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    Operações de combate ao trabalho escravo despencam no governo Temer

    NATÁLIA PORTINARI
    DE SÃO PAULO

    19/10/2017 02h00

    As operações de fiscalização de trabalho escravo realizadas pelo Ministério do Trabalho vêm caindo desde 2013, e despencaram com os cortes da União em 2017.

    Em 2017, foram 49 operações, ante 115 em 2016. O número de trabalhadores resgatados foi de 885, no ano passado, para 73 neste ano até setembro.

    Em março de 2017, o contingenciamento de gastos da União afetou os recursos destinados à Secretaria de Inspeção do Trabalho, do ministério, que perdeu 70% do orçamento que vinha do Tesouro Nacional —R$ 22 milhões de um total de R$ 31 milhões.

    A categoria dos auditores fiscais do trabalho vem se queixando da falta de estrutura. O último concurso foi realizado em 2013. Dos 3.644 postos, estão vagos 1.255, ou seja, 34,4% da mão de obra.

    Em julho, as fiscalizações ficaram paralisadas por falta de caixa —restavam apenas R$ 6 mil para usar até o fim de 2017. "O recado que estão dando é que estão de mãos dadas com os escravagistas", afirma o presidente do Sinait (Sindicato Nacional de Auditores Fiscais do Trabalho), Carlos Silva.

    No fim de setembro, o governo liberou R$ 5 milhões para toda a secretaria, mas não discriminou quanto vai para combate a trabalho escravo. O órgão fiscaliza também trabalho infantil, condições de saúde e recolhimento de tributos.

    "O número de resgatados não caiu porque tem menos trabalho escravo, e sim porque a secretaria ficou sem dinheiro para fiscalizar por boa parte do ano", afirma Matheus Magalhães, pesquisador do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).

    A "lista suja", que mostra a relação de empresas acusadas de trabalho escravo, ficou sigilosa por dois anos até o TST (Tribunal Superior do Trabalho) ordenar sua divulgação em março de 2017.

    "A redução de recursos é uma retaliação contra a Secretaria de Inspeção do Trabalho pela divulgação da 'lista suja'. A fiscalização vem caindo de 2010 para cá, mas nos últimos meses as represálias aos fiscais se tornaram mais agudas e mais concentradas", diz Magalhães.

    Em 10 de outubro, o chefe da Divisão de Fiscalização para a Erradicação do Trabalho Escravo, André Roston, foi exonerado. Ele havia se queixado da precariedade da verba da secretaria em uma audiência pública no Senado, em agosto, e, como antecipou o "Painel", deixou pronta uma atualização da "lista suja" com 132 empresas acusadas de usar trabalho escravo.

    PORTARIA

    Foi nesse contexto que, na segunda-feira (16), foi anunciada uma portaria proibindo a divulgação da "lista suja" sem autorização expressa do ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira (PTB). Antes, a divulgação cabia à área técnica da pasta, que era chefiada por Roston.

    A norma prevê que a lista seja divulgada no site do Ministério do Trabalho duas vezes por ano, "no último dia útil dos meses de junho e novembro". Uma portaria de 2016, porém, permitia que a atualização da lista ocorresse "a qualquer tempo", desde que não ultrapassasse periodicidade superior a seis meses.

    Na quarta-feira (18), os auditores responsáveis pela fiscalização desse tipo de crime no Ministério do Trabalho paralisaram as atividades em 21 Estados, em protesto contra a restrição orçamentária e a portaria.

    As novas regras também alteram o modelo de trabalho dos auditores fiscais e elencam uma série de documentos necessários para que o processo possa ser aceito após a fiscalização.

    Entre as medidas, está a necessidade de que o auditor fiscal seja acompanhado, na fiscalização, por uma autoridade policial, que deve registrar boletim de ocorrência sobre o caso. Sem esse documento, o processo não será recebido e, com isso, o empregador não será punido.

    Também é necessária a apresentação de um relatório assinado pelo grupo de fiscalização e que contenha, "obrigatoriamente", fotos da ação e identificação dos envolvidos.

    A portaria também tornou mais restrito o conceito de trabalho escravo, exigindo que haja "restrição à liberdade de locomoção da vítima".

    O Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público Federal consideram esse requisito ilegal, já que, desde 2000, a lei brasileira diz que bastam condições degradantes e análogas à escravidão para caracterizar o crime.

    A medida, que atende aos interesses da bancada ruralista, ocorreu em meio à análise da nova denúncia na Câmara dos Deputados contra o presidente Michel Temer, rejeitada pela Comissão de Constituição e Justiça nesta quarta-feira (18).

    Em 2013, quando foi votada a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) do Trabalho Escravo, o senador Romero Jucá (PMDB) tentou incluir a mesma mudança no conceito de trabalho escravo, sem sucesso.

    Editoria de Arte/Folhapress
    Trabalho escravo

    OUTRO LADO

    Para Bruno Freire e Silva, professor de direito do trabalho da FGV (Fundação Getulio Vargas), a medida do governo é necessária para garantir "ampla defesa" aos empregadores autuados.

    "A empresa não pode se defender de entrar na lista, então ela só será prejudicada se cometer a prática mais grave, que é cercear a liberdade."

    Em nota, o Ministério do Trabalho afirma que a portaria "aprimora e dá segurança jurídica à atuação do Estado Brasileiro, ao dispor sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo".

    Diz ainda que o combate ao trabalho escravo "vem recebendo todo o apoio administrativo desta pasta, com resultados positivos concretos relativamente ao número de resgatados, e na inibição de práticas delituosas dessa natureza, que ofendem os mais básicos princípios da dignidade da pessoa humana".

    "Reitera-se, ainda, que o Cadastro de Empregadores que submeteram trabalhadores à condição análoga a de escravo é um valioso instrumento de coerção estatal, e deve coexistir com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório", informa a pasta.

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