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    Situação externa favorável deixou o mercado bêbado, diz Celso Pastore

    RAQUEL LANDIM
    DE SÃO PAULO

    13/08/2017 02h00

    Zanone Fraissat/Folhapress
    Affonso Celso Pastore, durante entrevista
    Affonso Celso Pastore, durante entrevista

    O economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, afirma que o mercado não está punindo como deveria o governo Temer pelo descontrole fiscal.

    "O mercado está bêbado com uma situação internacional extremamente favorável", diz, ao explicar a queda do risco-país e do câmbio.

    Ele acredita que o presidente não tem força política para elevar impostos e fazer a reforma da Previdência, medidas essenciais para equilibrar a dívida pública.

    *

    Folha - O senhor está preocupado com a situação das contas públicas?
    Affonso Celso Pastore - A situação fiscal é grave. O crescimento da dívida pública é absolutamente insustentável em razão do aumento do gasto. A gestão Temer tomou a iniciativa de passar uma emenda constitucional congelando as despesas reais [descontada a inflação].

    Mas não congelou os gastos com a Previdência e ainda deu aumento para o funcionalismo. Esses, juntos, representam 80% dos gastos públicos. Portanto, a primeira restrição fiscal de Temer é cumprir o teto de gastos em 2018.

    O senhor vê riscos de que o teto de gastos seja descumprido?
    Cumprir o teto não é uma escolha. Está na Constituição. Se o congelamento de gastos não for mantido, a dinâmica da dívida pública explodirá.

    A dívida pública em proporção ao PIB já estava em 50% com Dilma, chegou a 75% quando Temer assumiu e está indo para 80%. É por isso que o governo precisa tanto da reforma da Previdência.

    Mas a primeira dúvida que surge para qualquer cidadão é como um governo que gasta boa parte do seu capital político só para se manter no poder vai conseguir apoio para isso [aprovar a reforma].

    O senhor ainda acredita na aprovação da reforma?
    Não vejo como. A idade mínima para a aposentadoria precisa de 308 votos na Câmara, que o governo não tem. Daí começam a falar em dar uma "arrumadinha". O problema é que uma idade mínima menor gera uma economia menor.

    Precisamos também de equalização dos benefícios pagos a funcionários públicos, militares etc. com o INSS. Temos de fazer uma reforma justa socialmente que caiba no Orçamento. Se o governo tivesse força política, é isso o que faria. Ele agora quer descobrir qual é o tamanho da sua força. Também não sei, mas a minha suspeita é que ela seja muito pequena.

    A expectativa é que o governo eleve a meta de deficit fiscal de 2017 e de 2018. Essa revisão é necessária?
    A meta fiscal é a segunda restrição que o governo enfrenta. Hoje, temos um deficit de 2% do PIB e precisamos de um superavit de cerca de 1,5% num cenário otimista para reduzir a dívida pública em relação ao PIB.

    Com a queda de arrecadação provocada pela crise, o governo disse que ia fechar o buraco com receitas não recorrentes, mas não conseguiu.

    A segunda fase de repatriação de capital não saiu. A Câmara transformou o Refis num projeto indecoroso que favorece os próprios deputados e precisa ser vetado.

    O governo também não foi capaz de aprovar a reoneração da folha de pagamento. Contava com a receita das concessões, mas não conseguiu fazer os projetos.

    Em resumo: a previsão de receita se frustrou não apenas por causa da recessão mas também porque não aprovaram as medidas extraordinárias propostas.

    Nesse cenário, o senhor acha que a revisão da meta fiscal é inevitável?
    Acho que o governo vai assumir que não consegue cumprir. O problema é que confiança se pode ter em qualquer número que seja apresentado.

    A equação atual só fecha com aumento de imposto e corte de gasto. Mas, do mesmo jeito que o governo não tem força para aprovar a reforma da Previdência, também não consegue subir imposto.

    Temer falou em elevar o Imposto de Renda, mas logo voltou atrás.
    Não vejo como fechar esse buraco sem aumento de imposto e sem corte de gastos. Vai ser preciso fazer as duas coisas.

