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    Rejeição ao estrangeiro é algo que preocupa, diz diretor da OMC

    SYLVIA COLOMBO
    DE BUENOS AIRES

    10/12/2017 02h00

    Denis Balibouse/Reuters
    Roberto Azevedo, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), gesticula durante uma entrevista na sede da OMC em Genebra, Suíça, 22 de novembro de 2017.
    Roberto Azevêdo, que comanda a OMC (Organização Mundial do Comércio) desde 2013

    Em Buenos Aires, onde ocorre a partir deste domingo (10) a Conferência Ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio), o diretor do órgão, Roberto Azevêdo, disse que "é uma coisa preocupante" a atual tendência, encabeçada pelos EUA e seguida por alguns países, de "rejeitar o estrangeiro, o importado, o global".

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    Protecionismo dos EUA
    Certamente a posição de Washington faz parte do cenário, mas vejo a posição da administração americana como integrante de um cenário maior, que é de um discurso antiglobalização, anticomércio, que não está presente só nos EUA, há vários países seguindo.

    Não é uma tendência majoritária, mas você vê a discussão ocorrendo em países que eram tradicionalmente abertos para o comércio, para uma maior cooperação econômica internacional. E agora vemos esse movimento, nesses países, de rediscutir essa abertura em razão de coisas que são muito distintas do comércio.

    Na verdade, muitas vezes não têm nada a ver com o comércio, e sim com o temor de perder o emprego. Em 80% das vezes o emprego é perdido para novas tecnologias, e não para produtos importados.

    Então eu vejo essa tendência de rejeitar o estrangeiro, o importado, rejeitar o global como uma coisa preocupante porque pode levar a atitudes e a políticas contraproducentes justamente num momento em que nós precisamos de uma maior aceleração da economia mundial, para criar empregos e oportunidades.

    Combate à antiglobalização
    O primeiro passo é tentar introduzir um pouco mais de racionalidade numa conversa que tem muito pouco de racional. A maior parte dessas discussões é emocional. Porque o argumento de que a abertura comercial e a maior integração com o mundo são um aspecto positivo para a economia do país não é um consolo para a pessoa que perdeu o emprego. E a perda é muito mais visível, mais emotiva, do que o ganho.

    Então, a pessoa que perdeu o emprego, as comunidades que estão se sentindo afetadas tendem a ser mais vocais, mais ativas e a se mobilizar mais politicamente.

    Não estamos negando que existam tensões no mercado de trabalho, em parte provocada pela abertura comercial, mas fechar o comércio não é a solução. Pelo contrário, vai agravar a situação.

    Temas do encontro
    Não se pode ter uma conferência da OMC sem discutir agricultura. Será sempre um pilar muito importante.

    Além da agricultura, na pesca faremos uma tentativa de dar um primeiro passo num controle aos subsídios.

    E comércio eletrônico e as pequenas e médias empresas também também estão entre os temas prioritários.

    Comércio eletrônico
    O problema de qualquer conversa sobre comércio eletrônico é tentar entender o que é comércio eletrônico, que é um universo muito pulverizado. Há muitas atividades hoje que caberiam sob esse rótulo.

    Mas temos de ter presentes que a ideia não é de limitar, ou dificultar, mas sim viabilizar, como fazer com que pequenas e médias empresas, os cidadãos de uma maneira geral, os governos e as indústrias se beneficiem das tecnologias que viabilizam a economia digital.

    A OMC pode ajudar facilitando informação, compatibilizando plataformas, criando mecanismos de proteção ao consumidor. Há muito que pode ser feito, mas a ideia geral tem de ser a de viabilizar.

    Quando se fala em comércio eletrônico, as pessoas só pensam na importação, que produto vai entrar e tirar o trabalho de alguém. Não se pensa na exportação. O comércio eletrônico poderia viabilizar negócios e empregos de milhares de empresas argentinas que hoje estão fora do mercado internacional. Esse lado muitas vezes é perdido nessa conversa.

    Incentivo a montadoras
    O que eu disse quando passei pelo Brasil recentemente foi que a OMC não impede que os países adotem mecanismos de incentivo à sua indústria. Tem limitações –algumas muito básicas. Uma delas é que você não pode introduzir obrigações de conteúdo doméstico para que a empresa se beneficie do apoio governamental.

    A outra é o de não ter metas exportadoras. Você não pode dar para uma empresa um benefício com a obrigação de que aquela empresa atinja metas de exportação.

    Mas, de maneira geral, uma vez que você evite essas duas condicionantes, há espaço para fazer muita coisa.

    Eu não conheço a discussão da Rota 2030 [nova política industrial para o setor automotivo] nem compete a mim como diretor-geral da OMC participar dela, mas há muito espaço para fazer coisas que levem a uma situação de maior competitividade, porque a meu ver uma política industrial bem-sucedida não é a que gera dependência do apoio governamental, e sim a que leva à competitividade e independência do setor industrial dos apoios governamentais.

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