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    Ministra do STF concede liminar que suspende portaria do trabalho escravo

    LETÍCIA CASADO
    DE BRASÍLIA

    24/10/2017 12h04 - Atualizado às 14h33

    Pedro Ladeira/Folhapress
    BRASILIA, DF, BRASIL, 05-08-2015, 12h00: A ministra Rosa Weber. Plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) durante sessão presidida pelo ministro Ricardo Lewandowski na tarde de hoje. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
    A ministra Rosa Weber em sessão no Supremo

    A ministra Rosa Weber, do STF (Supremo Tribunal Federal), concedeu uma liminar (decisão provisória) para suspender os efeitos da portaria que altera as regras para a fiscalização do trabalho escravo.

    "A Portaria do Ministério do Trabalho nº 1.129/2017 tem como provável efeito prático a ampliação do lapso temporal durante o qual ainda persistirá aberta no Brasil a chaga do trabalho escravo", diz Rosa no texto da liminar.

    A decisão vale até que o caso seja julgado no plenário do STF, composto pelos 11 ministros. Não há prazo para isso. Caberá à presidente do tribunal, Cármen Lúcia, marcar a data do julgamento.

    "(...) Sem prejuízo de exame mais aprofundado quando do julgamento do mérito, defiro o pedido de liminar, ad referendum do Tribunal Pleno, para suspender, até o julgamento do mérito desta ação, os efeitos da Portaria do Ministério do Trabalho nº 1.129, de 13.10.2017", escreveu a ministra.

    Na segunda-feira (16), a portaria alterou a definição de trabalho escravo, os critérios de autuação e a forma de divulgação da chamada "lista suja", com o nome dos envolvidos nesse tipo de crime.

    O texto tornou mais limitado o conceito de trabalho escravo, exigindo que haja "restrição à liberdade de locomoção da vítima" para a ação ser enquadrada no crime.

    "A efetiva proteção ao trabalho concretiza um meio de assegurar ao ser humano um patamar mínimo de dignidade: a defesa do direito do trabalho é indissociável da própria defesa dos direitos humanos", diz a magistrada na decisão.

    Para Rosa Weber, o texto da portaria é omisso em relação à proibição de locomoção do trabalhador, ambíguo e deixa margem para interpretações em relação a conceitos importantes, como "trabalho forçado".

    Ela afirma que a portaria atrela os conceitos de "jornada exaustiva" e "condição degradante" à liberdade de locomoção, sendo que são situações independentes.

    "Por fim, a Portaria aparentemente afasta, de forma indevida, do conjunto das condutas equiparadas a trabalho realizado em condição análoga à de escravo, as figuras jurídicas da submissão a trabalho forçado, da submissão a jornada exaustiva e da sujeição a condição degradante de trabalho, atenuando fortemente o alcance das políticas de repressão, de prevenção e de reparação às vítimas do trabalho em condições análogas à de escravo."

    A magistrada aponta que a portaria fere direitos fundamentais e não tem base jurídica adequada.

    "Ao conferir às hipóteses configuradoras de trabalho em condição análoga à de escravo delimitação conceitual que, deficiente, não se ajusta à lei, ao direito internacional e nem à jurisprudência, a Portaria do Ministério do Trabalho nº 1.129/2017 debilita a proteção dos direitos que se propõe a proteger."

    Ela também aponta as consequências desta mudança nas regras para o Brasil perante à comunidade internacional.

    "Vale ressaltar que, a persistir a produção de efeitos do ato normativo atacado, o Estado brasileiro não apenas se expõe à responsabilização jurídica no plano internacional, como pode vir a ser prejudicado nas suas relações econômicas internacionais, inclusive no âmbito do Mercosul, por traduzir, a utilização de mão de obra escrava, forma de concorrência desleal."

    PEDIDO

    A ação pela suspensão da portaria foi levada ao Supremo pela Rede Sustentabilidade. No pedido, o partido afirma que a portaria foi editada "com o inconfessável propósito de inviabilizar uma das mais importantes políticas públicas adotadas no Brasil para proteção e promoção da dignidade humana e dos direitos fundamentais: a política de combate ao trabalho escravo".

