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    Governo quer balcão único para negociar acordos de leniência

    JULIO WIZIACK
    REYNALDO TUROLLO JR.
    DE BRASÍLIA

    30/07/2017 02h00

    Janine Costa/REUTERS
    Odebrecht fez acordo e aceitou pagar multas e reparações
    Odebrecht fez acordo e aceitou pagar multas e reparações

    Órgãos de controle do governo federal se articulam para criar um balcão único para negociação de acordos de leniência com empresas sob suspeita, numa tentativa de pôr fim a conflitos de competência que desestimulam as empresas a colaborar com investigações como as conduzidas pela Operação Lava Jato.

    Acordos de leniência são como delações feitas por empresas, em geral depois que seus executivos fecham acordos para colaborar com investigações em troca da promessa de redução de suas penas.

    Para as empresas, o principal benefício alcançado com os acordos é a possibilidade de voltar a contratar com o poder público e receber crédito de bancos oficiais.

    Já fazem parte do balcão único o Ministério da Transparência e Corregedoria-Geral da União, a Advocacia-Geral da União (AGU) e o TCU (Tribunal de Contas da União).

    Devem entrar no grupo em agosto o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), o Banco Central e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), assim que o Congresso aprovar as normas para acordos de leniência com instituições financeiras.

    O modelo proposto pelo governo deve ser alterado para garantir a participação do Ministério Público Federal e do Cade nesses casos também.

    A entrada do Ministério Público depende de garantias de que haverá compartilhamento de informações sigilosas, segundo os procuradores da força-tarefa da Lava Jato.

    Para eles, em casos que envolvem políticos e funcionários de outros Poderes, muitas vezes é difícil afastar interesses políticos da negociação dos acordos de leniência.

    No passado, um projeto de lei que propunha coordenação entre os vários órgãos não prosperou. Desta vez, os envolvidos acham que as chances de acordo são maiores porque várias frentes de investigação da Lava Jato parecem perto da consolidação.

    PÉRIPLO

    Muitas empresas se sentem inseguras em fechar acordos dessa natureza porque, dependendo das infrações cometidas, precisam negociar em mais de um guichê. "Qualquer um dos órgãos pode inviabilizar um acordo firmado pelo outro por suas competências constitucionais legais", diz o ministro da Transparência, Wagner Rosário.

    Uma empresa participante de cartel poderá procurar o Cade para uma leniência. No entanto, se também fraudou licitações superfaturando preços, poderá sofrer sanções da Transparência e do TCU.

    Pegas na Lava Jato, as empreiteiras Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez fizeram acordos de leniência com os procuradores e aceitaram pagar cerca de R$ 5,5 bilhões em multas e reparações, segundo as empresas.

    No entanto, em março deste ano foram condenadas pelo TCU com outras empresas por fraude à licitação e superfaturamento na construção da usina de Angra 3, no Rio.

    Por determinação do TCU, terão de renegociar seus acordos com o Ministério Público para incluir cláusulas prevendo o pagamento integral de danos causados e a entrega de provas para ajudar auditorias do tribunal. Caso contrário, poderão ser declaradas inidôneas, o que, na prática, invalidaria a leniência.

    Diferentemente das três construtoras, a UTC, que também participou de Angra 3, foi declarada inidônea pelo TCU porque não tinha fechado a leniência. A situação embolou em julho, quando a empreiteira assinou um acordo com a Transparência e a AGU. Agora falta o TCU analisá-lo.

    DESCONFIANÇA

    As negociações não tiram das instituições suas competências legais para declarar as empresas inidôneas com base em diferentes leis -que divergem até na vigência da punição-, mas a ideia é que haja um acordo de cavalheiros para que eventuais decisões não sejam invalidadas. "A atuação conjunta é a solução para isso, o balcão único", disse o ministro Rosário.

    Para o ministro do TCU Augusto Nardes, um dos representantes do tribunal nas conversas com o governo, a crise econômica reforça a necessidade da cooperação. "Com o desemprego, precisamos garantir que essas empresas sobrevivam", afirmou.

    A ministra da AGU, Grace Mendonça, disse considerar que a leniência é uma política de Estado e, por isso, "não deve valer a premissa da desconfiança". "As instituições são colegiadas", afirmou.

    "A atuação coordenada das diferentes instituições trará maior segurança jurídica para os acordos de leniência", disse Alexandre Barreto, presidente do Cade.

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    Cartas na mesa

    As opções para empresas e criminosos que aceitam colaborar com as autoridades

    LENIÊNCIA 1

    Tipo de acordo
    Para casos de corrupção

    Quem pode ser beneficiado
    Somente empresas

    As leis
    Lei Anticorrupção, Lei 12.846/2013

    Quem pode negociar
    Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União

    O que o colaborador precisa entregar
    Provas de corrupção e identificação de outros envolvidos

    Requisitos
    A empresa precisa ser a primeira a denunciar, cessar a infração e cooperar plenamente

    Benefícios
    Área civil: a empresa pode participar de licitações, contratar com o setor público, receber subsídios e empréstimos, mas deve reparar danos

    Exemplo de quem já fechou
    UTC

    Valor da multa
    R$ 585 milhões*

    *

    LENIÊNCIA 2

    Tipo de acordo
    Para casos de cartel e crimes contra a ordem econômica

    Quem pode ser beneficiado
    Pessoas físicas e empresas

    As leis
    Lei do Cade, Lei 12.529/2011

    Quem pode negociar
    Superintendência Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica

    O que o colaborador precisa entregar
    Provas da infração e identificação de outros envolvidos

    Requisitos
    A empresa precisa ser a primeira a denunciar, cessar a infração e cooperar plenamente

    Benefícios
    Área civil: redução de multas ou extinção da punição, mas infrator pode ser processado por vítimas do cartel para indenizá-las
    Área criminal: isenção de punição por crimes contra a ordem econômica, crimes previstos na lei de licitações e associação criminosa

    Exemplo de quem já fechou
    Camargo Corrêa

    Valor da multa
    R$ 104 milhões (caso de montagem de estrutura de óleo e gás para a Petrobras)

    *

    DELAÇÃO PREMIADA

    Tipo de acordo
    Para crimes de organização criminosa

    Quem pode ser beneficiado
    Somente pessoas físicas

    As leis
    Lei da Organização Criminosa, Lei 12.850/2013

    Quem pode negociar
    Ministério Público e polícia

    O que o colaborador precisa entregar
    Outros envolvidos, funcionamento da organização criminosa, recuperação dos desvios

    Requisitos
    Agir voluntariamente e prestar ajuda para desbaratar o esquema; não tê-lo chefiado

    Benefícios
    Área criminal: pena reduzida ou substituída por penas alternativas, pode receber perdão judicial e não ser denunciado à Justiça

    Exemplo de quem já fechou
    Joesley e Wesley Batista, da JBS

    Valor da multa
    R$ 110 milhões cada um

    * Inclui reparação de danos causados ao erário

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