    Elevar o Imposto de Renda prejudica muito as pessoas. Eles soltaram o balão de ensaio e enfrentaram uma enorme oposição. De onde vem essa oposição?

    Se o governo estivesse fazendo um ajuste fiscal bem-feito, se tivesse aprovado a reforma da Previdência, se estivesse visivelmente produzindo resultados, teria apoio.

    Não quero dizer que não há resultados positivos. A política monetária está indo bem: a inflação foi ancorada, e a taxa de juros vem caindo. Estou me referindo à batalha no campo fiscal.

    O risco Brasil está baixo, e o dólar recuou. Se a situação é tão ruim, por que o mercado não reage?
    Porque o mercado está bêbado com uma situação internacional extremamente favorável. Nunca tivemos no mundo uma liquidez tão alta e um grau de aversão a risco tão baixo.

    Não é o real que aprecia ou o CDS (risco-país) brasileiro que cai. São as moedas de todos os emergentes que estão se valorizando.

    Com os Estados Unidos subindo os juros menos que o esperado e com a Europa ainda injetando liquidez, os capitais migram para os países emergentes.

    O índice Vix, que mede aversão a risco, chegou a bater entre 60 e 80 pontos e hoje está abaixo de 10 —um mínimo histórico.

    O desempenho do câmbio não significa que o mercado não reconheça que existe um problema fiscal ou que acredite que o Temer tem força política para resolvê-lo.

    Os investidores sabem que existe um risco. Mas a alta demanda por ativos brasileiros mascara o problema e o mercado não pune o governo como deveria.

    Apesar do desarranjo das contas públicas, a economia está se recuperando. Por quê?
    O motor da recuperação é a queda da taxa de juros. O desajuste das contas ainda não provocou uma piora na inflação porque a economia está muito fraca.

    O BC cortou um ponto porcentual da taxa Selic e deve cortar mais. O consenso de mercado hoje é que os juros estejam em 7,5% no fim do ano, e acho que é por aí mesmo.

    Como a economia ainda não se recuperou, temos uma força desinflacionária muito forte. Os preços administrados [tarifas, como as de energia elétrica] tendem à estabilidade, enquanto os preços dos bens duráveis têm deflação.

    A economia está tomando uma rota de recuperação sem desequilíbrio inflacionário, mas isso não resiste a desequilíbrio fiscal permanente.

    No longo prazo, desajusta a política monetária e provoca uma situação caótica. Só não sabemos quando isso vai ocorrer. Num cenário muito favorável, pode continuar até o próximo governo.

    É melhor empurrar o problema até 2018 ou trocar o governo agora?
    Não me compete opinar sobre a permanência ou não do governo. O que eu acho é o seguinte: governos sem força política têm desempenhos econômicos piores.

    O desempenho econômico do governo Temer, portan- to, será pior do que poderia ser se não tivesse perdido força política.

    O que um novo governo eleito em 2018 deveria fazer?
    O Brasil já entrou e saiu de várias crises. Temos uma crise fiscal e precisamos resolver.

    Mas também precisamos fazer reformas microeconômicas, abrir a economia, parar de dar "bolsa empresário", tirar os subsídios do BNDES.

    É uma agenda conhecida, e boa parte está na "Ponte para o Futuro", que Temer soltou lá atrás.

    Estava também na cabeça de Armínio Fraga [ex-presidente do BC], quando ele ainda estava ao lado de Aécio Neves [ex-candidato do PSDB à Presidência flagrado pedindo dinheiro a um empresário].

    O Brasil vai ter que executar essa agenda mais cedo ou mais tarde, respeitando e reforçando as suas instituições.

    RAIO-X

    Nascimento: 19 de junho de 1939, em São Paulo

    Formação: doutor em economia pela Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo

    Carreira: sócio-fundador, presidente e consultor da A.C.Pastore & Associados; presidiu o BC entre setembro de 1983 e março de 1985

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