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    Especialistas em inteligência artificial faturam milhões no Vale do Silício

    CADE METZ
    DO "NEW YORK TIMES", EM SÃO FRANCISCO

    23/10/2017 16h59

    Reprodução/Google
    Campus do Google em Mountain View, na Califórnia
    Campus do Google em Mountain View, na Califórnia

    As empresas iniciantes do Vale do Silício sempre tiveram vantagem no recrutamento sobre os gigantes do setor: se você apostar em nós, receberá participação nas ações que o tornará rico caso a companhia consiga sucesso.

    Agora, a corrida do setor de tecnologia para incorporar a inteligência artificial aos seus produtos e serviços pode tornar esse argumento irrelevante —ao menos para os poucos profissionais que sabem muito sobre inteligência artificial.

    As maiores empresas de tecnologia estão fazendo grandes apostas na inteligência artificial, em áreas como reconhecimento facial em smartphones, aparelhos capazes de manter conversas, serviços de saúde computadorizados e veículos autônomos. E ao buscar esse futuro, elas vêm oferecendo salários espantosos até mesmo pelos padrões de um setor que nunca hesitou em pagar fortunas pelos melhores talentos.

    Os especialistas em inteligência artificial típicos incluem tanto pessoas que acabam de concluir seus doutorados quanto profissionais com grau inferior de educação mas dotados de alguns anos de experiência, e eles podem obter remuneração anual de entre US$ 300 mil e US$ 500 mil, em salários e ações das companhias que os contratam, de acordo com nove pessoas que trabalham para empresas importantes de tecnologia ou receberam propostas de emprego delas. Todos os entrevistados pediram que seus nomes não fossem revelados, porque não desejam prejudicar suas perspectivas profissionais.

    Nomes conhecidos no ramo da inteligência artificial recebem remuneração da ordem de milhões ou dezenas de milhões de dólares, em salários e ações de empresas, por contratos de quatro ou cinco anos. E alguns deles renegociam seus contratos periodicamente, como se fossem atletas profissionais.

    No topo da escala estão executivos experientes na gestão de projetos de inteligência artificial. Em documentos apresentados à Justiça este ano, o Google revelou que um dos líderes de sua divisão de carros autoguiados, Anthony Levandowski, que havia começado na empresa em 2007, faturou US$ 120 milhões em salários e incentivos antes que a start-up que ele criou ao deixar o Google fosse adquirida pela Uber, o que causou uma disputa judicial entre as duas empresas sobre propriedade intelectual.

    Os salários estão disparando tão rápido que há quem brinque que o setor de tecnologia talvez precise impor um teto salarial para os especialistas em inteligência artificial, como o que existe para os jogadores de futebol americano da NFL. "Isso facilitaria as coisas", disse Christopher Fernandez, um dos executivos de recursos humanos da Microsoft. "Facilitaria muito".

    Há alguns catalisadores para os grandes salários. O setor automobilístico está concorrendo com o Vale do Silício pelos mesmos especialistas capazes de ajudar a construir carros autoguiados. Empresas de tecnologia gigantescas como o Facebook e o Google também têm muito dinheiro para gastar, e problemas que, em sua opinião, a inteligência artificial pode resolver, como a criação de assistentes digitais para uso em smartphones, o desenvolvimento de aparelhos domésticos "inteligentes", e a implementação de sistemas que permitem identificar e remover conteúdo ofensivo.

    Acima de tudo, há uma escassez de talentos e as grandes empresas estão tentando obter o máximo possível deles. Resolver problemas complicados de inteligência artificial não é como criar um app de sucesso para um smartphone. No mundo inteiro, menos de 10 mil pessoas têm a capacitação necessária para conduzir pesquisas sérias de inteligência artificial, de acordo com o Element AI, um laboratório independente de pesquisa em Montreal.

    "O que estamos vendo não é necessariamente bom para a sociedade, mas representa comportamento racional para essas empresas", disse Andrew Moore, diretor de ciência da computação na Universidade Carnegie Mellon e antigo executivo do Google. "Elas estão ansiosas por garantir a contratação dessa pequena categoria de pessoas" capazes de trabalhar com a tecnologia de que necessitam.

    Os custos de um laboratório de inteligência artificial chamado DeepMind, adquirido pelo Google supostamente por US$ 650 milhões em 2014, quando a organização empregava cerca de 50 pessoas, servem para ilustrar a questão. No ano passado, de acordo com os resultados financeiros recentemente divulgados pelo Google no Reino Unido, os "custos de pessoal" do laboratório, que hoje tem 400 funcionários, haviam subido a US$ 138 milhões. Isso representa remuneração média de US$ 345 mil por trabalhador.

    "É difícil concorrer com isso, especialmente para as empresas menores", disse Jessica Cataneo, que trabalha em recrutamento de executivos na CyberCoders, uma empresa de recursos humanos.

