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    Lava Jato

    Disputa entre órgãos estatais sobre leniência gera insegurança jurídica

    SEBASTIÃO BOTTO DE BARROS TOJAL
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    03/11/2017 21h45

    Lula Marques - 18.abr.2009/Folhapress
    ORG XMIT: 265601_1.tif Fachada do TCU (Tribunal de Contas da União), em Brasília, DF. (Brasília, DF, 18.04.2009. Foto de Lula Marques/Folhapress)
    Fachada do TCU, em Brasília

    A experiência mais recente acerca do Estado brasileiro mostra-nos uma singularidade. É que convivem no âmbito estatal vários centros de gravidade, cada qual se orientando por interesses próprios, o que contribui para o comprometimento da centralidade e unidade do poder.

    Esse paradoxo encontra diferentes formas de expressão, que tendem a trazer sérias consequências para a sociedade. Uma delas está materializada hoje na disputa corporativista de vários órgãos estatais pelo protagonismo na celebração dos acordos de leniência, cada qual se orientando por premissas muitas vezes conflituosas entre si.

    Com efeito, Ministério Público, Ministério da Transparência, Controladoria-Geral da União, Advocacia-Geral da União e Tribunal de Contas da União estão, pelo menos no discurso formal, buscando enfrentar o tema da moralidade administrativa.

    Na medida, contudo, em que lhes falta uma diretriz comum, expressão de uma centralidade de poder, agem com enorme carência de racionalidade, retirando do acordo de leniência toda a sua potencialidade transformadora do status quo, que vem expressa nos próprios objetivos legais do instituto, isto é, permitir, a um só tempo, que as empresas que tenham cometido, por seus empregados e executivos, atos ilícitos de corrupção possam ressarcir o erário, fornecer informações e documentos que aparelhem novas investigações e implantar programas de integridade que orientem para o futuro de suas ações.

    Na prática, o que se tem observado é um enorme embaraço e desestímulo à celebração dos acordos e mesmo o oferecimento de obstáculos à própria efetividade dos acordos já celebrados.

    As consequências são visíveis. As investigações restam comprometidas, novas práticas, que poderiam estar orientadas por programas de integridade monitorados por órgãos responsáveis, não se implantam, e, por fim, o ressarcimento dos cofres públicos não se concretiza.

    Dessa forma, a insegurança jurídica produzida francamente conspira contra a moralização que os acordos de leniência deveriam viabilizar se, antes de mais nada, fossem compreendidos como instrumentos de política de Estado.

    SEBASTIÃO BOTTO DE BARROS TOJAL, advogado, negociou o acordo da UTC.

    *

    OS GUICHÊS DA LENIÊNCIA

    As opções para empresas e criminosos que aceitam colaborar com as autoridades

    > MINISTÉRIO DA TRANSPARÊNCIA E CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO (CGU)

    Alcance: Corrupção e fraudes em licitações públicas e contratos

    Quem pode ser beneficiado: Somente empresas

    O que o colaborador precisa entregar: Provas dos delitos investigados e identificação de todos os envolvidos nas irregularidades

    Condições: O colaborador precisa ser o primeiro a denunciar, cessar a infração e cooperar plenamente com as investigações

    Benefícios: Participar de licitações, contratar com o setor público, receber subsídios e crédito oficial, e redução de multa

    Reparação: A Advocacia-Geral da União, o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União podem cobrar reparação de danos aos cofres públicos

    Riscos: As empresas continuam sujeitas a ações de improbidade e punição na área criminal

    Quem já fez acordo: UTC

    > CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA (CADE)

    Alcance: Cartel e crimes contra a ordem econômica

    Quem pode ser beneficiado: Empresas e pessoas físicas

    O que o colaborador precisa entregar: Provas dos delitos investigados e identificação de todos os envolvidos nas irregularidades

    Condições: O colaborador precisa ser o primeiro a denunciar, cessar a infração e cooperar plenamente com as investigações

    Benefícios: Redução de multa e isenção de punição por crimes contra a ordem econômica, associação criminosa e fraude em licitações

    Reparação: A Advocacia-Geral da União, o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União podem cobrar reparação de danos aos cofres públicos, e outras vítimas do cartel podem buscar indenização

    Riscos: Punição por outros crimes, como corrupção

    Quem já fez acordo: Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Carioca, OAS e Setal

    > BANCO CENTRAL E COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM)

    Alcance: Infrações a normas do mercado financeiro e de capitais

    Quem pode ser beneficiado: Pessoas físicas, bancos e empresas

    O que o colaborador precisa entregar: Provas dos delitos investigados e identificação de todos os envolvidos nas irregularidades

    Condições: O colaborador precisa ser o primeiro a denunciar, cessar a infração e cooperar plenamente com as investigações

    Benefícios: Redução de multa e outras penalidades

    Reparação: A Advocacia-Geral da União, o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União podem cobrar reparação de danos aos cofres públicos, e investidores podem buscar indenização

    Riscos: Punição na área criminal

    Quem já fez acordo: Ninguém

    > MINISTÉRIO PÚBLICO

    Alcance: Corrupção, crimes financeiros e outros

    Quem pode ser beneficiado: Empresas e pessoas físicas, em acordos de delação premiada

    O que o colaborador precisa entregar: Provas dos delitos investigados e identificação de todos os envolvidos nas irregularidades

    Condições: O colaborador precisa ser o primeiro a denunciar, cessar a infração e cooperar plenamente com as investigações

    Benefícios: Participar de licitações e contratos e receber subsídios e crédito, além de redução de penas para pessoas físicas na área criminal

    Reparação: A Advocacia-Geral da União, o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União podem cobrar reparação de danos aos cofres públicos

    Riscos: Declaração de inidoneidade pela CGU ou pelo TCU

    Quem já fez acordo: Andrade Gutierrez, Braskem, Camargo Corrêa, Carioca, J&F, Odebrecht, Setal e outras

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