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    Congresso não vê o risco dos deficit para o país, diz economista

    ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
    DE SÃO PAULO

    20/08/2017 02h00

    Karime Xavier/Folhapress
    SÃO PAULO / SÃO PAULO / BRASIL -18 /08/17 - :00h - Nilson Teixeira, economista-chefe do Credit Suisse, sobre a crise brasileira. ( Foto: Karime Xavier / Folhapress). ***EXCLUSIVO***MERCADO
    Nilson Teixeira, economista-chefe do Credit Suisse, na sede do banco, no Itaim Bibi, São Paulo

    A economia brasileira deve sair com três sequelas da pior recessão de sua história, diz Nilson Teixeira, economista-chefe do banco de investimentos Credit Suisse.

    São elas: 1) taxa natural de desemprego mais alta, 2) taxa de investimento menor e 3) taxa de crescimento potencial menor. É o efeito, segundo ele, de um período prolongado de desequilíbrio nas contas públicas somado à recessão profunda.

    "O Brasil pode ir para uma situação de baixíssimo crescimento, abaixo de 2%." Nesse ritmo, sepultará a ambição de chegar ao padrão de desenvolvimento dos países mais ricos e talvez não garanta nem o de renda média.

    Para Teixeira, nem Congresso nem sociedade percebem as consequências de deficit primários duradouros, e há "complacência" dos participantes do mercado com o atual desequilíbrio fiscal.

    Até o fim desta década "essa redoma de vidro vai se partir", estima.

    Segundo o economista, sem ajustes profundos, deve haver "impacto mais forte nos fundamentos, contaminação bastante disseminada do desequilíbrio que o Brasil enfrenta e deterioração mais expressiva".

    Karime Xavier / Folhapress
    SÃO PAULO / SÃO PAULO / BRASIL -18 /08/17 - :00h - Nilson Teixeira, economista-chefe do Credit Suisse, sobre a crise brasileira. ( Foto: Karime Xavier / Folhapress). ***EXCLUSIVO***MERCADO
    Nilson Teixeira, economista-chefe do Credit Suisse

    Na última semana, o governo revisou as metas fiscais para um deficit maior, de R$ 159 bilhões em 2017 e 2018, e indicou rombo de R$ 139 bilhões em 2019 e R$ 65 bilhões em 2020. Ainda assim, será difícil cumpri-las, diz Teixeira.

    Ele estima que o próximo presidente eleito passará os quatro anos sem conseguir zerar o rombo nas contas.

    Folha - A situação das contas públicas é dramática. Por que o mercado parece calmo?

    Nilson Teixeira - O cenário fiscal é difícil mesmo, para muito além dos resultados deste e do próximo ano.

    Muito provavelmente o próximo governo viverá sob deficit primário em todos os anos.

    E por quanto tempo o mercado vai aceitar os juros no patamar de agora e caindo?

    Há os que julgam que a inflação permanecerá baixa por um período prolongado. Não partilhamos dessa ideia.

    Em algum momento as condições do cenário global deixarão de ser tão favoráveis. Com isso, a taxa de câmbio pode ter depreciação relevante, sendo um canal claro para a inflação voltar a subir.

    O próximo governo pode ter que reduzir os prazos médios da dívida, e esse é outro canal de contaminação.

    Um deficit primário que dura de 2015 a 2022 ou 2023 terá consequências bem desfavoráveis. A história de países que passaram por crises fiscais mostra que a taxa de desemprego será maior do que antes da recessão.

    Mas antes da recessão ela estava historicamente baixa.

    Joel Silva/Folhapress
    SAO PAULO, SP BRASIL- 04-05-2016 : Nilson Teixeira economista chefe do Banco Credit Suisse, durante entrevista na sede do banco.. ( Foto: Joel Silva/ Folhapress ) ***MERCADO *** ( ***EXCLUSIVO FOLHA***)
    Nilson Teixeira, economista-chefe do banco Credit Suisse

    A taxa natural de desemprego será maior. Deve haver um acréscimo de 1,5 milhão ou 2 milhões de trabalhadores entre os desempregados ou que desistiram de procurar emprego, a partir do próximo ano. E levará mais tempo para a taxa baixar.

