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    Previdência

    Previdência perde contribuintes mais ricos; pejotização agrava o problema

    ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
    DE SÃO PAULO

    17/12/2017 02h00

    Mudanças no mercado de trabalho brasileiro têm ampliado a fatia dos "sem previdência" e contribuído para o rombo no sistema de aposentadorias e pensões.

    Os números do INSS mostram que vêm minguando os contribuintes assalariados de maior renda. De 1996 a 2015, o contingente dos que recebem acima de sete salários mínimos (equivalente a R$ 6.559 em 2017) encolheu 14%.

    Numa faixa superior, a dos que ganham mais de 15 salários mínimos, a redução foi mais que o dobro: 33%.

    Isso significa que um número menor de pessoas paga contribuições mais altas, num sistema em que, ano a ano, as despesas crescem em velocidade superior à das receitas (veja quadro acima).

    Um dos principais motivos para o "sumiço" dos contribuintes assalariados com valor mais alto é que eles estão virando empresas, dizem economistas, num movimento que vem se agravando.

    De 2009 a 2015, o número de contribuintes não empregados (trabalhadores por conta própria, empresários e outros) cresceu a taxas maiores do que o de empregados; ao mesmo tempo, a queda de empregados com maiores salários acelera.

    O impacto sobre as contas da Previdência só não é maior porque a fatia de contribuintes com salário maior que o teto tem se mantido estável: entre 5% e 6% desde 2004, quando houve o último aumento real do valor do teto.

    REFORMA DA PREVIDÊNCIA
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    OS SEM PREVIDÊNCIA

    O fenômeno em que trabalhadores mais qualificados deixam de ser contratados como pessoa física por uma empresa e passam a prestar serviço como pessoa jurídica é chamado de "pejotização".

    O arranjo interessa tanto aos empregadores quanto aos profissionais —os primeiros passam a pagar menos contribuição sobre a folha de salários, e os segundos, menos Imposto de Renda.

    Cálculos do especialista em tributação Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal, mostram que, sobre honorários de R$ 30 mil, um empregado paga tributos de R$ 4.285, e seu empregador, de R$ 11.379.

    Como sócio de uma empresa sob o regime de lucro presumido, o mesmo profissional paga R$ 1.181 como pessoa física e R$ 4.899 como jurídica -valor que cai para R$ 1.962 no regime do Simples.

    Sobra mais dinheiro no bolso desses trabalhadores, mas eles ficam mais descobertos para o futuro. Um dos motivos é que, para pagar menos tributos, a maioria dos PJs declara um salário mínimo como pró-labore -e recolhe a contribuição previdenciária sobre esse valor.

    Quando se aposentar, vai receber do governo uma aposentadoria equivalente, hoje, a R$ 937. Para complementar a renda, seria preciso fazer poupança própria para o período de aposentadoria.

    Pesquisa Datafolha, porém, mostra que a maioria não toma esse cuidado.

    Não têm previdência privada 91% dos não assalariados (como donos de empresa, informais e desempregados), e 60% não fazem aplicações financeiras com esse intuito.

    Mesmo entre os mais ricos, 77% não têm plano privado de aposentadoria e 45% não poupam. Em qualquer faixa de renda, menos de um terço dos trabalhadores sem registro em carteira contribui voluntariamente para o INSS.

    Pelas regras atuais, esses profissionais também não têm acesso a planos fechados de aposentadoria complementar.

    'REFORMA PRIVADA' É URGENTE, DIZ ECONOMISTA

    "Todos olham hoje para a reforma da Previdência Social, mas é preciso urgentemente mudar a previdência privada", diz José Roberto Afonso, pesquisador do Ibre/FGV e professor do IDP (Instituto de Direito Público de São Paulo).

    "Não só sob o enfoque de macroeconomia mas também de proteção social." Para Afonso, boa parte da classe média se arrisca hoje a ficar descoberta no final da vida.

    Se o mercado de trabalho não se restringe à fórmula empregado-empregador, os fundos de pensão deveriam deixar de ser apenas ligados a corporações e passar a atender grupos de empresas menores, federações setoriais ou associações de profissionais.

    Mas as regras dessa previdência —criadas para impedir desvios em grandes estatais- mostram-se complexas, custosas e rígidas para empresas médias, diz Afonso.

    Segundo o economista, o setor ficou congelado no tempo. Uma das evidências é que há mais de dez anos não se cria um novo fundo de previdência complementar patrocinado por uma empresa.

    A pesquisa Datafolha mostra que mesmo entre os assalariados, que poderiam ter previdência complementar, só 14% têm plano privado.

    "É preciso rever todos os processos de regulação financeira e previdenciária, dos planos fechados e abertos, e ter políticas públicas que atraiam mais gente para poupar em aplicações de longo prazo", diz Afonso.

    Luciano Veronezi/Editoria de Arte/Folhapress
    A DANÇA DAS FATIASComo o novo mercado de trabalho está afetando a Previdência

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