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    Jogaram no lixo o que foi pactuado conosco, diz acionista do aeroporto de Confins

    JOANA CUNHA
    DE SÃO PAULO

    15/12/2017 02h00

    Divulgação
    Aeroporto de Confins, em Minas Gerais
    Aeroporto de Confins, em Minas Gerais

    Uma crítica frequentemente direcionada à gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, de que o governo não respeitava contratos e causava insegurança entre investidores, se volta agora ao governo Michel Temer.

    A decisão de outubro que reabriu o aeroporto de Pampulha, em Belo Horizonte, para operar grandes jatos comerciais, impondo à concessionária BH Airport, do aeroporto internacional de Confins, uma concorrência inesperada, assustou os sócios privados.

    O empreendimento de Confins, a 38 km da capital, foi concedido em 2014, numa época em que Pampulha atuava só com aeronaves de menor porte, com aviação executiva e regional no Estado.

    Os acionistas privados, Grupo CCR e Aeroporto de Zurich, que têm 51% de Confins, tiveram a estatal Infraero como sócia obrigatória com 49%, conforme determinava o modelo de privatização usado pelo governo Dilma.

    Hoje, eles estão na Justiça, pedindo que Pampulha —que é 100% da Infraero— permaneça com abrangência reduzida porque a concorrência que ela representa desmonta as projeções feitas pelos investidores privados, antes de se interessarem por Confins.

    A liberação de Pampulha para os voos comerciais é um desejo antigo do ex-deputado Valdemar Costa Neto, ex-presidente do PR e condenado no mensalão, que tem forte influência na Infraero.

    A recente decisão de liberar Pampulha contraria uma outra, de maio, do mesmo governo. No primeiro semestre, o Conselho de Aviação Civil havia soltado uma portaria encerrando as pretensões da Infraero de liberar Pampulha.

    Neste semestre, porém, às vésperas da denúncia da Procuradoria-Geral da República na Câmara contra Temer, a decisão foi revertida, e Pampulha, liberada.

    Os votos do PR a favor de Temer também pressionaram pela decisão do governo de cancelar os planos de privatizar Congonhas, em São Paulo.

    Sem mencionar o presidente Temer, Renato Alves Vale, presidente da CCR, afirma que foram razões políticas que orientaram a decisão.

    "O que causa espanto para qualquer investidor é que tudo o que foi pactuado e construído foi jogado no lixo simplesmente por uma motivação política. É um recado muito ruim para qualquer investidor", diz Vale.

    Ele descreve o desconforto do sócio suíço e se diz surpreso com a agilidade com que a liberação de Pampulha foi coordenada pelos órgãos do governo, apesar do prejuízo que essa medida pode trazer à própria Infraero.

    Em fevereiro, um documento do Ministério dos Transportes recomendou o veto à proposta da Infraero de retomar os jatos em Pampulha.

    Nas contas do estudo, o retorno que a estatal teria com a expansão de Pampulha não compensaria as perdas que ela teria enquanto sócia de 49% de Confins.

    Neste mês, o BNDES informou a concessionária que precisava reavaliar o impacto do novo cenário de concorrência antes de liberar um empréstimo em torno de R$ 500 milhões para dar suporte ao investimento feito em Confins nos últimos anos.

    A questão foi parar na Justiça, mas as companhias aéreas já querem vender passagens em Pampulha.

    Procurada, a Infraero diz que "tem conhecimento dos novos estudos sobre os impactos e conta com o BNDES para dar continuidade a seu plano de negócios". A estatal diz que segue diretrizes do Ministério dos Transportes.

    Folha - Quanto a concessionária investiu em Confins e como está o financiamento?

    Renato Vale - Fizemos mais de R$ 1 bilhão de investimento em três anos, parte com recursos do BNDES, parte dos sócios.
    O empréstimo-ponte [de curto prazo] vence em janeiro.

    Quando o BNDES toma conhecimento da reabertura de Pampulha, ele decide repensar o financiamento de longo prazo porque está baseado num fluxo de passageiros que pode não se confirmar. O BNDES tem toda a razão de questionar. Quer ver se ainda faz sentido colocar o financiamento de longo prazo.

