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    Criminoso financeiro pode usar o WhatsApp para se ocultar

    PATRICK JENKINS
    DO "FINANCIAL TIMES"

    22/08/2017 13h54

    Yasuyoshi Chiba/AFP
    União Europeia acusa Facebook de dar informações enganosas durante aquisição do WhatsApp
    Uso de mensagens cifradas no WhatsApp pode facilitar crimes financeiros e ações terroristas

    Quando o iconoclástico empreendedor tecnológico Moxie Marlinspike conquistou Hillary Clinton como cliente para seu app de mensagens cifradas, no ano passado, saudou a ocasião com o idealismo característico do Vale do Silício: "Acho que de alguma forma vencemos o futuro".

    Mas sua tecnologia Signal para mensagens cifradas, que é usada também para proteger a segurança das mensagens do WhatsApp e serviços semelhantes, gera controvérsias proporcionais ao seu sucesso. Os bilhões de pessoas que agora usam esses apps estão protegidos por completo segredo em suas comunicações. E estamos só começando a compreender o quanto o essa visão progressista pode ser perigosa, vista pelo avesso.

    Sempre que um ataque terrorista acontece, hoje em dia, uma das linhas importantes de investigação é descobrir como os responsáveis por ele se comunicavam. Nos dois últimos anos —em Paris, Londres e Estocolmo— a polícia expôs o papel crucial de mensagens cifradas trocadas via WhatsApp, para ataques desse tipo. "A sombra continua a cair", disse James Comey, antigo diretor do Serviço Federal de Investigações (FBI) americano a senadores dos Estados Unidos, em maio, em referência ao sigilo que esses serviços oferecem.

    Mensagens cifradas tornam inúteis as escutas e intimações das autoridades, porque o texto da comunicação reside apenas nos aparelhos das pessoas envolvidas e não é acessível às empresas que intermediam os contatos.

    As autoridades dos Estados Unidos e do Reino Unido apelaram, muitas vezes em vão, para que empresas de tecnologia lhes ofereçam acesso "pela porta dos fundos" a dados cifrados associados a investigações de crimes sérios, especialmente no caso da Apple, depois de um homicídio em massa em San Bernardino.

    CRIMES FINANCEIROS

    Boa parte do debate até agora vinha girando em torno do terrorismo. Mas, como o FBI indicou nesta semana, o potencial de uso de mensagens cifradas para facilitar crimes financeiros está começando a atrair atenção. A criptografia é um problema crescente no combate a "fraudes, lavagem de dinheiro e insider trading" [uso indevido de informações financeiras privilegiadas], disse um importante agente do FBI ao "Financial Times".

    Na semana passada, Daniel Riva, antigo funcionário do departamento de tecnologia do Bank of America, se admitiu culpado por divulgar a um grupo de pessoas informações secretas sobre tomadas de controle acionário. Rivas usou um serviço de mensagens criptografadas para comunicar as informações, de acordo com a queixa da Securities and Exchange Commission (SEC), agência federal que regulamenta os mercados de valores mobiliários dos Estados Unidos.

    No começo do ano, a Autoridade de Conduta Financeira (FCA) do Reino Unido impôs a primeira multa a um financista por divulgar informações confidenciais via WhatsApp. Christopher Niehaus foi multado em 37.198 libras por repassar a amigos informações sobre transações confidenciais.

    Exemplos de ações regulatórias como essa sugerem que as mensagens cifradas não são obstáculo para as autoridades. Mas elas inevitavelmente dificultam a identificação de delitos, a captura de criminosos e a condução de processos contra eles. O caso da FCA contra Niehaus se baseou na entrega voluntária de seu celular e senha às autoridades, e não em decodificação de suas mensagens.

    E se o WhatsApp já existisse, 10 anos atrás? Os escândalos de manipulação da Libor e de taxas de câmbio teriam sido expostos? A realidade é que informações foram trocadas por meio do serviço de mensagens da Bloomberg e outros sistemas não protegidos por criptografia, nesses casos, o que deu aos promotores públicos acesso a grande volume de provas, muitas delas notáveis pelo colorido da linguagem.

    Superficialmente, ao menos, padrões mais rigorosos de comportamento foram adotados nos últimos anos. A Bloomberg passou a oferecer ferramentas de monitoração melhores em seus terminais, permitindo acesso mais fácil às comunicações de funcionários por inspetores internos e fiscais. Diversos bancos proibiram as salas de chat multicompanhias que possibilitaram os conluios quanto à Libor e taxas de câmbio. Alguns não permitem que seus operadores levem celulares pessoais às salas de operações. Presidentes de empresas do setor financeiro aderiram a iniciativas de saneamento do mercado, como o Banking Standards Board do Reino Unido.

    ACORDOS

    As multas agora estão em trajetória de queda. Uma avaliação do Boston Consulting Group no trimestre passado sobre as penalidades impostas a bancos mundiais calculou valor total de multas de US$ 42 bilhões no ano passado. Ainda que o total tenha sido superior ao de 2015, ficou bem abaixo do pico de US$ 75 bilhões registrado em 2014. Os números devem continuar a cair, à medida que os bancos completam o pagamento de suas multas por grandes escândalos do passado —venda de produtos incorretamente descritos e violações das regras sobre lavagem de dinheiro, além da manipulação da Libor e de taxas de câmbio. Entre os acordos notáveis deste ano, o Deutsche Bank concordou em pagar US$ 7,2 bilhões pela venda de títulos hipotecários descritos incorretamente e US$ 630 milhões por lavagem de dinheiro na Rússia. O BNP Paribas pagou cerca de US$ 600 milhões em multas por manipulação das taxas de câmbio.

    É justo acreditar que Marlinspike não tinha em mente a proteção de executivos de bancos de investimento envolvidos em manipulações de mercado, ao se pronunciar, alguns anos atrás, sobre "a disparada do setor de vigilância em todo o mundo".

    Mas a menos que os idealistas do Vale do Silício cedam e concedam às autoridades alguma forma de acesso privilegiado a comunicações privadas, os criminosos financeiros, como os terroristas, verão suas atividades facilitadas. E jamais saberemos se os crimes dos financistas estão genuinamente caindo ou se estão apenas passando despercebidos.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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