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    'Governo Temer não entende o que é uma economia livre', diz economista

    ÉRICA FRAGA
    DE SÃO PAULO

    10/11/2017 02h00

    Dagoberto Nogueira/Mackenzie/Divulgação
    Lawrence Reed, presidente da FEE (Foundation for Economic Education). Crédito: Dagoberto Nogueira/Mackenzie/Divulgação DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM
    O economista americano Lawrence Reed

    O governo de Michel Temer tem perseguido reformas liberais por falta de alternativa, e não por convicção, diz o economista Lawrence Reed, presidente do instituto norte-americano Foundation for Economic Education.

    "Não acho que eles realmente entendam o que é uma economia livre. Eles não acreditam passionalmente nisso", diz o especialista.

    De acordo com ele, o Brasil, assim como os Estados Unidos e outras partes do mundo, vive um processo de corrosão do caráter, que faz com que as pessoas só pensem em si próprias. Isso limitaria o avanço de reformas que favoreçam o livre mercado, a competição e o empreendedorismo.

    "Conforme a economia melhorar aqui [no Brasil], espero que haja uma oportunidade para que as pessoas valorizem o caráter", diz Reed.

    O economista participou nesta semana de um fórum realizado em São Paulo pelo Centro Mackenzie de Liberdade Econômica e pelo UM BRASIL, plataforma multimídia FecomercioSP.

    Folha - Quais são as evidências de que o liberalismo é o melhor caminho para o desenvolvimento?

    Lawrence Reed - Se você olhar para os vários índices de liberdade econômica, vai ver que, repetidamente, países que são livres têm melhor desempenho econômico. Eles têm melhores condições de vida, produzem mais crescimento, mais saúde e felicidade para mais pessoas.

    Países com maior nível de controle estão do outro lado da escala.

    A China desafia essa noção?

    Na verdade, não, porque, quando a China tinha uma economia sem nenhuma liberdade por décadas, sob o comunismo, o país definhou na pobreza. Não foi até o país passar a adotar alguns aspectos do capitalismo, embora não todos, que a China começou a melhorar.

    A China conseguirá continuar crescendo com liberdade econômica, mas não política?

    O tempo dirá. Eu sou um daqueles que acham que é só uma questão de tempo até que a liderança chinesa seja pressionada por sua própria população a realizar uma abertura política também.

    As pessoas que conseguem entender que estão melhores economicamente por causa de mais liberdade econômica, mais cedo ou mais tarde, se perguntarão: por que não deveríamos ter abertura política também? Se é bom para nossa economia ter escolhas livres, empreendedorismo, responsabilidade, iniciativas privadas e competição, por que não deveríamos ter coisas assim –competição principalmente– na esfera política?

    Talvez isso demore algumas gerações, mas acontecerá.

    Por que o Brasil não vai bem nos índices de liberdade econômica?

    Um empreendedor brasileiro precisa passar por muita coisa para começar um novo negócio. Papelada, burocracia, atrasos, tributação elevada. Se vocês conseguissem se livrar disso, ficariam surpresos com a quantidade de pequenos negócios que surgiria. E é nesses pequenos empreendimentos que a maioria dos empregos é criada.

    O Brasil tem revezado ciclos de liberalismo e populismo. Por que é difícil sustentar uma agenda liberal?

    Acho que, até recentemente, havia muita tolerância em relação à corrupção, a como as coisas funcionam, à forma como os negócios são feitos. Com isso, a economia é liberalizada até certo ponto, mas as pessoas começam a fazer negócios com funcionários do governo, políticos. Surgem subsídios, favores especiais, protecionismo. Nesse cenário, suas conexões políticas, e não suas conquistas econômicas, passam a determinar o quão próspero você é.

    Isso faz com que muitas pessoas vejam a corrupção e achem que é liberalismo econômico, mas não é. É um sinal de que você precisa liberar a economia ainda mais e reduzir o tamanho do Estado de forma a reduzir as oportunidades para a corrupção.