    A crise embute uma piora prolongada dos fundamentos da economia. Chamamos os anos 1980 de década perdida, mas esta é ainda pior.

    Além de mais desempregados, o país terá taxa de investimentos menor e um crescimento potencial menor.

    Com ou sem reformas?

    Achamos que há 50% de probabilidade de aprovação até dezembro de uma reforma da Previdência com idade mínima, regras de transição e tempo de contribuição mínima. É menor que a probabilidade que tínhamos antes.

    Se o texto em discussão na Câmara for aprovado só em 2019, deve haver perda de 3,6% do PIB em dez anos.

    E ainda há quem julgue que cumprir a meta fiscal não é relevante, por causa da emenda constitucional nº 95 [Lei do Teto], que estipula que os gastos federais não crescerão acima da inflação.

    Se, com todo o esforço da equipe econômica, que é ótimo time, a meta precisou ser alterada, qual a certeza de que em 2020, sob pressão, o próprio Congresso não flexibilizará esse ajuste [do teto]?

    A meta fiscal é extremamente importante. Mas o Congresso e também a sociedade não percebem as consequências muito desfavoráveis de deficits primários por um período prolongado.

    Voltando então à primeira pergunta, por que o mercado está tão calmo? Os números por si só não importam?

    Na nossa leitura, há complacência dos participantes do mercado locais e globais, que percebem um cenário bem favorável em mercados emergentes.

    Silvia Costanti / Valor/Folhapress
    Data: 07/12/2016 Editoria: Financas Reporter: Reporter Local: Sao paulo, SP. Detalhe: Entrevista exclusiva Personagem: Nilson Teixeira, economista chefe do Credit Suisse, fotografado durante entrevista no escritorio do banco em Sao paulo. Foto: Silvia Costanti / Valor ***FOTO DE USO EXCLUSIVO FOLHAPRESS***
    Nilson Teixeira, economista-chefe do Credit Suisse

    Outro grande colchão para que a crise fiscal não se transmita rapidamente para os preços da economia são as condições favoráveis do balanço de pagamentos.

    O país terá neste ano saldo comercial bastante sólido. O deficit em transações correntes declinou para perto de zero. E os investimentos diretos superam US$ 80 bilhões.

    É o balanço de pagamentos então que evita o pânico?

    Talvez seja o fator mais relevante no momento. Mas por quanto tempo o desequilíbrio fiscal pode ficar numa redoma? Em algum momento esse vidro se parte. Julgo que não se prolonga até o fim dessa década.

    Se não forem feitos ajustes antes disso, essa crise terá impacto nos fundamentos de forma mais forte, haverá contaminação bastante disseminada do desequilíbrio que o Brasil enfrenta, e aí, sim, veremos deterioração mais expressiva.

    O mercado vê o declínio de juros e não percebe para agora essa deterioração, então aproveita o momento favorável.

    O próprio mercado fez negócios apostando em juros mais baixos. Isso tem influência?

    Cenário global, balanço de pagamentos favorável, inflação menor, a expectativa de juros declinantes, todos esses elementos contribuem para o que estamos chamando de complacência. A questão é: isso é permanente?

    Depende das eleições?

    Joel Silva/Folhapress
    SAO PAULO, SP BRASIL- 04-05-2016 : Nilson Teixeira economista chefe do Banco Credit Suisse, durante entrevista na sede do banco.. ( Foto: Joel Silva/ Folhapress ) ***MERCADO *** ( ***EXCLUSIVO FOLHA***)
    Nilson Teixeira, economista-chefe do Credit Suisse

    A definição dos candidatos e das propostas implementadas em 2019 influi.

