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    Novos formatos camuflam propaganda para crianças em canais na internet

    MARA GAMA
    DE SÃO PAULO

    15/10/2017 02h00

    Reprodução
    imagem extraída do "Vlog da Juju" do YouTube, usada na representação do Alana no Procon contra propaganda para público infantil
    Imagem do "Vlog da Juju" do YouTube

    Entre os cem canais de maior audiência no YouTube Brasil, 48 abordam conteúdo direcionado ou consumido por crianças de 0 a 12 anos, segundo levantamento do Instituto Alana, que atua na educação infantil e faz um trabalho jurídico e de defesa para a efetivação dos direitos da criança.

    O surgimento de novos formatos de programas, principalmente na internet, abriu espaço para um tipo de mensagem publicitária cada vez menos explícita e direcionada ao público infantil.

    Vídeos de unboxing - desempacotamento - de brinquedos, jogos e competições em que marcas e personagens aparecem ao lado de youtubers mirins fazem parte desse novo panorama.

    Diferentemente da publicidade em intervalos anunciados entre blocos de um programa, como acontece na TV tradicional, os novos formatos não são facilmente perceptíveis.

    "Até os 8 anos, as crianças têm dificuldade de separar entretenimento da propaganda. Depois disso, podem perceber a diferença, mas não necessariamente sabem que a razão da publicidade é o consumo", diz Isabella Henriques, diretora do Alana.

    Quando é uma criança que faz a propaganda, fica ainda mais difícil para outra criança entender que aquilo tem o objetivo de convencer. Convencer a consumir. "O limite entre o que é publicidade e o que é o conteúdo testemunhal espontâneo é difícil de perceber", acrescenta Henriques.

    A publicidade infantil na TV, após pressão de grupos envolvidos na causa, foi submetida a regulamentações que contiveram excessos, a partir de 2014.

    É dessa data a Resolução 163 do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) que é contra a publicidade com intuito de persuadir a criança ao consumo.

    PROCON
    De olho nas mídias digitais, o Alana entrou, em 11 de setembro, com uma representação no Procon contra ações de merchandising no "Vlog da Juju" no YouTube. O canal foi criado como parte da trama da novela infantil "Carinha de Anjo", do SBT, transmitida desde 2016.

    O "Vlog da Juju" é conduzido pela vlogueira Juju Almeida, personagem interpretada pela atriz Maísa Silva. Ela encarna uma produtora de conteúdo, que faz sucesso na internet com vídeos sobre cotidiano adolescente com moda, culinária, entrevistas e música.

    Na tarde da ultima sexta, 13, o blog em vídeo contabilizava 1.249.552 inscritos e a página do vlog no Facebook, 296 mil seguidores.

    Segundo o Alana, a marca Dolly fez duas ações de merchandising no canal da personagem no YouTube em comemorações do dia das mães e do dia dos pais neste ano.

    Nos vídeos, Juju e convidados cantam o jingle do refrigerante e aparece o mascote da marca, Dollynho. Numa das inserções, por exemplo, a atriz canta: "Mamãe você é o amor, mamãe você é minha vida! Eu te ofereço um Dolly com toda a emoção".

    O Alana entendeu que a ação é "estratégia de comunicação mercadológica direcionada diretamente a crianças".

    Em sua representação, o Instituto destaca que a atriz Maísa Silva, de 15 anos, que é também cantora, modelo e apresentadora, é bastante conhecida entre o público infantil, tendo participado de um programa de calouros da TV aberta. Em 2008, ela foi contratada pelo SBT, onde se manteve até 2013.

    "A atriz tem grande impacto entre o público infantil, que segue suas publicações nas redes sociais e participa ativamente de suas páginas, encarando a apresentadora não apenas como uma celebridade, mas também como uma amiga próxima. As crianças comentam, mandam recados e dão sugestões de temas para os próximos vídeos."

    Maísa Silva tem uma página no Facebook com 7,8 milhões de seguidores.

    O Alana pede que a empresa "cesse com tal abusividade e ilegalidade e deixe de realizar ações semelhantes".

    MULTIPLATAFORMA
    A ação de marketing do SBT foi divulgada em sites sobre propaganda como um projeto multiplataforma que "aproveita o engajamento e alcance da personagem da novela, para divulgar o refrigerante da marca no Dia das Mães".

    "No product placement (merchandising) para a data, mãe e filha fazem um game para descobrir se conhecem de fato as preferências e gostos uma da outra, até chegarem à pergunta sobre a bebida preferida, cujas respostas de ambas coincidem para Dolly", diz nota publicada no AdNews.

    O Alana entende que práticas comerciais como as desenvolvidas pela emissora SBT e a marca de refrigerantes Dolly são abusivas e, portanto, ilegais, por desrespeitarem a proteção integral e a hipervulnerabilidade da criança, em patente violação ao artigo 227, da Constituição Federal.

    Fere também dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus artigos 36, 37, §2º, e 39, IV, todos do Código de Defesa do Consumidor, além da Resolução nº 163 do Conanda.

    Com uma legislação mais rígida, a própria indústria tomou iniciativas para limitar propaganda voltada a este público, seguindo normativas da Organização Mundial de Saúde diante de uma epidemia mundial de obesidade infantil.

    A Associação Brasileira de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas (Abir) orientou suas associadas a suspender a veiculação da publicidade para crianças menores de 12 anos, em abril de 2016.

    Em dezembro, um grupo de 11 empresas divulgou as bases do acordo de autorregulação chamado de Compromisso pela Publicidade Responsável para Crianças.

    Nele, comprometeram-se a não fazer anúncios de itens pouco saudáveis, como chocolate, refrigerantes ou manteigas. Também unificaram os critérios nutricionais mínimos que um produto deve ter para poder ser anunciado para o público infantil.

    Os signatários são Coca-Cola Brasil, Ferrero, Kellogg's, McDonald's, Nestlé, Unilever, PepsiCo, Mondelez, Mars, General Mills e Grupo Bimbo.

    OUTRO LADO
    Procurado, o SBT afirmou, por meio de sua assessoria de comunicação, que não recebeu nenhuma notificação do Procon sobre o tema. A Folha tentou contato com a empresa de refrigerantes Dolly para obter alguma manifestação sobre o caso e não obteve resposta.

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