    Até que ponto o baixo nível educacional de países como o Brasil é uma barreira ao florescimento do liberalismo?

    Acho que tem um exagero nisso. Sou a favor de que as pessoas recebam melhor educação, mas a educação em si não é garantia de uma sociedade mais livre. Os alemães, nos anos 1930, eram pessoas bem-educadas, que produziam grandes trabalhos de ar- te, filosofia, e veja como terminaram.

    Acho que o caráter é um componente importante. Você pode ser bem-educado, mas não ter caráter.

    Uma sociedade livre, liberal, precisa de pessoas que respeitam as vidas e as propriedades de outros, que são escrupulosas, comprometidas com a verdade, responsáveis por suas ações e não procuram culpar os outros por seu julgamento ruim.

    Isso significa que os brasileiros não têm caráter?

    Acho que, historicamente, o Brasil tem tido caráter forte. O problema é que a erosão do caráter tem sido comum agora em todo o mundo.

    Temos visto nos EUA pessoas que não planejam mais seu futuro, vivem para o presente, só pensam nelas próprias, e não na sociedade como um todo, que tentam conseguir coisas à custa dos outros, que não são honestas em todos os seus negócios.

    Acho que é um problema em toda a parte e que o Brasil, certamente, tem muito espaço para melhorar nisso.

    Por que a tentativa do atual governo brasileiro de implementar uma agenda liberal tem enfrentado tanta resistência?

    Tempos difíceis na economia sempre tornam as pessoas mais propensas a apoiar o intervencionismo, a ação governamental ou subsídios. Mas, conforme a economia melhorar aqui, espero que haja uma oportunidade para que as pessoas valorizem o caráter e decidam tornar a prosperidade, quando ela voltar a surgir, permanente, em vez de temporária.

    Mas o Brasil teve um governo considerado intervencionista há pouco tempo. As pessoas não o veem, então, como responsável pela crise?

    Muitos veem, mas acho que há muitos que ainda tentam encontrar respostas.

    O problema com a administração atual é que, embora esteja promovendo alguma liberalização aqui e acolá, faz isso porque precisa.

    Você quer um governo que faça isso porque quer fazer, porque acredita nisso, e não relutantemente porque é a única opção que resta.

    Espero que, no futuro, o Brasil possa, de alguma forma, eleger líderes que, de fato, acreditem, passionalmente, na liberdade e em mercados livres. E que consigam vender essas ideias para as pessoas, explicar para elas por que, no longo prazo, elas são as políticas mais benéficas.

    O governo atual não acredita no liberalismo?

    Não. Não acho que eles realmente entendam o que é uma economia livre. Eles não acreditam passionalmente nisso. Foram empurrados nessa direção por causa das condições e dos fracassos das políticas passadas, mas não porque realmente foram à escola e aprenderam o que é o liberalismo econômico.

    Reformas liberais não seriam muito custosas para a população brasileira nesse momento, após uma recessão tão severa?

    Acho que há alguma verdade nisso. O que precisamos fazer é explicar para as pessoas que, se alguns desses sacrifícios não forem feitos agora, não significa que não precisarão ser feitos um dia, só significa que eles precisarão ser ainda maiores.

    Mas esse é um problema que ocorre no mundo todo. Nos Estados Unidos, não conseguimos sustentar esses massivos deficit orçamentários, ano após ano, mas muitas pessoas pensam: desde que eu me safe, tudo bem.

    Mas o problema é: e o acontece com seus filhos, com seus netos? Eles vão herdar essas contas. E a resposta responsável é fazer a coisa correta hoje, de forma que tanto você quanto seus filhos possam viver melhores no futuro.

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    RAIO-X

    FORMAÇÃO
    Formado em economia pelo Grove City College. É mestre em história pela Uni-versidade Slippery Rock State University e doutor honorário em economia pelas universidades Central Michigan e Northwood

    CARREIRA
    Desde 2008, preside o think tank liberal Foundation for Economic Education (FEE)

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