• Mercado

    Monday, 06-May-2024 08:12:03 -03

    Brasil precisa valorizar seus próprios capitalistas, diz ex-reitor da USP

    ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
    DE SÃO PAULO

    14/09/2017 02h00 - Atualizado às 15h58
    Erramos: esse conteúdo foi alterado

    Diego Padgurschi/Folhapress
    O ex-reitor da USP Jacques Marcovitch, no prédio da Faculdade de Economia e Administração (FEA), onde é professor; Marcovitch coordena projeto sobre a história de empresários pioneiros no Brasil
    O ex-reitor da USP Jacques Marcovitch, no prédio da Faculdade de Economia e Administração (FEA), onde é professor; Marcovitch coordena projeto sobre a história de empresários pioneiros no Brasil

    Por ideologia, a pesquisa de história do Brasil olha apenas para a política e os movimentos sociais, e deixa de lado os empresários, diz o professor da FEA e ex-reitor da USP Jacques Marcovitch.

    Dedicado nos últimos 16 anos a registrar a trajetória de 24 empreendedores pioneiros (veja quadro ao lado), ele acaba de formar uma turma de 35 professores da rede pública -o Estado de São Paulo incluiu o ensino do empreendedorismo no currículo do ensino médio.

    Marcovitch diz que o Brasil precisa deixar cultuar empresários estrangeiros, valorizar seus próprios modelos e mostrar aos jovens que "adversidade não é condenação do futuro",

    Na seleção dos personagens para seu projeto, o ex-reitor diz ter deixado propositalmente de fora setores "que surgem e se afirmam em dependência contínua do governo". "Empreiteiras?" "Você é quem está dizendo", responde ele.

    Marcovitch negocia patrocínio para trazer a São Paulo exposição sobre os capitalistas que já levou ao Rio, a Fortaleza, Recife e Manaus.

    "Estamos chegando a 2022, bicentenário da Independência. Vamos levar para a juventude a mesma coisa do passado? A relação política com a metrópole? Ou vamos trazer dimensões novas, começando por Mauá, que se desvinculou da metrópole a ponto de criar indústrias no Brasil, o que era proibido na colonização?"

    Dentre os 24 pioneiros, o destaque de Marcovitch é Roberto Simonsen. "Foi capaz de unir pioneirismo, sucesso empresarial e a realização intelectual e acadêmica."

    *

    Folha - Qual a raiz do projeto?

    Jacques Marcovitch - Na década de 1970, quando comecei a dar aulas na FEA, procurei exemplos de empresários brasileiros. Havia [Henry] Ford, [Jules Henry] Fayol, [John Davison] Rockefeller, mas do Brasil não havia nada. Só um pouco de Matarazzo.

    Que é italiano.

    Sim, dos pioneiros, parte não é nascida aqui [veja a lista abaixo]. Mas há uma adversidade de origem que explica um traço do pioneirismo brasileiro. Enfrentar a adversidade muito cedo faz com que o indivíduo se prepare melhor para a vida.

    Em cargos de gestão na USP, precisei transitar por outras áreas e comecei a descobrir o que há de pesquisa de empresários. Há um divórcio entre a história do Brasil e a presença dos empresários. Em qualquer livro, o máximo que se encontra é [barão de] Mauá.

    Por quê?

    No Brasil, como em alguns outros países de cultura latina, a tendência é demonizar o do lucro. Há uma ideologia que ainda entende que o setor produtivo se apropria da mais-valia e marginaliza a força do trabalho. A história de empresas, ou mesmo a econômica, é relegada a segundo plano.

    Isso não quer dizer que não tenhamos excelentes teses. Nem sempre na história, às vezes na sociologia. Fomos descobrindo pouco a pouco onde elas eram guardadas.

    Ficavam escondidas?

    Eles estavam escondidos lá [risos], o Jafet, o Matarazzo.

    Quando o projeto passou a ser pedagógico?

