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    Ajuste fiscal é política de Estado e vai além da eleição, diz diretor do Banco Mundial

    MARIANA CARNEIRO
    DE BRASÍLIA

    29/11/2017 02h00

    Adriano Machado/Divulgação
    Martin Raiser, diretor do Banco Mundial para o Brasil crédito: Adriano Machado/Divulgação DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM
    Martin Raiser, diretor do Banco Mundial para o Brasil

    O ajuste fiscal brasileiro é um desafio que vai além das eleições de 2018, afirma Martin Raiser, 49, diretor do Banco Mundial para o Brasil.

    No relatório apresentado na semana passada, o Banco Mundial recomendou ações que poderiam produzir uma economia de até 8,3% do PIB em dez anos, sem afetar os mais pobres. Entre elas, a cobrança de mensalidade em universidade pública.

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    Folha - Como tem sido as reações desde a divulgação das sugestões?

    Martin Raiser - Gostaria de destacar que a nossa ideia não era apresentar uma lista de recomendações. Era fazer um diagnóstico da situação fiscal do país. O trabalho começou com o [ex] ministro [Joaquim] Levy e foi bastante detalhado, envolvendo técnicos da Fazenda, do Planejamento, da Saúde, da Casa Civil e do Ipea.

    Nossa ideia principal era demonstrar que o Brasil tem que fazer um ajuste. Senão, entrará numa crise de dívida aguda. Segundo, é possível fazer esse ajuste de um jeito que reduza a desigualdade. Identificamos que o Estado brasileiro gasta mal e que suas transferências beneficiam mais os ricos do que os pobres. Dá para fazer um ajuste sem prejudicar os mais vulneráveis e os mais pobres.

    Acredita que as sugestões serão acolhidas pelos candidatos à Presidência em 2018?

    O ajuste é um desafio de médio prazo, que vai muito além das próximas eleições. A economia necessária é de 5% do PIB e, por isso, é um ajuste que vai decorrer de ações a serem tomadas nos próximos dez anos. É uma política de Estado, não de eleição, vai muito além do mandato do novo presidente.

    Vê espaço político para que essa agenda avance?

    Estudos internacionais demonstram que os ajustes são sempre mais bem-sucedidos em momentos de retomada da economia e do ponto de vista do crescimento econômico. Reduzir o gasto ineficiente tem mais impacto do que aumentar a receita. Um ajuste bem-sucedido não necessariamente significa prejuízo eleitoral, ao contrário.

    Embora mencionem no relatório, o aumento de impostos à parcela mais rica da população não entrou na lista de recomendações. Por quê?

    Estruturalmente, a crise fiscal brasileira não é de receita. A receita foi afetada pela recessão, mas, principalmente, o que se constata é um aumento estrutural do gasto nos últimos 15 anos. Não pode continuar desse jeito. Isso está ligado a regras de vinculação de despesas no Orçamento e, sem enfrentar esse gargalo, será muito difícil estabilizar as contas públicas. Mas isso não significa que não seja necessário fazer uma reforma para reduzir a desigualdade que vem da área tributária.

    Não é só o gasto público que beneficia mais a classe média e os de renda mais alta. Ricos e pobres pagam o mesmo imposto quando consomem e isso provoca uma desigualdade elevada na carga tributária.

    Se a nossa análise do gasto tivesse mostrado que todos os programas são bem desenhados e que ajudam a reduzir a pobreza, claro que daríamos mais ênfase do lado da receita. Mas nossa análise tem demonstrado que o gasto não está sendo bem alocado. O Estado está pegando dinheiro do pobre e dando para o mais rico, via subsídios e incentivos a setores industriais.

    Chamou atenção a disparidade entre o pagamento a funcionários públicos e os da iniciativa privada. O Brasil está fora do padrão no mundo?

    O serviço público no Brasil é de alta competência. Mas, mesmo tomando em conta a qualificação, o background desse funcionário, ele ganha muito mais do que a mesma pessoa ganharia no setor privado. É muito fora do padrão.

    Em quais outras áreas o Brasil está fora do padrão mundial?

    Na Previdência. É o maior gasto dos emergentes. Gasta o mesmo que o Japão, que tem uma população bem mais envelhecida. Em 20 anos, terá uma população tão envelhecida quanto a do Japão e o gasto será superior a 20% do PIB.

    Com a versão enxuta da reforma, apresentada pelo governo, aumenta a pressão sobre demais medidas de ajuste?

    Não chegamos a avaliar a nova proposta. Isso faz parte da discussão política e o Banco Mundial não vai entrar. Mas, se o Brasil não fizer a reforma, vai ter de fazer uma maior em pouco tempo. Mesmo com a reforma, o Brasil terá que fazer uma nova rodada em 7, 10 anos.

    Em sua avaliação, o ajuste já começou?

    Alguns passos foram dados, o teto [de gastos] é claro. A redução da desoneração da folha deveria ter continuado. Há propostas sendo discutidas sobre o salário do servidor.

    Se não enfrentarmos essa agenda, é certo que serão os mais pobres os afetados?

    Não é a primeira vez que o Brasil enfrenta um ajuste fiscal. Nas últimas vezes, esse ajuste veio pela inflação e são os mais pobres que sofrem mais quando a inflação sobe.

    Alguns ligaram as sugestões a uma agenda liberal.

    Não estamos contra incentivos à indústria, mas é preciso ter resultado. Em geral, essas políticas no Brasil têm pouca avaliação e, quando têm, não demonstram ter efeito algum. Na política social, o Banco Mundial sempre foi um grande apoiador e admirador do Bolsa Família. O relatório mostra que o programa faz uma transferência importante para a faixa mais pobre da população. É um exemplo de política que é avaliada, dá certo, e que daria para ampliar.

    No caso do ensino superior, países como o Chile estão tentando reverter o caminho do ensino 100% privado para melhorar a desigualdade.

    As políticas para aumentar o acesso ao ensino superior estão nas universidades privadas, com o ProUni e o Fies. Nos últimos anos, houve expansão significativa de acesso à universidade publica, mas os mais pobres ainda representam 20% dos estudantes das universidades federais –65% dos alunos estão entre os 10% mais ricos da população. Ao introduzir uma contribuição para a parcela mais rica, seria possível ampliar o acesso ao ensino.

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    RAIO-X

    Formação doutor em economia pela Universidade de Kiel (Alemanha)

    Atuação há dois anos no Brasil, está no Banco Mundial desde 2003. Foi diretor do Banco Mundial para a Turquia. Comandou a instituição na Ucrânia, em Belarus e em Moldova. Foi diretor do Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento

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