador importante, o PIB é só uma das variáveis analisadas no processo de datação de ciclos. "É preciso levar em consideração o mercado de trabalho, que o PIB não inclui, e variáveis de maior frequência", afirma Marcelle Chauvet.

    A economista, que ajudou a implementar o comitê de datação da Turquia, ressalta que o PIB tem altos e baixos. Logo, mesmo durante uma expansão, pode haver trimestres em que o PIB seja negativo, sem que isso caracterize uma recessão, diz Chauvet.

    A criação do Codace foi anunciada em 2004, mas os primeiros comunicados do grupo –que não tem ligação nem com o governo nem com empresas– foram divulgados apenas em 2009. Eles se tornaram referência para pesquisadores e economistas.

    João Victor Issler foi um dos idealizadores do projeto. Ele sugeriu ao Ibre, instituto ligado à FGV (Fundação Getulio Vargas) que formasse um comitê inspirado no americano NBER (National Bureau of Economic Research).

    Segundo Chauvet, o trabalho inicial foi intenso porque o grupo tinha como objetivo estabelecer a cronologia dos ciclos econômicos desde o início da década de 1980.

    "Tivemos de coletar muitos dados e reconstruir as séries históricas", diz. Depois veio a fase de interpretar os números, mais complexa do que a análise da variação do PIB.

    PADRÃO

    Ainda que os comunicados do Codace não apresentem análises das causas das recessões, ao datá-las eles permitem que fique claro o padrão de duração e a profundidade de cada ciclo de contração, o que ajuda a entender melhor a natureza de cada período.

    Uma recessão curta pode ser provocada, por exemplo, por um choque externo. Foi o que ocorreu entre o quarto trimestre de 2008 e o primeiro de 2009, quando o Brasil foi atingido pela crise financeira internacional.

    Já ciclos recessivos mais longos normalmente são causados -ou acentuados- por fatores domésticos. Uma peculiaridade da crise atual é que a economia entrou em recessão com empresas e consumidores muito endividados. O processo lento de quitação de dívidas tem contribuído para adiar decisões de consumo e de investimento.

    "A atual recessão, assim como a dos países desenvolvidos iniciada em 2008, está nos ensinando que, quando isso [o endividamento elevado] ocorre, a saída é bem mais lenta", afirma Marco Bonomo.

    A crise política é outro foco importante de apreensão para os economistas do grupo. "Acho que nunca vivemos tanta incerteza política, o que ajuda a postergar consumo e investimentos", diz Issler.

    TAMANHO

    Se o comitê acabar definindo que a atual recessão terminou no fim de 2016, ela terá empatado com o ciclo que se estendeu do fim de 1989 ao início de 1992 em termos de duração: 11 trimestres.

    Mas, segundo os integrantes do Codace, é possível que a expansão do primeiro trimestre não tenha marcado o fim do atual ciclo recessivo.

    Os dados do segundo trimestre deste ano indicam uma nova contração da atividade econômica no período, o que poderá transformar a atual recessão na mais longa já datada pelo comitê.

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