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    Família Murdoch pensa em dissolver seu império de mídia

    MATHEW GARRAHAN
    JAMES FONTANELLA-KHAN
    DO "FINANCIAL TIMES"

    08/11/2017 13h13

    Rupert Murdoch não está acostumado a erguer a bandeira branca e se render. Mas sua disposição de estudar a dissolução da 21st Century Fox e discutir a venda de seus principais ativos de cinema e televisão ao grupo Disney sugere que o magnata de 86 anos pode ter perdido o apetite por uma briga.

    As conversações foram iniciadas pela Disney e seu presidente-executivo, Bob Iger, de acordo com duas pessoas informadas sobre o assunto, e já foram descontinuadas. Mas o simples fato de que tenham se disposto a conversar mostra que Murdoch e seus filhos, Lachlan e James, na prática colocaram a Fox à venda, tornando-a alvo de empresas sedentas de conteúdo como o grupo de telecomunicações Verizon e a Charter Communications, de John Malone.

    Os Murdoch iniciaram o processo que pode levar ao desmantelamento de uma companhia que a família levou décadas para criar. Sem a escala oferecida por uma combinação com a rival Time-Warner —que rejeitou uma oferta de tomada de controle feita pela Fox três anos atrás—, uma dissolução pode ser a melhor escolha.

    O cenário da mídia já está passando por profunda mudança estrutural. O mercado mundial de televisão e de entretenimento filmado foi virado de cabeça para baixo pela Netflix e pelo crescimento do streaming digital. As receitas publicitárias estão sob pressão, agora que os assinantes estão abandonando seus pacotes de TV paga com múltiplos canais. Conglomerados de mídia um dia poderosos estão tentando descobrir a melhor resposta.

    Para os Murdoch, isso quis dizer conversar com um concorrente direto. "Não se pode recusar uma oferta para criar uma empresa maior e mais poderosa antes de ouvi-la", disse uma pessoa familiarizada com as discussões.

    Ainda assim, a perspectiva de Murdoch e os filhos contemplarem a venda de ativos valiosos como o estúdio de cinema, os canais de TV e os investimentos internacionais da Fox —a exemplo da operadora de TV paga Sky— atordoou os investidores.

    Os dois filhos de Murdoch assumiram posições de primeiro escalão na Fox em 2015, quando James se tornou presidente-executivo e Lachlan se tornou copresidente do conselho, em companhia de seu pai.

    "Depois que a tocha foi passada de Rupert a James e Lachlan..., a Fox estava estruturada para continuar como empresa sob controle familiar por muito tempo", afirmou Michael Nathanson, analista da MoffettNathanson, em nota de pesquisa. "A probabilidade de que James e Lachlan decidissem vender ativos não parecia muito alta na lista de prováveis futuros da empresa".

    Pessoas próximas às conversações, reportadas inicialmente pela rede de notícias CNBC, confirmaram que a participação de 39% da Fox na Sky estava entre os ativos incluídos na conversa para possível venda à Disney.

    Nos termos das discussões, a participação teria sido vendida em companhia do estúdio de cinema da companhia —que responde por séries de filmes como a dos X-Men—, de sua participação de 30% na plataforma de streaming digital Hulu, e de sua rede de TV a cabo FX, responsável por séries elogiadas como "The People vs OJ Simpson".

    Mas a aparente disposição dos Murdoch de abrir mão de sua participação na Sky, depois de muitos anos de esforço, duas ofertas de aquisição, e de muitas tentativas de contornar as complicações regulatórias para assumir controle pleno da empresa, intrigou especialmente os analistas.

    As conversações surgiram em um momento no qual a 21st Century Fox enfrenta escrutínio das autoridades regulatórias britânicas por sua oferta de tomada de controle da Sky, por 11,7 bilhões de libras, que já atraiu crítica de políticos britânicos.

    "Os Murdoch nunca vendem coisa alguma a menos que sejam forçados a fazê-lo —ou humilhados politicamente", disse Claire Enders, fundadora da empresa de pesquisa Enders Analysis. "Eles jamais gostaram de vender, e não precisam do dinheiro".

    James Murdoch estava pessoalmente envolvido na aquisição da Sky, ela disse. "Ele passou 10 anos tentando comprá-la. James sempre foi persistente".

    Seis anos atrás, a reputação da família sofreu um abalo por um escândalo envolvendo escutas telefônicas ilegais ordenadas por um de seus jornais, e Rupert Murdoch pediu desculpas aos parlamentares britânicos e retirou sua primeira oferta pela tomada de controle da Sky. "James e os Murdoch teriam muita reputação a ganhar se a [a mais recente] oferta for aprovada", diz Enders.

    Em meio à incerteza das negociações com a Disney —ou outros compradores que possam surgir para a Fox—, uma pessoa informada sobre as discussões disse que os Murdoch também poderiam se envolver na busca de transações que reforcem seus negócios.

    A tentativa de aquisição da Time-Warner pela AT&T encontrou obstáculos esta semana, depois que surgiram informações de que o Departamento da Justiça norte-americano estava considerando um processo para bloquear o acordo. O presidente norte-americano Donald Trump é crítico declarado da CNN, a rede de notícias da Time-Warner, o que levou a especulações de que poderia tentar bloquear a tomada de controle. "Se isso acontecer, Rupert voltaria ao ataque quanto à Time-Warner", disse uma pessoa próxima aos Murdoch.

    Mas uma dissolução do império Murdoch ainda parece a alternativa mais provável. Sob a estrutura discutida com a Disney, os Murdoch ficariam com uma rede de TV aberta nos Estados Unidos e sua carteira de direitos de transmissão de esportes, com a rede de notícias Fox News e com seus jornais no Reino Unido, Estados Unidos e Austrália, parte da News Corp, que eles também controlam.

    Caso eles não consigam uma transação que lhes propicie a escala que buscavam com a aquisição da Time-Warner, disse Rich Greenfield, analista da BTIG Research, é hora de os Murdoch abrirem mão de seus interesses nos ramos de cinema e entretenimento televisivo.

    "Está se tornando cada vez mais óbvio que o setor tradicional de mídia entrou em um declínio secular... e que a publicidade em TV está enfim perdendo o gás, com transferência cada vez mais rápida de verbas ao setor digital", ele escreveu em nota de pesquisa.

    "O comportamento do consumidor está mudando tão rápido que nenhuma companhia tradicional de mídia consegue acompanhar, e décadas de faturamento generoso estão sendo desordenadas pela Internet. Já que os ventos contrários estão cada vez mais fortes, acreditamos que a única maneira de maximizar o valor para os acionistas é vender", afirmou Greenfield.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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