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    Previdência

    Mesmo sem reforma, há saída para reduzir gasto, diz consultor do Senado

    LAÍS ALEGRETTI
    MARIANA CARNEIRO
    DE BRASÍLIA

    27/12/2017 02h00

    Nos últimos dias, um estudo do consultor do Senado Pedro Fernando Nery, 30, começou a circular entre governistas. A leitura corrente é que a pesquisa comprova que votar a favor da reforma da Previdência rendeu votos aos deputados em 1998.

    Não é bem assim. Em entrevista à Folha, ele afirma que o voto na Previdência não influenciou, nem para o bem nem para o mal. E o mais relevante para a reeleição foi a verba destinada a emendas –obras incluídas no Orçamento pelos parlamentares nas regiões que os elegeram.

    Um dos especialistas mais ativos nas redes sociais, com opiniões geralmente favoráveis à reforma, Nery afirma que o governo tem alternativas para reduzir gastos na Previdência caso não consiga os votos necessários para uma PEC (proposta de emenda constitucional) –na Câmara, por exemplo, é preciso o apoio de ao menos 308 dos 513 deputados.

    *

    Folha - Sem a reforma, o que o governo pode fazer para economizar?

    Pedro Fernando Nery - Supondo que o governo tenha votos para aprovar projetos de lei, mas não uma PEC [ proposta que requer apoio de 60% dos parlamentares], há uma série de medidas que pode fazer, como Fernando Henrique Cardoso fez em 1999 com o fator previdenciário [fórmula que reduz o valor do benefício para quem se aposenta mais cedo].

    Pode ajustar a forma de cálculo da [aposentadoria] da iniciativa privada, com impacto grande no curto prazo –por exemplo, extinguir a fórmula 85/95 e criar um fator previdenciário mais duro.

    O governo pode elevar ainda mais a contribuição dos servidores –agora estão tentando elevar para 14%. Pode reduzir também a pensão por morte no INSS.

    Há outras mudanças que geram economia, mas que não são tão progressivas [que preservam os mais pobres].

    O governo pode mexer em quase tudo do BPC [benefício a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda], pode alterar critérios para comprovar tempo de contribuição na atividade rural. No entanto, seria incoerente depois de ter retirado esse público da atual proposta.

    Em 1998, a reforma impactou o resultado das eleições?

    O grupo que votou favorável à reforma teve mais deputados reeleitos do que quem votou contra, mas essa variável não afetou positiva ou negativamente.

    Cálculos do Carlos Pereira e Lúcio Rennó [no estudo "O que É que o Reeleito Tem?"] mostram que, na eleição de 1998, a probabilidade de reeleição foi 25% maior para um parlamentar que teve todas as suas emendas executadas. Ou seja, não é consequência de votar a favor da reforma, mas o fato de ter apoiado o governo que impactou na reeleição.

    Um governo bem-sucedido na eleição ou um governo que tem verba para distribuir?

    As duas coisas. E aí tem um alerta sobre transportar os resultados para 2018.

    Primeiro, em 1998, o governo era formado por uma coalizão que tinha perspectiva de se manter no poder. Fernando Henrique Cardoso foi reeleito [venceu Lula no primeiro turno, com 53% dos votos].

    E o cenário eleitoral era mais definido do que o de agora. A gente mal sabe quem será o candidato governista.

    Para se reeleger, o deputado deve pensar mais nas emendas do que na Previdência?

    Não dá para saber se vai ser igual no ano que vem, pode ser menos porque este governo é mais fraco. Mas pode ser mais porque os recursos estão mais escassos e a emenda pode ser um chamariz maior agora, que o financiamento privado [às campanhas eleitorais] não existe.

    E o que há de semelhante?

    Uma questão que persiste de 1998 para 2018 é uma reforma focada na Previdência urbana e funcionalismo. Não atinge população rural e Benefício de Prestação Continuada. Também tende a ser menos impopular no Norte e no Nordeste, que não só têm população mais jovem mas também é menos atendida pelos benefícios que estão sendo reformados.

    A reforma de agora retoma a discussão sobre a idade mínima, como em 1998. A resistência é maior agora?

    Acho que sim, as redes sociais, ainda que não sejam determinantes nas eleições, são um instrumento a mais de pressão.

    Se em 1998 a população tinha que vir ao Congresso Nacional, agora pode ficar no Twitter, no Facebook, pode ter o WhatsApp do deputado.

    Quem defende a reforma diz que tem mentira circulando, as chamadas fake news.

    Já foi algo que prejudicou muito a reforma, a disseminação de informações falsas nas redes sociais. É algo que o governo tem dificuldade de contornar.

    Também é uma frustração que muitos técnicos têm, de estudar o assunto e ver que a informação que está mais disseminada não tem tanto amparo assim...

    As informações falsas são má-fé ou falta de conhecimento?

    As ideias são muito sedutoras. O noticiário está sempre eivado de corrupção e aí vem um vídeo no WhatsApp que diz que o governo desvia recurso da Previdência Social e que não existe necessidade de reforma. Para boa parte da população, esse é um argumento que faz sentido, que ressoa. É o que você vai compartilhar com seu vizinho, o que provoca medo, preocupação. Então embora ela possa ter sido criada por má-fé, sobrevive quase sem esforço de quem a originou.

    Qual a pior notícia falsa?

    Quando você espalha que o pobre não vai se aposentar, ou que ele vai morrer antes de se aposentar.

    É justamente o contrário, porque as pessoas estão vivendo mais e recebendo benefício por mais tempo. Provocar medo em pobre para defender benefícios maiores é o mais incômodo.

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    RAIO-X

    Formação
    Tem graduação e mestrado em economia pela UnB (Universidade de Brasília). Vencedor do Edgardo Buscaglia Award on Empirical Research in Law and Economics, da Associação Latinoamericana e Ibérica de Direito e Economia (Alacde)

    Atuação
    É consultor do Senado (concursado) desde 2014. É editor do Brasil, Economia e Governo, blog para discussão de assuntos econômicos

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