    Quando fizemos o projeto museológico. Ele força você a pensar em como se comunicar com os jovens. Nossa preocupação é influenciar as mentalidades, não simplesmente expor.

    Influenciar como?

    Hoje a sala de aula é um lugar não de transferência, mas de construção de conhecimento, de identidade e de projeto de vida. No conhecimento, precisamos despertar, através de mitos positivos, uma curiosidade. O garoto sai da aula e vai buscar um pioneiro empreendedor no bairro dele, no qual pode se inspirar, e entender que somos capazes de construir o futuro.

    Na identidade, se o jovem não vê referências positivas do nosso passado, como vai construir um futuro melhor?

    Estamos chegando a 2022, bicentenário da Independência. Vamos levar para a juventude a mesma coisa do passado? A relação política com a metrópole? Ou vamos trazer dimensões novas, começando por Mauá, que se desvinculou da metrópole a ponto de criar indústrias no Brasil, o que era proibido na colonização?

    Como isso vira projeto de vida?

    As lições que se tiram dos 24 personagens é que riqueza não é objetivo, mas meio para viabilizar o sonho, que o verdadeiro poder é mandar em si mesmo, não nos outros. E que sabedoria é valorizar o conhecimento dos outros, daqueles que podem ajudá-los a viabilizar o sonho. Muitos dos pioneiros nunca estudaram, não tiveram educação formal.

    Adversidade na juventude é insumo que não falta no país. Como completar o ciclo?

    Esse é o principal desafio do nosso projeto e tantos semelhantes. Como dizer ao jovem que adversidade não é uma condenação do futuro? Que, pelo contrário, pode haver nisso o meio de superação? A melhor forma é dar exemplos. Os pioneiros podem constituir esse exemplo.

    Veja o empreendedorismo na ilicitude, nossas redes de comércio ilícito, drogas, receptações de roubos. O potencial está aí. A pergunta não é se esses jovens vão ou não se tornar empreendedores.

    Uber, taxistas são empreendedores. Autoempregados que resolvem assumir seus próprios riscos. Se caminhamos para a agenda positiva...

    Por outro lado, a história brasileira sempre foi de confusão entre o público e o privado. Como separar o que foi empenho deles do que foi intimidade com o poder político?

    Na fase do surgimento e da evolução de uma economia, n o que chamo de "take-off" [decolagem], a relação entre Estado e setor privado é de simbiose, de complementaridade.

    Pode evoluir para parasitismo, mas o papel do Estado é importante.

    Esse momento de simbiose aconteceu com boa parte dos pioneiros, mas outros não precisaram do Estado.

    Acho que sua pergunta tem a ver mais com alguns setores que não estão nessa coletânea. E não é por acaso que não estão.

    As empreiteiras?

    É você quem diz. Esses setores praticamente surgem e se afirmam numa dependência contínua do setor público.

    O ambiente de negócios não é muito hostil no Brasil?

    Era mais antes da crise política, de junho de 2013, quando se achava que tudo daria certo e haveria dinheiro para tudo. Então veio julho de 2013.

    Depois veio 2014 —nem quero lembrar o 8 de julho de 2014, o 7 a 1. Começamos a conviver com ele não só no futebol, mas na política e na economia. A depressão é absoluta e há uma mensagem implícita: não tem mais Estado provedor nem recursos ilimitados nos bancos públicos. Cada um tem que se virar.

    Veja só, a Assembleia Legislativa aprovou o plano de educação empreendedora para todas as escolas públicas de São Paulo. Há cinco anos, diriam "olha o capitalismo entrando nas nossas escolas públicas". Hoje é um projeto da Secretaria da Educação.

