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    Indicação para o Fed pode ser menos inócua do que parece

    JOHN AUTHERS
    DO "FINANCIAL TIMES"

    02/11/2017 22h10

    Carlos Barria/Reuters
    U.S. President Donald Trump arrives shakes hands with Jerome Powell, his nominee to become chairman of the U.S. Federal Reserve at the White House in Washington, U.S., November 2, 2017. REUTERS/Carlos Barria ORG XMIT: rtw120
    O presidente Donald Trump (dir.) cumprimenta Jerome Powell, indicado para a presidência do Fed

    É tentador rotular como irrelevante a indicação de Jay Powell como próximo presidente do Fed, o banco central dos Estados Unidos.

    Ele é quase tanto um candidato do continuísmo quanto Janet Yellen teria sido caso reconduzida ao posto, porque é presidente de uma das unidades regionais do banco central e foi apontado para o banco central pelo presidente Barack Obama.

    As posições dele sobre política monetária, assunto sobre o qual não é especialista, não parecem ter divergido significativamente das posições de Yellen em nenhum momento, desde que ele entrou para o conselho de política monetária, e Powell jamais dissentiu de nenhuma das decisões do Fed na era Yellen. E é a política monetária que mais importa.

    Ao insinuar que apontaria Gary Cohn, e depois Kevin Warsh e John Taylor, o presidente deu a entender que estava interessado em uma indicação que mudasse a filosofia do Fed. Isso causou alteração perceptível nos rendimentos dos títulos, porque os investidores começaram a se preparar para a possibilidade de um banco central mais linha dura do que esperavam anteriormente.

    Essa apreensão começou a desaparecer quando surgiram vazamentos que preparavam o caminho para a indicação de Powell.

    Quando surgiram as primeiras reportagens de que Powell teria o cargo, depois do fechamento dos mercados na quarta-feira (1º), o mercado de títulos mal se moveu.

    Nesta quinta-feira (2), o debate parecia estar girando em torno da reforma tributária, antes mesmo que o anúncio formal sobre o Fed tivesse surgido.

    Infelizmente, a história tem o desagradável hábito de mascarar decisões momentosas.

    A política do Fed adentrou território inédito sob seus dois líderes mais recentes, com uma política monetária extremamente frouxa.

    Paul Volcker também conduziu o Fed a território sem precedentes no começo dos anos 1980, causando elevação de até 15% no rendimento dos títulos de dez anos do Tesouro dos Estados Unidos, em um esforço por eliminar a inflação.

    Nenhuma dessas indicações empolgou muito os mercados, tampouco, e nenhum desses líderes era visto como capaz de fazer diferença no banco central.

    Há motivos para temer que Powell não seja tão irrelevante quando parece. Se somarmos a ele a indicação de Taylor, o mais conhecido defensor de um Fed que siga estritamente as regras, para a posição de seu vice, Trump terá engendrado uma mudança de filosofia. Simplesmente trocar Yellen por Taylor seria uma manobra complicada.

    Segundo, Powell rompe uma longa sequência de economistas acadêmicos interessados em política monetária, no comando do Fed, e traz ao posto uma perspectiva mais próxima de Wall Street e um interesse maior em questões regulatórias.

    A regulamentação dos bancos talvez seja uma batata política ainda mais quente do que as questões monetárias. Há um longo histórico de consequências imprevistas quando as regras para os bancos são mudadas.

    E, terceiro, há a questão dos eventos. Ben Bernanke era especialista na Grande Depressão e tinha opiniões firmes sobre como o Fed deveria reagir a uma crise, mas jamais teria colocado essas opiniões em ação se uma crise não tivesse surgido durante seu mandato.

    Powell chega em meio a temores, de intensidade praticamente igual, de que as ações estejam a ponto de subir sem controle, como aconteceu na gestão de Alan Greenspan em 1999, ou de que os títulos estejam prontos para um crash, com disparada nos rendimentos, como aconteceu no início dos anos Volcker.

    Os dois eventos são mutuamente incompatíveis. Não há como ambos acontecerem. Mas caso qualquer um deles se concretize, a indicação de Powell virá a ser vista como de fato muito relevante.

    Se a primeira possibilidade o preocupa, isso implicaria em propor altas mais rápidas dos juros e em decidir que a inflação nos preços dos ativos (em alta) é inimigo tão sério quanto a inflação nos preços ao consumidor, que está paralisada. Isso pode elevar o risco de alta nos rendimentos.

    E essas preocupações sobre o rendimento dos títulos têm por foco o medo de que as reformas pós-crise tenham removido muitos bancos de suas posições dominantes no mercado de títulos, o que significa que a falta de liquidez exacerbaria qualquer onda de vendas.

    RISCO MORAL

    As ideias de Powell sobre a regulamentação podem facilitar esse problema, mas à custa do risco de um retorno do "risco moral", com os bancos trabalhando sob a suposição de que são grandes demais para falir.

    Outra preocupação é que a posição de Powell sobre essas questões é menos clara para o mercado do que as de seus predecessores o eram quando eles assumiram o posto. Isso aumenta o risco de incerteza e volatilidade, se o mercado decidir testá-lo.

    E o novo presidente do Fed será testado. Por enquanto, ele merece os melhores votos de todos, por ter um dos trabalhos mais difíceis do mundo à sua frente.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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