    No texto, a Rede apontou cinco itens sobre a nova regra pelos quais a ministra deveria conceder o pedido e suspender os efeitos da portaria: restringe indevidamente o conceito de "redução à condição análoga a escravo"; condiciona a inclusão do nome de empregador na "lista suja" do trabalho escravo e a sua divulgação à decisão do Ministro do Trabalho, introduzindo filtro político em questão de natureza estritamente técnica; cria inúmeros, graves e injustificáveis embaraços burocráticos à fiscalização e à repressão do trabalho escravo realizada pelos auditores do trabalho"; concede anistia sub-reptícia aos empregadores já condenados por decisão irrecorrível; e elimina os requisitos mínimos antes exigidos para a celebração de Termos de Ajustamento de Conduta, viabilizando a "celebração de acordos absolutamente insatisfatórios, do ponto de vista da tutela dos direitos fundamentais e do interesse público".

    Para a magistrada, é possível que a nova norma cause lesão a preceitos fundamentais do cidadão.

    "Tenho por inequívoco que eventual lesão aos postulados da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (...) mostra-se passível de desfigurar a própria essência do regime constitucional pátrio", escreveu Rosa.

    REPERCUSSÃO

    A nova portaria foi criticada por contrariar regras da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e do código de processo penal.

    Na semana passada, a ONU (Organização das Nações Unidas) divulgou nota manifestando preocupação com a portaria.

    Nesta segunda (23), o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, reforçou a disposição do governo em promover alterações na portaria que redefine o trabalho escravo e sua forma de autuação.

    A decisão proibiu a divulgação da "lista suja" sem autorização expressa do ministro do Trabalho. Antes, a divulgação cabia à área técnica da pasta, que era chefiada André Roston, exonerado em 10 de outubro.

    A norma prevê que a lista seja divulgada no site do ministério duas vezes por ano, no último dia útil dos meses de junho e novembro. Uma portaria de 2016, porém, permitia que a atualização da lista ocorresse "a qualquer tempo", desde que não ultrapassasse periodicidade superior a seis meses.

    As novas regras também alteram o modelo de trabalho dos auditores fiscais e elencam uma série de documentos necessários para que o processo possa ser aceito após a fiscalização.

    Entre as medidas, está a necessidade de que o auditor fiscal seja acompanhado, na fiscalização, por uma autoridade policial, que deve registrar boletim de ocorrência sobre o caso. Sem esse documento, o processo não será recebido e, com isso, o empregador não será punido.

    Também é necessária a apresentação de um relatório assinado pelo grupo de fiscalização e que contenha, obrigatoriamente, fotos da ação e identificação dos envolvidos.

    Procurado, o Palácio do Planalto não se pronunciará sobre a suspensão da portaria. Segundo a assessoria, apenas o Ministério do Trabalho deve falar sobre o assunto.

    A medida, que agrada a bancada ruralista, uma das principais bases de sustentação de Temer no Congresso, foi editada em meio à tramitação da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer na Câmara.

    A votação em plenário sobre a admissibilidade da peça do Ministério Público está marcada para esta quarta (25). Apesar disso, o Planalto tenta se distanciar da portaria, polêmica.

    Em nota, o Ministério do Trabalho diz que vai cumprir a decisão, "embora se trate de uma decisão monocrática de caráter precário, concedida liminarmente sem ouvir a parte contrária" por Rosa Weber.

    O órgão diz também que o propósito de continuar aprimorando ações de combate ao trabalho escravo no país, o que só será alcançado "quando se garantir a plena segurança jurídica na divulgação do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo".

    A nota do ministério também afirma que o órgão "já havia decidido por aceitar as sugestões da procuradora-geral da República Raquel Dodge, no sentido de aprimorar a portaria recentemente editada, com a finalidade de se aliar segurança jurídica ao primado da dignidade da pessoa humana, certamente os dois pilares sobre o qual se edifica o Estado Democrático de Direito brasileiro".

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