    RAIO-X

    Idade: 70 anos

    Formação: administração na USP, mestrado na Universidade Vanderbilt, doutorado na USP

    Carreira: presidente das Companhias de Energia do Estado de São Paulo (1986-1987), reitor da USP (1997-2001), secretário de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo (2002). É professor da FEA e do Instituto de Relações Internacionais da USP

    24 EMPRESÁRIOS PIONEIROS

    Barão de Iguape (1788-1875)

    • Onde nasceu: São Paulo
    • Setor(es) em que atuou: Comércio e agropecuária

    Barão de Mauá (1813-1889)

    • Onde nasceu: Rio Grande do Sul, criou-se no Rio
    • Setor(es) em que atuou:Transportes, indústria, finanças

    Herman Lundgren (1832-1907)

    • Onde nasceu: Suécia
    • Setor(es) em que atuou: Industria e transportes

    Luiz Tarquínio (1844-1903)

    • Onde nasceu: Salvador
    • Setor(es) em que atuou: Indústria têxtil

    Bernardo Mascarenhas (1847-1899)

    • Onde nasceu: Minas Gerais
    • Setor(es) em que atuou: Energia, indústria têxtil

    Luiz de Queiroz (1849-1898)

    • Onde nasceu: Campinas
    • Setor(es) em que atuou: Agropecuária, indústria. Com sua mulher, Ermelinda, criou a Escola Superior de Agricultura, que hoje leva seu nome e é integrada à USP

    João Gerdau (1850-1917)

    • Onde nasceu: Prússia
    • Setor(es) em que atuou: Comércio, agricultura, indústria, siderurgia

    Ramos de Azevedo (1851-1928)

    • Onde nasceu: São Paulo
    • Setor(es) em que atuou: Engenharia e construção

    Francisco Matarazzo (1854-1937)

    • Onde nasceu: Itália
    • Setor(es) em que atuou: Comércio, indústria, navegação, finanças

    Nami Jafet (1860-1923)

    • Onde nasceu: Líbano
    • Setor(es) em que atuou: Comércio, indústria, saúde

    Julio Mesquita (1862-1927)

    • Onde nasceu: Campinas
    • Setor(es) em que atuou: Imprensa

    Jorge Street (1863-1939)

    • Onde nasceu: Rio de Janeiro
    • Setor(es) em que atuou: Indústria têxtil

    Delmiro Gouveia (186?-1917)

    • Onde nasceu: Ceará
    • Setor(es) em que atuou: Comércio, indústria, empreendimento imobiliário

    Wolff Klabin (1880-1957)
    * Onde nasceu: Lituânia
    Horácio Lafer (1900-1965)
    * Onde nasceu: São Paulo

    • Setor(es) em que atuaram: Indústria de papel e celulose, fios e porcelana

    Guilherme Guinle (1882-1960)

    • Onde nasceu: Rio de Janeiro
    • Setor(es) em que atuou: Hidroelétricas, transportes, siderurgia, setor financeiro

    Roberto Simonsen (1889-1948)

    • Onde nasceu: Santos
    • Setor(es) em que atuou: Construção, indústria

    Attilio Fontana (1900-1989)

    • Onde nasceu: Rio Grande do Sul
    • Setor(es) em que atuou: Comércio e indústria

    José Ermírio de Moraes (1900-1973)

    • Onde nasceu: Pernambuco
    • Setor(es) em que atuou: indústria

    Leon Feffer (1902-1999)

    • Onde nasceu: Ucrânia
    • Setor(es) em que atuou: Indústria de celulose e papel

    Roberto Marinho (1904-2003)

    • Onde nasceu: Rio de Janeiro
    • Setor(es) em que atuou: Comunicações

    Azevedo Antunes (1906-1996)

    • Onde nasceu: São Paulo
    • Setor(es) em que atuou: Minérios

    Valentim Diniz (1913-2008)

    • Onde nasceu: Portugal
    • Setor(es) em que atuou: Comércio

    Samuel Benchimol (1923-2002)

    • Onde nasceu: Manaus
    • Setor(es) em que atuou: Distribuição de gás

    Edson Queiroz (1925-1982)

    • Onde nasceu: Ceará
    • Setor(es) em que atuou: Comércio, indústria, comunicações e educação

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024