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    Opinião

    Quer parecer confiante no trabalho? Zombe de você mesmo

    PILITA CLARK
    DO "FINANCIAL TIMES"

    26/09/2017 08h00

    Shutterstock
    The young business woman is relaxing at work Foto Stock: Autorização do(a) modelo arquivado na Shutterstock, Inc. foto: NatUlrich /shutterstock ORG XMIT: 53616c7465645f5fab79db8845e18c47 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Brincar sobre si pode tornar a vida profissional mais agradável e humana

    Na semana passada fui a um casamento no qual o noivo, britânico, fez um discurso adorável sobre as coisas que aprendeu com a noiva, finlandesa.

    Entre elas, havia um fato fascinante: os finlandeses têm uma palavra que quer dizer "ficar bêbado sozinho em casa, de roupa de baixo": kalsarikänitt. Pensei que aquilo devia ser brincadeira, e abordei um dos parentes da noiva para perguntar se a palavra existia mesmo. "Oh, sim", o homem respondeu, parecendo surpreso por alguém duvidar de algo tão óbvio. "Nossos invernos são muito longos".

    Eu ainda estava pensando sobre a maravilha das diferenças culturais quando cheguei em casa e abri um e-mail de uma professora universitária da Califórnia, que esperava que eu não me incomodasse por ela estar me oferecendo um conselho gentil. Ela tinha acabado de ler um dos meus artigos, sobre mentores, no qual eu havia brincado (ou assim imaginei) sobre ser "desastrada", inútil" e "inepta". Isso fez com que ela imaginasse que eu não aprendi um segredo que a maioria dos homens compreende, ela disse, mas escapa a quase todas as mulheres: você não deve fazer comentários autodepreciativos sobre aquilo que entende como seu "conhecimento principal".

    Em outras palavras, disse ela, não há coisa alguma de errado em brincar sobre a própria aparência ou sobre as preferências alimentares que você tenha, e a humildade, em si, é admirável. Mas desconsiderar o próprio conhecimento profissional solapa a legitimidade de quem o faz, e é uma atitude inaceitável para uma mulher, já que ela precisa batalhar pelo respeito que é conferido automaticamente aos homens. O artigo continha algumas sugestões sólidas, ela disse, mas os leitores encerrariam a leitura "imaginando se é boa ideia aceitar conselhos de uma pessoa que se define como 'inútil'".

    Fiquei chocada. Jamais imaginei que alguém levaria tão a sério declarações que fiz sem seriedade alguma. Mas uma pessoa claramente inteligente e bem intencionada o fez.

    Primeiro, pensei na Finlândia. Será que diferenças culturais bastariam para explicar a confusão? Talvez o deficit de ironia dos norte-americanos? A ideia me incomodou, já que o "Financial Times" tem milhares de leitores norte-americanos. E também me pareceu muito improvável.

    Para começar, o país que produziu Seinfeld e os Simpsons jamais sofreu de um deficit assim tão grande de ironia. Além disso, quando contei a uma amiga de Londres sobre o e-mail que recebi da Califórnia, ela disse que certa vez havia recebido exatamente o mesmo conselho —de uma mulher britânica.

    E o caso foi ainda mais perturbador, porque reforçou a ideia de que número incontável de mulheres vivem se sabotando no trabalho.

    Mas não estou segura de que isso aconteça mesmo.

    É verdade que estudos demonstram que as mulheres costumam se autodepreciar mais do que os homens. E é igualmente claro que isso pode ter efeito oposto ao pretendido: expor qualquer forma de fragilidade no escritório é um risco. E autodepreciação constante termina por ser cansativa.

    Mas acredito que talvez exista um risco muito maior para as pessoas que se recusam a zombar de si mesmas e de suas competências.

    Para começar, isso nos priva de um instrumento efetivo, e capaz de desarmar um antagonista. Ainda me lembro de o quanto aumentou minha simpatia por Michael O'Leary, o rabugento presidente-executivo da Ryanair, quando ele me disse em uma entrevista (muito anterior ao atual fiasco de overbooking em sua empresa) que ele tinha noção de que suas pirraças irritantes —ameaças de fazer com que os passageiros paguem para ir ao banheiro ou para ficarem em pé no avião— minavam aquilo que sua companhia tinha de mais forte.

    O mais importante, porém, é que as pessoas que não se incomodam em brincar sobre os próprios pontos fracos na verdade exalam autoconfiança. Preocupa-me que as mulheres se preparem cuidadosamente para evitar esse tipo de comportamento, além de todas as outras coisas com que elas —-e, aliás, também os homens— precisam se preocupar.

    Pode ser que isso aconteça porque vivi por tanto tempo no Reino Unido, uma nação medalha de ouro em autodepreciação. Mas acredito que isso confira uma vantagem aos britânicos. Erin Meyer, professor da escola francesa de administração de empresas Insead e assessora de empresas sobre a gestão de diferenças culturais, concorda comigo.

    "Rir de si mesmo é uma grande vantagem em termos internacionais", ela me disse, acrescentando que não fazia diferença que o motivo da brincadeira fosse a competência profissional feminina. Na verdade, ela acredita que mulheres possam se prejudicar profissionalmente ao evitar esse tipo de autodepreciação, por acreditarem que essa é uma atitude necessária ao sucesso em locais de trabalho dominados pelos homens. Meyer disse que sempre brinca sobre seu trabalho, em público, exatamente como muitos homens que ela conhece, "e sei que isso faz com que eu pareça mais autoconfiante".

    Isso me parece plausível, e seria bom que mais pessoas o fizessem. Nem que apenas porque, longe de ser um risco de desastre, brincar sobre nós mesmos torna a vida profissional muito mais agradável e humana.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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