• Mercado

    Saturday, 27-Apr-2024 13:45:45 -03

    Crítica

    Livro só arranha a superfície ao tratar de deslizes da Uber

    FILIPE OLIVEIRA
    DE SÃO PAULO

    05/08/2017 02h00

    Richard Perry/The New York Times
    Travis Kalanick, ex-presidente-executivo da Uber e personagem principal de 'Wild Ride
    Travis Kalanick, ex-presidente-executivo da Uber e personagem principal de 'Wild Ride'

    Quando o jornalista Adam Lashinsky contou a Travis Kalanick, ex-presidente-executivo da Uber, que iria escrever um livro sobre sua empresa, em 2014, foi desestimulado.

    "Vou pedir a meus colegas que não cooperem com você e, se for insistente, vou encontrar outro escritor e dar a ele total acesso a nós para que compita com seu livro", escreveu Kalanick por e-mail.

    O episódio, narrado no início da tal obra, "Wild Ride" (carona selvagem, em tradução livre), parece indicar um livro promissor, que revelará de modo intenso o executivo de temperamento bélico que construiu uma das empresas mais valiosas do mundo em menos de uma década.

    Mas, ao final do livro, a sensação é que ele proporciona um passeio agradável, mas pouco parecido com a aventura prometida.

    Em 2016, a Uber já deixara havia algum tempo de ser vista como apenas a empresa que revolucionava o mercado de transporte para ser conhecida também por suas polêmicas. A transformação favoreceu a mudança de opinião do empresário, que acabou topando colaborar com o livro.

    O ponto forte de "Wild Ride" está em mostrar o início modesto da carreira de Kalanick, revelando seus trabalhos antes de ser empreendedor (deu aulas de inglês para estrangeiros, fez entrevistas por telefone e vendeu facas na juventude, por exemplo).

    O jornalista também revela a história de suas primeiras empresas. A Scour, formada por colegas de universidade, oferecia serviço semelhante ao Napster, permitindo a usuários compartilhar músicas digitalmente (e de graça) pela internet.

    Como sua rival famosa, enfrentou a ira da indústria da música nos tribunais. Só resistiu ao golpe por meses.

    Kalanick obteve o primeiro sucesso com sua segunda empresa, Red Swoosh, que adotava tecnologia semelhante à da anterior. A diferença é que, em vez de atender ouvintes de música, oferecia seu serviço de compartilhamento para uso de gravadoras, justamente elas que quebraram seu negócio anterior.

    Lashinsky nos conta que, entre 2001 e 2005, a empresa eram, na verdade, Kalanick e mais um engenheiro, dois clientes, um caixa esvaziado e a esperança de dar certo assim que o próximo acordo fosse finalmente fechado.

    Em 2007, com melhores perspectivas, a start-up foi vendida por US$ 18,7 milhões.

    Outra contribuição do livro é relativizar o mito da criação da Uber, que, reza a lenda, teria surgido de modo quase mágico em uma noite de 2008 em Paris, quando Kalanick e outro fundador da empresa, Garrett Camp, tentavam, sem sucesso, conseguir um táxi. durante uma nevasca.

    Apesar de a história ter ocorrido, a importância dada a ela é exagerada, aponta o jornalista. Na verdade, Camp já vinha trabalhando na ideia havia alguns meses, porém ela era apenas uma entre outras que tentava desenvolver.

    Foram necessários quase dois anos para que Kalanick se convencesse de que se dedicar à Uber era a melhor opção disponível. Apenas em 2010 ele se tornou presidente-executivo da companhia –o primeiro presidente foi recrutado em um post no Twitter.

    E, até 2013, a companhia adotava apenas carros de luxo dirigidos por motoristas profissionais. A inclusão dos amadores veio apenas em 2013, quando a Uber perdia mercado para ssua rival Lyft. O curioso, Kalanick receava a mudança por medo de estar violando alguma legislação.

    DESLIZES

    O livro vai bem como história de empreendedorismo, descrevendo os primeiros dias da Uber como negócio, suas estratégias para vencer regulações com apoio de motoristas, passageiros e lobby e para crescer globalmente.

    A questão é, dada a quantidade de problemas que a Uber acumulou e levaram à renúncia de Kalanick, em junho, uma análise mais profunda do padrão de comportamento dele e da cultura da empresa faz falta.

    Lashinsky descreve a mudança de humor da imprensa e dos consumidores em relação à Uber ao longo do tempo, porém mais como bom leitor de jornal do que biógrafo da empresa. Faltam investigação e análise que permitam refletir sobre as chances de regeneração da companhia.

    Há frequentes, porém breves, menções a derrapadas de diversos tipos, Acusações de assédio sexual na empresa, agressividade exagerada com concorrentes, monitoramento de pessoas e o chilique de Kalanick quando questionado por motorista sobre redução de tarifas, por exemplo.

    Mas quem se dispõe a ler um livro como "Wild Ride" provavelmente sabe de tudo isso e espera algo mais.

    Wild Ride
    QUANTO: R$ 29,50 (235 PÁGS.)
    AUTOR: ADAM LASHINSKY
    EDITORA: PORTFOLIO

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024