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    Reviravolta no Brasil complica JBS nos Estados Unidos

    MARIO CESAR CARVALHO
    DE SÃO PAULO

    17/09/2017 02h00

    Pedro Ladeira/Folhapress
    O empresário Joesley Batista da JBS, chega na área de embarque da aviação executiva, no aeroporto de Brasília. Ele foi à PGR fazer esclarecimentos sobre o processo de delação premiada da empresa.
    O empresário Joesley Batista, da JBS, no aeroporto de Brasília (DF)

    A agonia não é só no Brasil.

    A JBS começa a enfrentar percalços nos Estados Unidos por causa da suspeita de que o ex-procurador Marcello Miller possa ter trabalhado como agente duplo, atuando no acordo para a empresa enquanto estava na Procuradoria-Geral da República.

    A suspeita travou as negociações de um acordo com o Departamento de Justiça, segundo a Folha apurou.

    O caso da suspeita é considerado extremamente grave pelas autoridades americanas porque Miller era o interlocutor do Ministério Público Federal com os americanos.

    A partir da revelação da hipótese de que fazia jogo duplo, os americanos colocaram em xeque a negociação.

    O acordo é considerado vital para a sobrevivência da JBS por causa das pesadas multas que os americanos impõem a empresas corruptas.

    A JBS retira do exterior 87% de sua receita de operações. Os EUA, onde tem 56 fábricas e é dona de marcas tradicionais como a Swift, respondem por 51% da receita total.

    Há um agravante: como a JBS tem fábricas nos EUA, as propinas pagas no Brasil são uma violação da lei americana que proíbe empresas de lá de pagar suborno no exterior.

    Sem o acordo nos EUA, o cenário mais provável é que os irmãos Joesley e Wesley Batista, sócios que controlam o negócio, sejam afastados da empresa, segundo cinco especialistas ouvidos pela Folha.

    NOVOS ADVOGADOS

    A JBS já fez uma tentativa para retomar as negociações: trocou o escritório que dialogava com o Departamento de Justiça, o Baker McKenzie, por um outro que só atuava com normas éticas, o White & Case.

    O Baker McKenzie é ligado ao escritório que Miller trabalhou no Brasil quando deixou a Procuradoria, o Trench Rossi Watanabe.

    O Trench demitiu Milller em julho, quando se tornou pública a suspeita sobre o ex-procurador. Ele nega ter praticado irregularidades.

    "Os EUA jamais fecham acordo com um advogado sob suspeita", diz afirma Sylvia Urquiza, especializada em "compliance", termo que designa regras anticorrupção.

    Para ela, o Departamento de Justiça exige que os advogados tenham uma ética irretocável porque eles serão os responsáveis pela autoinvestigação que a empresa fará.

    Com a prisão de Joesley e Wesley e a rescisão do contrato de delação, as perspectivas para a JBS são as piores possíveis no Brasil e nos EUA, de acordo com especialistas.

    A JBS fez dois tipos de acordo com as autoridades brasileiras: de delação, para livrar as pessoas físicas da prisão, e de leniência, no qual a empresa pagou uma multa de R$ 10,3 bilhões para se livrar de todas as punições.

    O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, rescindiu o acordo de delação porque os Batistas teriam mentido e omitido crimes. O acordo de leniência, por sua vez, foi parcialmente suspenso pela Justiça de Brasília.
    Com a rescisão, as provas apresentadas pelos delatores ainda podem ser usadas.

    Se ficar provado que Miller orientou Joesley a gravar o presidente Michel Temer, o acordo poderá ser anulado junto com as provas.

    Os cinco especialistas ouvidos pela Folha dizem crer que o acordo de leniência será anulado, o que geraria um caos jurídico e econômico para a JBS.

    Se esse cenário se confirmar, o acordo com os EUA se tornará ainda mais distante, de acordo com Sylvia Urquiza.

    A norma americana determina que as empresas façam acordos em seu país de origem ao mesmo tempo em que acertam seus tratos nos EUA, como ocorreu com a Odebrecht. Era o que a JBS tentava até eclodir o episódio Miller.

    Sebastião Tojal, professor do curso de direito da USP e que atuou nos acordos de leniência da Andrade Gutierrez e UTC, diz que a confusão dos acordos da JBS traz perspectivas muito ruins para o instrumento da delação.

    "Os acordos de delação e de leniência vão diminuir, o que é um pecado porque as empresas precisam ser salvas para preservar empregos. Fora que os acordos trouxeram ganhos investigatórios muito grande."

    Um advogado que já atuou em acordos no Brasil e nos EUA afirma que a JBS cometeu pecados capitais em série para os padrões morais dos americanos: mentiu, omitiu e manipulou o mercado de ações.

    Segundo esse padrão, é aceitável fazer um acordo com um gângster arrependido, mas não com um mentiroso.

    OUTRO LADO

    A JBS não quis se pronunciar sobre os percalços que enfrenta para fechar acordo nos EUA. A confidencialidade é uma das cláusulas que o Departamento de Justiça impõe às empresas que negociam tratos após confessarem práticas corruptas.

    O ex-procurador Marcello Miller também não quis se manifestar.

    Em ocasiões anteriores, ele disse que jamais atuou como procurador e advogado da JBS ao mesmo tempo. Também afirmou que jamais instrui o empresário Joesley Batista a gravar conversas com o presidente Michel Temer.

    A Folha procurou a assessoria de comunicação do escritório Baker McKenzie em Nova York, mas não houve resposta às questões enviadas pela reportagem.

    Segundo o ex-procurador, as menções ao seu nome em gravações de Joesley Batista são "fantasiosas".

    O escritório Trench Rossi Watanabe diz que está colaborando com a Justiça brasileira.

    Em nota, a banca diz que "conduziu apuração interna, e documentos coletados foram entregues pelo escritório à Procuradoria-Geral da República, em um sinal da disposição demonstrada desde o primeiro momento em contribuir para o esclarecimento dos fatos".

    Segundo o escritório, "os contratos de todos os profissionais envolvidos nas investigações foram encerrados".

    Ainda de acordo com a banca, "Trench Rossi Watanabe reafirma que seguirá à disposição das autoridades competentes, sempre respeitando os princípios éticos e de transparência que pautaram seus mais de 50 anos de trajetória no mercado jurídico brasileiro".

    O Trench Rossi Watanabe não quis responder por que pagou uma passagem aérea para Marcelo Miller viajar entre o Rio de Janeiro e São Paulo em fevereiro deste ano, quando ele ainda era procurador da República.

    O código de ética do escritório, que segue padrões dos Estados Unidos, proíbe o pagamento de passagens a funcionário público. Essa prática pode configurar o crime de corrupção.

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