    A vanguarda da pesquisa de inteligência artificial se baseia em um conjunto de técnicas matemáticas conhecidas como redes neurais profundas. Essas redes são algoritmos matemáticos capazes de aprender tarefas por conta própria ao analisar dados. Ao observar milhões de padrões em fotos de cachorros, por exemplo, uma rede neural pode aprender a reconhecer um cachorro. Essa ideia matemática remonta aos anos 50, mas tinha posição subalterna na academia e na indústria até cerca de cinco anos atrás.

    Em 2013, Google, Facebook e algumas outras empresas começaram a recrutar os relativamente poucos pesquisadores especializados nesse tipo de técnica. As redes neurais agora podem ajudar a reconhecer rostos em fotos postadas no Facebook, identificar comandos de voz dados a um assistente digital como o do sistema Amazon Echo, e traduzir idiomas estrangeiros automaticamente no serviço telefônico Skype, da Microsoft.

    Usando as mesmas técnicas matemáticas, pesquisadores estão melhorando os carros autoguiados e desenvolvendo serviços hospitalares capazes de identificar doenças e problemas de saúde em exames médicos, assistentes digitais que não só reconhecem palavras faladas mas as compreendem, sistemas automatizados de operação de ações, e robôs capazes de manipular objetos que nunca viram antes.

    Já que existem tão poucos especialistas em inteligência artificial disponíveis, as grandes empresas de tecnologia também estão contratando os melhores profissionais do mundo acadêmico, e no processo limitam o número de professores disponíveis para ensinar essas tecnologias.

    A Uber contratou 40 pessoas do inovador programa de inteligência artificial da Carnegie Mellon em 2015, para trabalhar em seu projeto de carros autoguiados. Ao longo dos últimos anos, quatro dos melhores pesquisadores de inteligência artificial do mundo acadêmico deixaram seus postos ou se licenciaram, na Universidade Stanford. Na Universidade de Washington, seis dos 20 professores de inteligência artificial agora estão de licença ou licença parcial a fim de trabalhar para empresas externas.

    "Há uma sucção gigantesca de acadêmicos para esse setor", disse Oren Etzioni, que está de licença de seu posto como professor da Universidade de Washington a fim de comandar o Instituto Allen de Inteligência Artificial, uma organização sem fins lucrativos.

    Alguns professores estão conseguindo encontrar um meio-termo. Luke Zettlemoyer, da Universidade do Washington, recusou emprego em um laboratório do Google em Seattle, que segundo ele lhe valeria salário mais de três vezes superior ao atual (cerca de US$ 180 mil por ano, de acordo com registros oficiais). Em lugar disso, ele optou por aceitar um posto no Instituto Allen que permite que continue a lecionar.

    "Há muitos professores que fazem isso, dividindo seu tempo entre a indústria e academia, em proporções diferentes", disse Zettlemoyer. "Os salários são muito mais altos na indústria, e as pessoas só fazem isso porque realmente se importam com o trabalho acadêmico".

    Para encontrar novos engenheiros de inteligência artificial, companhias como o Google e o Facebook estão conduzindo aulas para ensinar "aprendizado profundo" e técnicas relacionadas aos seus atuais funcionários. E organizações sem fins lucrativos como a Fast.ai e empresas como a Deeplearning.ai, fundada por um antigo professor de Stanford que ajudou a criar o Brain Lab do Google, oferecem cursos online.

    Os conceitos básicos do aprendizado profundo não são difíceis de apreender, e requerem pouco mais do que matemática em nível de segundo grau. Mas o conhecimento verdadeiramente especializado requer capacidade matemática mais significativa e um talento intuitivo que há quem defina como "arte obscura". E conhecimentos específicos são requeridos para áreas como carros autoguiados, robótica e saúde.

    Para manter o ritmo, empresas menores estão em busca de talentos em lugares incomuns. Algumas estão contratando físicos e astrônomos, que dispõem dos conhecimentos matemáticos necessários. Outras startups norte-americanas estão buscando profissionais na Ásia, Europa Oriental e outros lugares onde os salários são menores.

    "Não posso, e não quero, concorrer com o Google", disse Chris Nicholson, presidente-executivo e cofundador da Skymind, uma start-up de San Francisco que contratou engenheiros de oito países. "Por isso ofereço salários atraentes em países que subvalorizam seus talentos na engenharia".

    Mas os gigantes do setor estão fazendo o mesmo. Google, Facebook, Microsoft e outras empresas abriram laboratórios de inteligência artificial em Montreal e Toronto, onde estão realizando boa parte de suas pesquisas fora dos Estados Unidos. O Google também está contratando na China, onde a Microsoft tem forte presença há muito tempo.

    Não é surpresa que, na opinião de muitos, essa escassez de talentos deva persistir por anos.

    "É claro que a procura excede a oferta. E as coisas não vão melhorar em curto prazo", disse Yoshua Bengio, professor da Universidade de Montreal e renomado pesquisador de inteligência artificial. "São precisos muitos anos para obter um doutorado".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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