    Mas dizer que tem que apertar mais e reduzir o que muitos chamam de direitos adquiridos dificilmente teria apoio. Consequentemente é difícil um candidato vencer eleições com propostas claras de ajustes dolorosos. E que têm que passar não apenas pela Previdência, mas pelo corte de benefícios.

    Quais?

    Há programas que estão aí há décadas sem nenhuma comprovação de que tenham trazido melhoria de bem-estar ou redução na disparidade de renda do país.

    Há renúncias tributárias de 4% do PIB, muitas transferências de recursos parafiscais, e qual o benefício disso? O Bolsa Família, que talvez tenha sido o programa social mais bem-sucedido em décadas, é acanhado frente a essas transferências enormes de recursos.

    Falo de subsídios para empresários, mas há também os para funcionários públicos.

    Eles têm vantagens muito acima das da grande maioria da sociedade. Os salários do funcionalismo, em particular do Judiciário, extrapolam em muito os limites que entendíamos como constitucionais.

    Há margem política para mexer nisso?

    O Congresso tem muita dificuldade de reduzir benefícios das categorias mais organizadas, funcionários públicos, empresários. Não só isso, mas o sistema tributário tem desvios que estão longe de servir ao que chamaríamos de justiça.

    Há uma grande discussão sobre fundos fechados em que o pagamento de impostos só ocorrem no saque, enquanto os abertos, em que a classe menos favorecida aplica, são tributados. Quase nenhum país, se é que há algum, tem o benefício dos juros sobre capital próprio.

    Há pessoas jurídicas contratando pessoas físicas que se colocam como empresas —e, consequentemente, pagam menos tributos.

    Joel Silva/Folhapress
    SAO PAULO, SP BRASIL- 04-05-2016 : Nilson Teixeira economista chefe do Banco Credit Suisse, durante entrevista na sede do banco.. ( Foto: Joel Silva/ Folhapress ) ***MERCADO *** ( ***EXCLUSIVO FOLHA***)
    Nilson Teixeira, economista-chefe do Credit Suisse

    Eu, um economista de um banco, pago 27,5% e direitos trabalhistas sobre meu salário completo. Outro economista que faz a mesma coisa que eu, se cria uma empresa, paga uma tributação bem menor.

    Só nesses três fatores do código tributário vemos que é difícil querer que seja eficiente. Não se sabe quem está pagando imposto. No fundo, é o trabalhador, porque não consegue criar essas estruturas.

    Basta ver a grita contra a alíquota de 30% de IR para os salários mais altos.

    Ninguém quer pagar mais imposto, e os grupos mais organizados tentam evitar isso.

    Entendo a argumentação dos que dizem que não dá para elevar impostos, mas essa não é a nossa leitura.

    Os números mostram a carga tributária em queda.

    A questão é que, para não elevar impostos, é preciso apresentar alternativas. Cortar os gastos de maneira vigorosa, por exemplo, torna bem mais tempo e é muito difícil.

    Vamos pegar o caso da indústria. É melhor reduzir bastante o Sistema S ou aumentar impostos? É isso que tem que se começar a discutir.

    Mas não parece que o Congresso apoiará essa medida. Há ação de lobbies e eleições em 2018, ambiente desfavorável para ajustes. É o que ouço de vários políticos, de várias frentes.

    O próximo presidente vai herdar uma situação difícil.

    A cada ano que se adia o ajuste mais duro, quanto tempo se perde para voltar a crescer de forma sustentável?

    Difícil estimar. Mas o Brasil pode ir para uma situação de baixíssimo crescimento, abaixo de 2%.

    Ou seja, se aproximando de uma situação em que não conseguirá chegar a um padrão de consumo e desenvolvimento dos países mais ricos.

    Silvia Costanti / Valor/Folhapress
    Data: 07/12/2016 Editoria: Financas Reporter: Reporter Local: Sao paulo, SP. Detalhe: Entrevista exclusiva Personagem: Nilson Teixeira, economista chefe do Credit Suisse, fotografado durante entrevista no escritorio do banco em Sao paulo. Foto: Silvia Costanti / Valor ***FOTO DE USO EXCLUSIVO FOLHAPRESS***
    Nilson Teixeira, economista-chefe do Credit Suisse

    Chega ao menos ao de país de renda média sustentável?