    A posição do BNDES confirma que Pampulha gera impacto em Confins?
    Mostra que [o banco] está preocupado em que vai haver uma queda importante no fluxo de passageiros. Por enquanto, o BNDES só falou que quer reestudar. Ele já informou que está avaliando postergar [o vencimento do empréstimo-ponte marcado para janeiro].

    Isso em geral tem um custo. Já é um prejuízo que um dos sócios está causando. Vai custar alguns milhões. Hoje, o que temos na mesa? Não temos mais a garantia do financiamento de longo prazo e vamos discutir como lidar com essa extensão de prazo do empréstimo-ponte.

    O que acontece se não vier o financiamento?
    Estamos dispostos a colocar dinheiro nosso. Não podemos deixar de pagar ao banco.

    E a Infraero? Também paga? Ela tem dinheiro?
    Quem toma as decisões há de ter responsabilidade e arcar com elas. Nossa expectativa é que o sócio cumpra com suas obrigações formais.

    A alternativa de pagamento via sócios, Infraero inclusive, não deixa de ser uma ferramenta de vocês para pressionar a estatal. Vocês têm esperança de que ela desista de abrir Pampulha?
    Não. A Infraero é um instrumento nessa conversa. A decisão não é dela. Ela pediu para voltar a operar Pampulha com orientações.

    A Infraero não ia fazer um pedido seis meses depois de ter uma nota que desautorizava os voos em Pampulha. E o pedido foi aprovado em 14 dias tendo um parecer contrário, sem fazer nem uma audiência pública, uma consulta, sem procurar nenhum órgão de ambiente? As companhias aéreas já estão pedindo autorização de voo e vendendo passagem.

    As companhias aéreas podem se prejudicar se abrirem voo no meio da briga jurídica?
    Nós tivemos o cuidado de notificar todas as companhias. Dissemos: "Cuidado! Nós estamos vivendo uma pendência entre os sócios e entendemos que não podia ter sido dada essa autorização".

    Isso impacta a imagem da concessão de outros aeroportos?
    Havia manifestações do ministério de que a vocação de Pampulha é só regional. No momento em que tudo isso é desprezado, contra todas as contas feitas por eles mesmos, isso mostra que o que foi pactuado entre os sócios não tem importância para o poder concedente. O que vale é uma necessidade política.

    Não valeu nada do que estava estabelecido no processo inteiro do aeroporto de Confins. Eles dizem que lá [no edital] está dito que, se tiver um novo aeródromo, o risco é do concessionário. É. Se alguém fizer um novo aeroporto 50 km para a esquerda de Confins, não posso fazer nada. Realmente. Mas não é razoável recompor, com prejuízos para ambas as partes, um aeródromo obsoleto.

    Por que a CCR não entrou na última rodada de concessões no primeiro semestre?
    Não acreditamos nos estudos de demanda do governo.

    Vocês são gato escaldado? A crise de Confins não foi só Pampulha. Também teve queda na demanda prevista. Tiveram de investir para elevar a capacidade do aeroporto a 22 milhões de passageiros por ano, mas só têm 11 milhões.

    Mas esse é risco nosso. Estamos dispostos a correr. Nós ganhamos, assinamos o contrato em 2014, no início da crise. Foram três anos bravos. Isso é parte do risco. Perdemos, mas acreditamos que depois vamos ganhar, que vai recuperar essa demanda e até ter mais.

    O que não é do nosso negócio é mudar o que estava pactuado, o jeito de operar. Ter um aeroporto velho fazendo voos nacionais, tirando não só demanda direta, mas toda a conectividade de Confins, isso não é do nosso jogo.

    Infraero é um mau sócio?
    Enquanto acionista, nos investimentos e nas decisões do negócio Confins internamente, temos zero restrição. Eles se posicionam corretamente, as coisas funcionam. Essa mesma Infraero, não como sócia, vai lá e pede para reabrir Pampulha. Isso não é a Infraero. É o instrumento de uma decisão política.

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    RAIO-X

    Cargo

    Presidente da CCR desde o início das atividades da companhia, em 1999

    Formação

    É graduado em engenharia civil, pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)

    Trajetória

    Ocupou cargos de direção em construtoras nacionais, foi diretor de engenharia da CCR NovaDutra e presidente da CCR AutoBAn

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