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    Nova leniência mantém risco alto para colaboração de empresas sob suspeita

    RICARDO BALTHAZAR
    DE SÃO PAULO

    03/11/2017 02h00

    Reuters
    BBC. Repatriação de recursos não declarados: fim do prazo provoca correria em bancos suíços. Banco Central diz que uma estimativa da origem do montante repatriado estará disponível somente dentro dos próximos meses.
    O edifício-sede do Banco Central, que terá poderes para negociar acordos com bancos sob investigação

    O governo federal ganhou novos poderes para investigar bancos e empresas, mas os riscos para quem aceita colaborar com as autoridades continuam tão altos que podem inibir o uso dos instrumentos criados pela legislação.

    Uma lei aprovada pelo Congresso na semana passada reforçou as multas que o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários podem aplicar e autorizou as duas instituições a negociar acordos de leniência com infratores.

    Com isso, elas poderão obter mais rapidamente informações sobre irregularidades ocorridas no setor financeiro e no mercado de capitais, oferecendo redução de multas e outros benefícios a bancos e empresas que cooperarem.

    Mas a lei não garante aos colaboradores do Banco Central e da CVM proteção contra processos na área criminal e ações para reparação de prejuízos causados aos cofres públicos e a investidores, o que poderá tornar os novos acordos de leniência pouco atrativos, afirmam especialistas.

    Muitas infrações de caráter administrativo que o Banco Central e a CVM têm a missão de coibir se confundem com crimes. Os colaboradores precisarão reconhecer as irregularidades para receber os benefícios oferecidos pelos novos acordos de leniência.

    "A nova lei pode dar agilidade a processos administrativos e à obtenção de provas, mas muitos infratores vão preferir ganhar tempo para evitar riscos maiores", diz o ex-ministro Valdir Simão, que chefiou a Controladoria-Geral da União (CGU) em 2015.

    Um banco pode perder a confiança do mercado e quebrar se seus donos admitirem responsabilidade por infrações e se tornarem réus de processos criminais. Em casos menos extremos, em que os responsáveis forem funcionários de escalões inferiores, um acordo de leniência pode ajudar um banco a limpar a reputação e continuar de pé.

    IMUNIDADE

    Com a nova lei, chegam a quatro os órgãos do governo federal com poderes para negociar acordos de leniência com empresas envolvidas em irregularidades. Além do Banco Central e da CVM, a CGU e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) também podem fazer isso.

    A CGU investiga casos de corrupção e fraudes em licitações públicas e contratos do governo. A atuação do Cade é restrita a carteis, em que empresas concorrentes combinam preços ou dividem mercados, e outros crimes contra a ordem econômica.

    Assim como no caso do Banco Central e da CVM, os acordos feitos pela CGU não garantem às empresas imunidade contra ações do Ministério Público na área criminal. No caso do Cade, a imunidade é restrita aos crimes investigados pelo órgão.

    Nenhum dos acordos previstos pela lei livra as empresas do risco representado pelas ações de reparação de danos, que podem ser iniciadas pelo próprio governo, pelo Ministério Público ou pelo Tribunal de Contas da União.

    "A única maneira de evitar esses riscos seria coordenar a atuação dos vários órgãos e estabelecer regras mais claras para os acordos", diz a procuradora Samantha Dobrowolski, de um grupo criado pelo Ministério Público Federal para estudar o assunto.

    AUTONOMIA

    A articulação é difícil por causa das diferentes atribuições de cada instituição e da autonomia do Ministério Público, único ator envolvido nas negociações dos acordos de leniência com poderes para investigar crimes e acusar os responsáveis na Justiça.

    Empresas como a Odebrecht e a J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, que negociaram leniência com os procuradores e cujos executivos também fecharam acordos de delação premiada, tiveram bens bloqueados, perderam acesso a crédito oficial e ainda discutem a reparação dos danos que causaram.

    A empreiteira UTC, única que fechou acordo com a CGU, ainda enfrenta problemas com o TCU e o Cade. "Confessar um crime sem garantia de imunidade penal, sem que o Ministério Público seja parte do acordo, cria uma situação de alto risco para qualquer empresa", diz Viviane Muller Prado, professora da FGV Direito de São Paulo.

    *

    OS GUICHÊS DA LENIÊNCIA

    As opções para empresas e criminosos que aceitam colaborar com as autoridades

    > MINISTÉRIO DA TRANSPARÊNCIA E CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO (CGU)

    Alcance: Corrupção e fraudes em licitações públicas e contratos

    Quem pode ser beneficiado: Somente empresas

    O que o colaborador precisa entregar: Provas dos delitos investigados e identificação de todos os envolvidos nas irregularidades

    Condições: O colaborador precisa ser o primeiro a denunciar, cessar a infração e cooperar plenamente com as investigações

    Benefícios: Participar de licitações, contratar com o setor público, receber subsídios e crédito oficial, e redução de multa

    Reparação: A Advocacia-Geral da União, o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União podem cobrar reparação de danos aos cofres públicos

    Riscos: As empresas continuam sujeitas a ações de improbidade e punição na área criminal

    Quem já fez acordo: UTC

    > CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA (CADE)

    Alcance: Cartel e crimes contra a ordem econômica

    Quem pode ser beneficiado: Empresas e pessoas físicas

    O que o colaborador precisa entregar: Provas dos delitos investigados e identificação de todos os envolvidos nas irregularidades

    Condições: O colaborador precisa ser o primeiro a denunciar, cessar a infração e cooperar plenamente com as investigações

    Benefícios: Redução de multa e isenção de punição por crimes contra a ordem econômica, associação criminosa e fraude em licitações

    Reparação: A Advocacia-Geral da União, o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União podem cobrar reparação de danos aos cofres públicos, e outras vítimas do cartel podem buscar indenização

    Riscos: Punição por outros crimes, como corrupção

    Quem já fez acordo: Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Carioca, OAS e Setal

    > BANCO CENTRAL E COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM)

    Alcance: Infrações a normas do mercado financeiro e de capitais

    Quem pode ser beneficiado: Pessoas físicas, bancos e empresas

    O que o colaborador precisa entregar: Provas dos delitos investigados e identificação de todos os envolvidos nas irregularidades

    Condições: O colaborador precisa ser o primeiro a denunciar, cessar a infração e cooperar plenamente com as investigações

    Benefícios: Redução de multa e outras penalidades

    Reparação: A Advocacia-Geral da União, o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União podem cobrar reparação de danos aos cofres públicos, e investidores podem buscar indenização

    Riscos: Punição na área criminal

    Quem já fez acordo: Ninguém

    > MINISTÉRIO PÚBLICO

    Alcance: Corrupção, crimes financeiros e outros

    Quem pode ser beneficiado: Empresas e pessoas físicas, em acordos de delação premiada

    O que o colaborador precisa entregar: Provas dos delitos investigados e identificação de todos os envolvidos nas irregularidades

    Condições: O colaborador precisa ser o primeiro a denunciar, cessar a infração e cooperar plenamente com as investigações

    Benefícios: Participar de licitações e contratos e receber subsídios e crédito, além de redução de penas para pessoas físicas na área criminal

    Reparação: A Advocacia-Geral da União, o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União podem cobrar reparação de danos aos cofres públicos

    Riscos: Declaração de inidoneidade pela CGU ou pelo TCU

    Quem já fez acordo: Andrade Gutierrez, Braskem, Camargo Corrêa, Carioca, J&F, Odebrecht, Setal e outras

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