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    Batalha ideológica nos EUA chega às gigantes do Vale do Silício

    ISABEL FLECK
    DE WASHINGTON

    11/08/2017 02h00

    Dado Ruvic/Reuters
    Demissão de funcionário do Google acusado de machismo movimenta direita conservadora
    Demissão de funcionário do Google acusado de machismo movimenta direita conservadora

    Um memorando de dez páginas que levou à demissão de um engenheiro do Google nesta semana expôs como a batalha ideológica que já domina a política e as universidades americanas chegou agora às empresas do Vale do Silício.

    O funcionário James Damore perdeu o emprego depois que escreveu um texto questionando o que ele chama de "tendência esquerdista" do Google, enviou para um grupo de colegas e o documento acabou se espalhando pela empresa, vazando também para a imprensa.

    Nele, Damore, que tinha discordado das políticas de diversidade discutidas durante uma reunião interna, diz que é preciso "parar de assumir que as diferenças de gênero [na representação no trabalho] são consequência de sexismo".

    O texto causou barulho na imprensa americana e o diretor-executivo do Google, Sundar Pichai, disse que o funcionário foi demitido porque o memorando que ele escreveu "viola o código de conduta" da empresa e "vai longe demais ao fazer avançar estereótipos nocivos de gênero" no local de trabalho.

    Nesta quinta (10), Pichai cancelou um encontro com os funcionários que tinha sido marcado para discutir o tema. Segundo o diretor-executivo, muitos 'Googlers' escreveram para ele "preocupados com a sua segurança e que eles poderiam ser 'expostos' publicamente por fazer uma pergunta".

    "Em reconhecimento a essas preocupações, vamos retroceder e criar uma melhor condição para termos essa discussão", disse Pichai em uma mensagem aos funcionários.

    Em entrevista depois de ser demitido, Damore afirmou que o Google discutia práticas "potencialmente ilegais para aumentar a diversidade", "privilegiando funcionários com base em gênero e raça".

    O engenheiro de software argumenta, no texto, que preferências e características inerentes a homens e mulheres podem explicar, em parte, por que não há representação igual entre os dois em postos de liderança e na área de tecnologia do Google.

    "As mulheres têm, em média, mais abertura a sentimentos e estética do que a idéias. As mulheres geralmente têm um interesse maior sobre pessoas do que sobre coisas, em comparação com os homens", escreveu Damore, citando pesquisas depois endossadas por especialistas como o professor Jordan Peterson, da Universidade de Toronto, que virou uma personalidade no Youtube com suas aulas e que foi o primeiro a entrevistar o engenheiro.

    A direita conservadora saiu em defesa de Damore, considerando que o Google foi intolerante com a diversidade ideológica e não respeitou a liberdade de expressão do funcionário. O fundador do WikiLeaks, Julian Assange, disse que "censura é para perdedores" e ofereceu emprego ao engenheiro de software.

    O especialista em Economia e Finanças do "think tank" conservador American Enterprise Institute Mark Perry destacou números do Departamento de Educação que mostram que a proporção de mulheres graduadas em ciência da computação em 2015 (18% do total) é semelhante à participação das mulheres nos empregos de tecnologia do Google (20%).

    Para Marie Hicks, especialista em história da tecnologia e autora do livro "Programmed Inequality" (Desigualdade Programada), no entanto, não só as pesquisas que Damore menciona são "altamente contestadas" como ele "ignora décadas de história em campo". "Ironicamente, muitos dos traços que ele identifica como de alguma forma prejudiciais à habilidade das mulheres de serem boas engenheiras de software são, na verdade, traços que todos os bons engenheiros de software possuem", diz, citando a capacidade de trabalhar com outras pessoas e de ser mais detalhista.

    Hicks ainda defende a decisão do Google ao lembrar que uma empresa não tem "as mesmas obrigações que o governo em assegurar o direito à liberdade de expressão".

    "Não é uma questão de tendência política, é uma questão de um funcionário que fez com que seu empregador parecesse extremamente ruim em público e sofreu as consequências disso", afirmou.

    A discussão sobre representação feminina no Google vêm um mês depois que mais de 20 mulheres que trabalham em start-ups de tecnologia narraram ao "New York Times" casos de assédio sexual que sofreram de investidores ou consultores. As empreendedoras criticaram a conivência para esse tipo de ação no Vale do Silício.

    CONFRONTO IDEOLÓGICO

    O caso do Google trouxe à tona outros episódios no setor de tecnologia em que o cerne do debate está no confronto ideológico.

    Ainda durante a campanha à Casa Branca, em agosto de 2016, o diretor-executivo do Netflix, Reed Hastings, que também preside o comitê que avalia os membros do conselho de diretores do Facebook, enviou um e-mail a um dos membros, o investidor Peter Thiel dizendo que ele receberia uma avaliação negativa por seu apoio ao então candidato Trump.

    "Estou tão confuso com o seu apoio ao Trump para presidente, que para mim, sua avaliação passará de 'diferente' para 'ruim'", disse Hastings no e-mail divulgado pelo "New York Times". "Alguma diversidade de visão é saudável, mas um julgamento catastrófico (na minha opinião) não é o que se quer de um membro do conselho", completou.

    Em outros casos, empresas deixaram de prestar serviços a grupos e indivíduos identificados com a chamada alt-right (direita alternativa), como o PayPal, e os sites de crowdfunding Patreon e GoFundMe, que baniram várias contas.

    Segundo o "New York Times", na última semana, o Airbnb descobriu que diversos escritores e ativistas ligados ao The Daily Stormer, um site que defende a supremacia branca, tinham reservado casas para participar de um evento em Charlottesville, na Virgínia, e que "estavam planejando fazer festas" nas casas alugadas.

    As reservas foram canceladas pelo Airbnb e as contas dos usuários deletadas. A justificativa é de que as reuniões que seriam feitas por eles violavam o "compromisso de comunidade" da empresa.

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