    Dependerá muito das soluções que o próximo governo apresentará. E elas têm que passar por ajustes fiscais enormes, cortes de privilégios e reformas microeconômicas.

    Hoje não se pode garantir que o Brasil alcance a situação de país de renda média de forma sustentável.

    Voltando para a taxa de juros, as manifestações do BC são de que ela vai continuar caindo. Sua equipe estima, porém, juros de equilíbrio mais altos.

    Dadas as condições atuais dos fundamentos, os juros reais de equilíbrio, a taxa natural ou estrutural de juros no Brasil é bem acima do que as NTNBs sinalizam.

    Bem acima de 5%, perto dos 6%.

    Por quê?

    Problemas fiscais, dívida elevada, persistência inflacionária, baixo crescimento potencial, baixo nível de educação. O conjunto não é compatível com juros reais num patamar de 3%, 3,5% de forma permanente.

    Não quer dizer que o Brasil está preso ao passado, mas, para sair dele, precisa de ajustes muito mais profundos. Muito mais profundos.

    O sr. acabou de voltar de uma viagem aos EUA em que falou com investidores estrangeiros. O que eles mais perguntam sobre o Brasil? Qual a principal preocupação?

    Silvia Costanti / Valor/Folhapress
    Data: 07/12/2016 Editoria: Financas Reporter: Reporter Local: Sao paulo, SP. Detalhe: Entrevista exclusiva Personagem: Nilson Teixeira, economista chefe do Credit Suisse, fotografado durante entrevista no escritorio do banco em Sao paulo. Foto: Silvia Costanti / Valor ***FOTO DE USO EXCLUSIVO FOLHAPRESS***
    Nilson Teixeira, economista-chefe do Credit Suisse

    Depende do cliente. Os fundos de América Latina olham o Brasil com mais cuidado, pelo tamanho da economia. Nesse momento, o interesse maior é para o México.

    Para qualquer que seja o fundo, o Brasil está longe de ser o país com maior perspectiva de ganhos. Não vi uma perspectiva de altos investimentos, de aumentar muito os investimentos no Brasil.

    A liquidez mais ampla beneficiou ativos de risco, e fez com que eles elevassem um pouco a posição de Brasil nas suas carteiras.

    E na economia real?

    No grupo de clientes que faz mais investimentos de longo prazo, em empresas, os investimentos diretos já simbolizam bem.

    Os investidores avaliam que o Brasil tem muito para aumentar no seu consumo. Olham as condições de infraestrutura no Brasil e veem muitos investimentos a serem feitos.

    Como olham para o longo prazo, o momento de entrar pode ser importante, mas não é tão determinante. O país não vai se ajustar neste ano ou no próximo, mas nos próximos 10 ou 20 anos a economia estará mais sólida.

    As novas metas fiscais parecem razoáveis?

    A deste ano é mais fácil cumprir, mas não se pode descartar que venha nova revisão, dependendo da recuperação da arrecadação e de receitas não recorrentes.

    Para o ano que vem, uma aprovação tênue da reforma previdenciária e incerteza sobre outros gastos mantém alta a probabilidade de que a meta não seja cumprida.

    Nas metas indicativas para 2019 e 2020, há otimismo. Não é uma tarefa muito fácil reduzir o deficit primário em 2019, a menos que haja recuperação da atividade econômica muito sólida.

    Existe esse cenário de recuperação sólida?

    Se o próximo governo anunciar uma agenda de reformas muito rigorosa, que anime os agentes econômicos no investimento, e, do lado do consumo, se se mantiverem inflação baixa e juros reduzidos, poderia haver recuperação.

    Mas o grau de ajuste que é necessário empreender no país, dado o curto espaço de tempo, torna pouco possível conseguir esse padrão de crescimento.

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